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Na próxima sexta-feira, dia 1º de agosto, vencerá o prazo previsto por Donald Trump para a imposição de tarifas de 50% aos produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos. Tudo o mais constante, dadas as condições atuais de completa ausência de interlocução entre os dois governos, é praticamente certo que as tarifas serão implementadas, podendo causar, segundo o governador de São Paulo, perdas de até 120 mil empregos e um prejuízo de até 2,7% do PIB do estado mais rico da federação. São Paulo pagará a maior conta, mas os outros estados, e o Brasil como um todo, sofrerá as consequências.
Além das tarifas que afetam o comércio exterior brasileiro, há as medidas coercitivas de caráter político/diplomático, como as já divulgadas sanções contra alguns ministros da Suprema Corte brasileira. Especula-se que atos muito mais gravosos, contra autoridades brasileiras ou mesmo contra o país como um todo, possam ainda ser adotadas pelo governo dos EUA caso suas demandas políticas e econômicas não sejam atendidas.
Os sinais de que medidas como essa poderiam ser tomadas eram numerosos, e foram dados pelos pronunciamentos e ações de Donald Trump desde o início de seu governo. A postura agressiva dos EUA em face a aliados tradicionalíssimos, como Canadá e México, além dos países da Otan, e seu comportamento em relação à Groenlândia e Panamá não autorizava qualquer observador moderadamente atento a ter dúvidas de que a hora do Brasil poderia chegar.
As culpas não se restringem ao lado americano, e já estão sendo apontadas em vários artigos de opinião e reportagens, aqui na Gazeta do Povo e em toda a imprensa. Certamente, a história se encarregará de apontá-las e de responsabilizar os culpados. Meu foco, neste texto, é outro: discutir as possíveis estratégias que o Brasil pode adotar para o enfrentamento da questão.
O verdadeiro dilema não parece estar na escolha de um lado na disputa em curso no sistema internacional, mas sim, internamente, na definição dos nossos próprios objetivos estratégicos. Sabemos, verdadeiramente, onde queremos chegar?
A coerção norte-americana sobre o Brasil, por meio das tarifas e outras medidas, apesar de ter uma componente bilateral e política, está fortemente inserida na disputa geopolítica em curso e tem, por óbvio, a competição com a China pela influência sobre a América do Sul como fator preponderante. As menções sempre agressivas de Trump em relação aos Brics, cuja presidência é atualmente desempenhada pelo Brasil, deixam isso muito claro. Nesse contexto, o Brasil enfrenta um dilema: como se comportar em face do desafio apresentado pelos EUA?
A teoria das relações internacionais, especialmente a sua vertente realista, aponta três estratégias principais. A primeira, conhecida na literatura como balancing, ou “equilíbrio de poder”, sugere contrabalançar a pressão dos Estados Unidos, resistindo por meio do fortalecimento de alianças alternativas, aprofundando, por exemplo, a cooperação com a China e os Brics, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os países do chamado “Sul Global”, em defesa de uma ordem internacional mais multipolar que mitigue os efeitos das ações norte-americanas.
A segunda via seria o bandwagoning, ou “acomodação com o poder”, isto é, ceder às exigências dos Estados Unidos e alinhar-se de forma mais submissa ao poder de Washington, na esperança de evitar punições mais severas e preservar pelo menos alguns dos interesses econômicos imediatos.
Há ainda uma terceira opção: o hedging, ou “apostas simultâneas”. Nesse caso, o Brasil buscaria se equilibrar entre EUA e China, tentando tirar proveito das oportunidades oferecidas por cada um, sem se comprometer inteiramente com nenhum lado — em uma espécie de jogo de equilíbrio que exige habilidade diplomática e clareza estratégica.
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Creio que, embora mais difícil, por exigir movimentos calculados milimetricamente e, acima de tudo, uma estratégia bem definida, que envolva uma concertação entre o governo federal, os governos estaduais e o empresariado, a terceira opção — ou seja, a busca de uma posição equilibrada entre EUA e China — é a mais adequada aos interesses brasileiros.
Entretanto, essa alternativa — o equilíbrio estratégico entre EUA e China — impõe desafios significativos. O hedging, embora atraente por preservar margem de manobra e autonomia decisória, exige coordenação política, clareza de objetivos e resiliência na busca pela consecução da estratégia planejada. Trata-se de uma escolha que só se sustenta se houver capacidade real do Estado brasileiro de formular políticas externas coerentes e de resistir a pressões externas.
Além disso, o sucesso dessa via depende da percepção internacional de que o Brasil é, de fato, um ator com projeto estratégico próprio. Caso contrário, a tentativa de equilibrar-se entre grandes potências pode ser vista apenas como hesitação ou fragilidade, resultando no pior dos cenários: a perda de credibilidade diante de ambos os lados. Dessa forma, mais do que optar entre resistir, alinhar-se, ou equilibrar-se, o Brasil precisa, antes, decidir qual é sua grande estratégia no cenário internacional — e estruturar sua atuação externa a partir dessa decisão.
O verdadeiro dilema não parece estar na escolha de um lado na disputa em curso no sistema internacional, mas sim, internamente, na definição dos nossos próprios objetivos estratégicos. Sabemos, verdadeiramente, onde queremos chegar? E, se soubermos, temos clareza sobre os caminhos a seguir? Como advertiu o Gato de Cheshire à protagonista de Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas: “Se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve.”
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




