“[...] Devo-lhe o que considero ser talvez minha única posse segura: o sentimento de liberdade interior”.
- Stefan Sweig
Graças a um amigo que mora na Austrália, fiquei sabendo que, na manifestação do 7 de Setembro na Avenida Paulista, pouco antes de subir no carro de som, um assessor entregou ao ex-presidente Jair Bolsonaro o texto em que eu o convidava a trocar a política pela pesca ou bocha. Bolsonaro, até então inclinado a fazer um discurso tão covarde quanto o do governador de São Paulo (o que foi aquilo?!), leu rapidamente meu texto – e mudou de ideia.
Mito! Digo, minto! Claro que Bolsonaro não leu minhas palavras duras & sensatas & cuidadosamente pensadas para criticar o ex-presidente, mas nunca para criticar quem deposita em Bolsonaro uma esperança legítima, ainda que eu possa considerá-la um tiquinho equivocada. De qualquer modo, foi quase (quase!) perfeito o aguardado discurso do líder da direita. Contrariando as baixíssimas expectativas por ele mesmo criadas em entrevista à Rádio Auriverde, Bolsonaro chamou Alexandre de Moraes de ditador. Ufa.
Foi o que bastou para calar potenciais parceiros de pesca e bocha do ex-presidente. E eu poderia tecer outros comentários elogiosos ao discurso de Bolsonaro, não fosse por um detalhe: numa manifestação pela liberdade de expressão, com direito a camiseta com #FREEDOMOFSPEECH e discursos em inglês para serem ouvidos por todo o mundo realmente democrático e livre... acredita que Bolsonaro deu um jeito de querer calar seus adversários dentro da própria direita?
Chama a PM!
Pois pode acreditar. Em dado momento, sentindo-se atrapalhado por um carro de som, Bolsonaro interrompeu o discurso para reclamar de um “picareta oportunista” – palavras dele. Mas há dúvida quanto à identidade do meliante. Algumas fontes dizem que o ex-presidente se referia a Marco Antônio Costa, co-organizador da manifestação. Outras fontes juram de pés juntos que o alvo da grosseria foi Pablo Marçal. Não sei e, sendo como sempre sincero, não interessa. Porque o mais grave não é o alvo da irritação de Bolsonaro, e sim a forma autoritária como ele lidou com o problema, repito e reforço em itálico, numa manifestação que tinha como pano de fundo a liberdade de expressão.
A certa altura, Bolsonaro se virou para o ensaboadíssimo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e, como se fosse o dono da manifestação, como se detivesse o monopólio de todas as causas associadas à direita, como se fosse dono de um curral eleitoral, Bolsonaro pediu (ou mandou, aí vai da interpretação de cada um) que Tarcísio enviasse a PM para intervir na situação. Você tem ideia da gravidade disso? Pô, Bolsonaro, que decepção! Me ajuda a te ajudar, cara!
Nobreza
Outra coisa que chamou a minha atenção foi o protagonismo de Jair Bolsonaro numa manifestação que, diferente de outras tantas parecidas, não era para defender ou exaltar o ex-presidente. Que agiu como candidato a, em 2026, se a caridade dos inimigos dele permitir (apud Olavo de Carvalho), botar ordem nesta pocilga institucional em que se transformou o Brasil. Não é por nada, não, mas alguém deveria avisar que (i) Bolsonaro está inelegível; e (ii) pergunta-se: quem aposta que a tal “falha no Sistema” (para usar as palavras do próprio) irá se repetir?
Neste momento em que a prioridade do país é se livrar de um autocrata de toga, Bolsonaro deveria fazer o que se espera dele, isto é, chamar Alexandre de Moraes de ditador e tal, mas ter também a nobreza de reconhecer que não é hora de fazer campanha, nem de exaltar os feitos pretéritos, nem de posar de vítima de perseguição (o que ele de fato é). Porque praticamente todo mundo que estava na Avenida Paulista no último 7 de Setembro tinha uma leitura da realidade benéfica à imagem de Bolsonaro.
A hora é outra. É de botar um freio no STF, na crença de que basta um vento suficientemente democrático para derrubar o castelo de cartas da ditadura de toga que se estabeleceu sorrateiramente no Brasil. Porque, se isso acontecer (Deus me ouça!), o resto (isto é, a anistia aos presos políticos do 8 de Janeiro, o fim dos inquéritos ilegais e a elegibilidade de Bolsonaro) será consequência natural do restabelecimento da ordem democrática.
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