Os taiwaneses consideram o dia 10 de outubro a sua data nacional. Trata-se de uma rememoração do início da Revolta de Wuchang, ocorrida em 1911, que levou ao colapso da última dinastia chinesa, a Qing, e ao estabelecimento da República da China, em 1º de janeiro de 1912.
Ao discursar nas comemorações da data, o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, irritou os chineses ao afirmar que a ilha não se subordina à China e que esta não tem o direito de representar Taiwan.
Lai Ching-te colocou Taiwan e China em pé de igualdade no cenário internacional, conclamando o governo continental a trabalhar com os taiwaneses em questões como mudanças climáticas e doenças infecciosas.
O presidente de Taiwan é detestado pelo governo chinês, que o considera um perigoso separatista. Seu discurso foi muito mal recebido em Pequim, que o acusou de promover falácias sobre a independência da ilha e de “criar deliberadamente tensões no Estreito de Taiwan”.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China declarou que "só existe uma China no mundo” e que Taiwan é uma parte inalienável do seu território, sendo o governo da República Popular da China o único a legalmente representar todo o país, inclusive a região insular.
A resposta do governo chinês não se limitou à retórica.
O Teatro Oriental, comando conjunto do Exército Popular de Libertação da China responsável pelo Estreito de Taiwan, iniciou imediatamente manobras militares simulando o cerco à ilha
Batizado de “Espada Conjunta B” (a Espada Conjunta “A” ocorreu em maio, logo após a posse de Lai Ching-te), o exercício simula um bloqueio naval às ilhas do arquipélago de Taiwan, bem como ataques a áreas marítimas e terrestres. Embora de curta duração, as manobras da semana passada aumentaram em volume de meios militares e em agressividade.
Segundo os taiwaneses, 125 aeronaves militares chinesas voaram em direção a Taiwan no último dia 14, estabelecendo um recorde. Seis áreas marítimas no entorno da ilha principal, e três outras nas proximidades dos arquipélagos de Quemoy e Matsu, controlados por Taiwan e próximos ao litoral chinês, foram interditadas pelos chineses, que enviaram, para essas regiões, navios da marinha de guerra, inclusive o porta-aviões Liaoning, e da guarda costeira.
Manobras militares chinesas no entorno de Taiwan têm se tornado cada vez mais frequentes, envolvendo sempre muitos meios militares e formando um círculo cada vez mais apertado em torno da ilha. Dessa vez, os chineses buscaram demonstrar que possuem a capacidade de cortar as linhas marítimas que chegam a Taiwan, especialmente os portos por onde a ilha recebe seus suprimentos de gás natural.
Pela primeira vez, o mapa do exercício mostrou a utilização de áreas dentro da chamada “Zona Contígua” do litoral taiwanês.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) define a zona contígua como uma área que se estende até 24 milhas náuticas (cerca de 45 km) a partir das linhas de base que delimitam o mar territorial. Nessa zona, a soberania do Estado é limitada a medida de fiscalização, como aduaneiras, fiscais, migratórias ou sanitárias. A incursão dentro da Zona Contígua demonstrou, na prática, a capacidade crescente da China de isolar Taiwan e de pressionar a ilha de maneira cada vez mais incisiva.
Outro aspecto digno de nota neste exercício foi o emprego - em grande escala - de navios da Guarda Costeira da China. Essa estratégia é vista pelos taiwaneses como uma forma de escalar o conflito dentro da chamada “Zona Cinzenta”, ou seja, abaixo do limiar de um conflito armado, evitando o uso de navios de guerra, mas impondo uma presença cada vez maior da China nos mares que circundam a ilha.
As manobras militares “Espada Conjunta B”, e o endurecimento das retóricas por ambos os lados, indicam que a tensão no Estreito de Taiwan está longe de ser aliviada. A cada novo exercício militar, a China demonstra sua capacidade de apertar o cerco à ilha, ao mesmo tempo em que explora as zonas cinzentas da diplomacia e da guerra.
Vale lembrar que isso ocorre em um contexto de crescente instabilidade global, com a guerra na Europa se aproximando do terceiro ano, o Oriente Médio convulsionado e a Organização das Nações Unidas incapaz de mediar qualquer solução. Nesse cenário volátil, a tensão em torno de Taiwan revela o risco iminente de surgimento de uma nova zona de conflito.
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