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No último dia 9 de outubro, a China anunciou que vai restringir significativamente a exportação de terras raras mineradas e industrializadas no país, bem como dos produtos que as contenham.
Os compradores desses produtos terão de pedir permissão ao governo chinês para negociá-los, mesmo que sejam reindustrializados no exterior, caso utilizem “tecnologias originárias da China para mineração, fundição e separação de terras raras, fundição de metais, fabricação de materiais magnéticos ou reciclagem de recursos secundários de terras raras”.
As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos, como o neodímio e o lantânio, essenciais para a fabricação de produtos de tecnologias avançadas, como ímãs permanentes, sensores, motores elétricos, radares, sistemas de propulsão magnética, baterias, entre outros componentes eletrônicos.
Apesar do nome, não são tão raras — a denominação decorre, na verdade, da complexidade de sua extração e refino. São estratégicas para as indústrias de alta tecnologia e energia renovável.
A China, atualmente, detém quase o monopólio da extração e do refino desses minerais — posição conquistada com décadas de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e controle da cadeia produtiva.
É famosa a frase dita em 1992, há mais de 30 anos, por Deng Xiaoping, o líder chinês que sucedeu Mao Tse-tung e promoveu o início da transformação que levou a China a se tornar uma potência econômica: “O Oriente Médio tem o petróleo. A China tem terras raras.”
O presidente dos EUA, Donald Trump, reagiu imediatamente à decisão chinesa e anunciou, em 10 de outubro, tarifas suplementares de 100% sobre os produtos chineses importados, a serem somadas às já em vigor, o que recrudesce drasticamente a guerra tarifária entre as duas superpotências.
As terras raras têm importância fundamental para a indústria de defesa norte-americana, que importa mais de 70% desses minerais da China. De acordo com dados da consultoria Benchmark Minerals, um caça F-35 pode conter cerca de 418 kg de terras raras em seus sistemas eletrônicos e magnéticos. Já um contratorpedeiro da classe Arleigh Burke utiliza aproximadamente 2.600 kg desses minerais em seus sistemas de radar, propulsão elétrica, sensores e outras aplicações.
Outro exemplo são os submarinos da classe Virginia, que exigem cerca de 4.600 kg de terras raras em seus sistemas críticos. Como se vê, a restrição ao acesso a esses minerais representa uma grave ameaça para a indústria americana — daí a reação imediata do governo Trump.
A nova escalada comercial entre os dois países ocorre em um momento em que as relações vinham se distendendo. Depois da escalada tarifária de abril, em que os EUA chegaram a impor tarifas de 145% à China, as relações haviam melhorado: as tarifas caíram para o patamar de 30%, e quatro rodadas de negociações comerciais já haviam ocorrido.
Os presidentes Xi Jinping e Trump conversaram por telefone no mês passado, e havia a expectativa de que os dois se encontrassem na próxima reunião da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC), no fim de outubro. Agora, porém, já não há certeza de que o encontro ocorrerá.
Toda essa disputa recoloca o foco sobre o potencial brasileiro em relação às terras raras. Segundo o relatório U.S. Mineral Commodity Summaries, o Brasil detém 23% do total das reservas conhecidas desses minerais no mundo — atrás apenas da China e muito à frente da Índia, terceira colocada, com 7,7%.
O potencial brasileiro, porém, permanece amplamente subexplorado: a participação do país no mercado global é de apenas 1%, e há somente uma mina em operação comercial, com foco em terras raras pesadas, em Minaçu (GO).
Já passou da hora, portanto, de o Brasil dedicar atenção a esse assunto. Mas, ao fazê-lo, deve buscar o papel de protagonista, exportando produtos com valor agregado — processados no país — e fugindo da condição de mero exportador de matérias-primas
Isso exigirá investimentos em ciência, tecnologia e inovação; no desenvolvimento de processos de separação e refino; na formação de mão de obra especializada; e na criação de uma indústria nacional capaz de transformar o minério em ímãs permanentes, motores e componentes eletrônicos. Só assim o país poderá converter riqueza mineral em poder tecnológico e estratégico.
O principal risco da disputa entre EUA e China, contudo, é que a guerra comercial se expanda para outras frentes — tecnológicas, financeiras e até militares —, envenenando de vez as relações entre as duas maiores potências do planeta. Nesse cenário, caberá ao Brasil decidir se continuará mero espectador da disputa ou se buscará transformar suas reservas estratégicas em instrumento de poder e autonomia.




