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Paulo Filho

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Estados Unidos

Fim da moratória: o mundo volta a temer o cogumelo nuclear

Teste nuclear realizado em 18 de abril de 1953, durante a Operação Upshot-Knothole, na Área de Testes de Nevada, Estados Unidos. (Foto: Administração Nacional de Segurança Nuclear/Wikimedia Commons)

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou em suas redes sociais que havia instruído o Departamento de Guerra a retomar os testes nucleares “em igualdade de condições” com outros países, referindo-se, sem citar nominalmente, a chineses e russos.
A decisão norte-americana é importante porque, se os testes nucleares forem efetivamente retomados, será interrompida uma moratória que já se estende por mais de 30 anos. O último teste norte-americano ocorreu no deserto de Nevada, em 23 de setembro de 1992. Aquele foi o primeiro ano após a dissolução da União Soviética e, com o fim da Guerra Fria, o então presidente republicano George H. W. Bush decidiu interromper tais experimentos.

Em 1996, na esteira do movimento iniciado por Bush, foi lançado o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, assinado por Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França. Três países atualmente detentores da bomba, entretanto, não o assinaram e continuaram a realizar seus testes: Índia e Paquistão, com dois cada um em 1998, e a Coreia do Norte, que conduziu diversos entre 2006 e 2017.

Trump fez o anúncio poucos dias depois de a Rússia divulgar a realização de duas provas com novas armas capazes de conduzir artefatos nucleares. O primeiro anúncio foi o teste de seu novo míssil de cruzeiro de propulsão nuclear, o 9M730 Burevestnik. A arma, segundo os próprios russos, teria alcance praticamente ilimitado e voaria a uma altura de cruzeiro bastante baixa, dificultando sua detecção por radares inimigos — o que, aliado a grande manobrabilidade, tornaria sua interceptação extremamente difícil.

O segundo foi o teste de um novo tipo de torpedo que, de forma inédita, possui propulsão nuclear, batizado de Poseidon. Segundo se anunciou, trata-se de uma nova categoria de armamento, capaz de ser lançado a grandes distâncias contra infraestruturas costeiras críticas, como portos e bases navais. Embora a propaganda russa sustente que a arma seria capaz de destruir amplas regiões litorâneas, causando “tsunamis radioativos”, vários especialistas consideram essa hipótese tecnicamente improvável, o que denota um grande exagero.

No auge da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, quando o mundo esteve à beira do confronto nuclear durante a Crise dos Mísseis em Cuba, a proximidade do precipício levou os líderes de então a darem um passo atrás

Nenhum dos dois testes, entretanto, envolveu a explosão de artefatos nucleares — fato lembrado pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que afirmou que, se os EUA retomarem seus testes, a Rússia “reagirá de acordo”.

A China não pode ser esquecida nessa equação. O país, que ainda possui um arsenal nuclear bem menor que o dos Estados Unidos ou da Rússia (menos de 500 ogivas, contra mais de 5 mil de americanos e russos), vem aumentando seus estoques de forma acelerada. Segundo levantamento do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), o país dobrou seu arsenal nos últimos cinco anos.

As Forças Armadas chinesas realizaram recentemente uma grande demonstração de força, por ocasião do desfile que marcou os 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial. Entre os diversos sistemas de armas avançados que desfilaram para o público estavam mísseis balísticos, inclusive modelos capazes de alcançar o território continental dos EUA. Além disso, chama atenção o fato de que o 15º Plano Quinquenal do país, divulgado há duas semanas, inclui o objetivo de “fortalecer as capacidades de dissuasão estratégica e salvaguardar o equilíbrio e a estabilidade estratégicas globais”. Em documentos dessa natureza, o termo “dissuasão estratégica” está sempre relacionado ao armamento nuclear.

Todos esses fatos demonstram que as cartas nucleares — que mantiveram o frágil equilíbrio do terror representado pela “mútua destruição assegurada” durante a Guerra Fria — voltaram ao topo das mesas onde se discutem e definem as relações entre as grandes potências. No auge da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, quando o mundo esteve à beira do confronto nuclear durante a Crise dos Mísseis em Cuba, a proximidade do precipício levou os líderes de então a darem um passo atrás, criando uma série de mecanismos de entendimento mútuo e tratados que limitaram os enormes riscos de uma guerra total entre os dois lados.

Será que apenas uma crise tão grave quanto aquela, em que o mundo volte a ficar a milímetros do holocausto nuclear, fará os líderes mundiais repensarem suas estratégias?

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