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Paulo Filho

Paulo Filho

Forças navais dos EUA

O retorno da política das canhoneiras na América do Sul

25/09/2012 – O USS Gravely (DDG 107) participa do exercício UNITAS Atlântico 53 no Caribe, com 13 navios de sete países parceiros. (Foto: Tenente-Comandante Corey Barker/Marinha dos EUA/Wikimedia Commons)

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Uma série de movimentos diplomáticos e militares pouco comuns, além do recrudescimento de conflitos e da escalada retórica, indicam que a América do Sul realmente não está imune ao aumento global das tensões geopolíticas.

Na semana passada, o tema do meu texto aqui, neste espaço da Gazeta do Povo, foi a disputa fronteiriça entre Colômbia e Peru, em torno da Ilha de Santa Rosa, situada na tríplice fronteira entre os dois países e o Brasil. Hoje, retorno ao nosso entorno estratégico para tratar da presença de uma força naval norte-americana na costa da Venezuela.

Os EUA decidiram enviar para o Caribe e para a costa venezuelana três contratorpedeiros de mísseis guiados da classe Arleigh Burke. Trata-se de belonaves dotadas de mísseis Tomahawk, capazes de atingir com precisão alvos terrestres a grande distância.

Além desses navios, noticiou-se que o Grupo Anfíbio de Prontidão Iwo Jima, que atua em conjunto com a 22ª Unidade Expedicionária de Fuzileiros Navais, constituído por três navios de desembarque anfíbio e por um contingente embarcado de 2.200 fuzileiros navais, também seria deslocado para as águas do Caribe e da América do Sul.

Embora a justificativa imediata para o envio dessas forças seja o combate ao narcotráfico — em especial ao fentanil —, é evidente que essa operação se insere em um quadro estratégico mais amplo. Além da guerra às drogas, Washington busca conter fluxos migratórios irregulares, limitar a crescente influência da China no hemisfério e manter os governos sul-americanos sob pressão para que se alinhem aos seus interesses.

Nesse contexto, os EUA, que consideram ilegítimo o atual governo venezuelano, acusam o presidente Nicolás Maduro, seu ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, e outros próceres do regime de serem líderes do chamado “Cartel de los Soles”, incluído na lista de organizações criminosas. A recompensa oferecida pelos EUA por informações que levem à captura de Maduro foi aumentada para 50 milhões de dólares.

Em claro alinhamento com os EUA, a Guiana — país que tem dois terços de seu território, a região do Essequibo, contestados pela Venezuela e onde haverá eleições presidenciais em 1º de setembro — emitiu, na semana passada, uma nota oficial referindo-se ao “Cartel de los Soles” como uma ameaça à segurança regional, afirmando apoiar “iniciativas regionais e globais destinadas a desmantelar redes criminais para salvaguardar a segurança compartilhada”.

Também na semana passada, na Argentina, durante a Conferência de Defesa da América do Sul 2025 (SOUTHDEC 25), o comandante do Comando Sul dos EUA, almirante Alvin Holsey, na presença de delegações do Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai, alertou que havia 33 grupos sancionados pelos EUA — incluindo 10 organizações terroristas estrangeiras recentemente designadas — operando na América Latina e no Caribe.

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Segundo Alvin Holsey, essas organizações terroristas estão envolvidas no tráfico ilícito de drogas, armas, commodities, vida selvagem e pessoas, gerando US$ 358 bilhões por ano em receita

Holsey destacou que essas atividades “perpetuam um ciclo de violência e corrupção que ameaça a segurança dos cidadãos e a integridade das democracias da região”.

Voltando-se para a China, Holsey declarou que a presença e a influência do país “têm consequências de longo alcance em todos os domínios, particularmente no Cone Sul, onde linhas vitais de comunicação marítima, como o Estreito de Magalhães e a Passagem de Drake, servem como pontos de estrangulamento estratégicos e podem ser usadas pela China para projetar poder, interromper o comércio e desafiar as diversas soberanias de nossas nações ou a neutralidade da Antártida”.

Esses dois eventos concomitantes — a presença de forças navais norte-americanas no setentrião da América do Sul e os recados transmitidos pelo comandante do Comando Sul dos EUA na porção austral do subcontinente — mostram, com clareza cristalina, a postura muito mais assertiva do poder militar dos EUA na região.

Demonstram também os objetivos estratégicos do país: conter o tráfico internacional de drogas e a imigração ilegal, bloquear a influência chinesa no hemisfério e pressionar os diversos governos a um alinhamento absoluto com seus interesses.

O diagnóstico de Holsey não é novo. Esse discurso é idêntico ao que era feito pela antiga comandante do Comando Sul, nos tempos do governo Biden, a general Laura Richardson. O que mudou foi a abordagem.

Enquanto Richardson advogava que os EUA deveriam prestar atenção à região, buscar maior integração e aumentar os investimentos para manter sua influência — reiteradas vezes dizendo que “quando o dólar sai, o yuan entra” —, a opção atual é “enviar as canhoneiras”, com demonstrações ostensivas de poder naval.

Nesse contexto, é fundamental que o Brasil, na defesa de seus interesses estratégicos, atue com objetivos claramente definidos e uma comunicação estratégica milimetricamente planejada. Caso contrário, arrisca-se a se tornar mero espectador das transformações em curso em seu entorno, perdendo a capacidade de proteger sua autonomia e de influenciar os rumos da região de acordo com os interesses nacionais.

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