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— Benhê, depois que você terminar venha cá que preciso conversar com você — disse Janja para Lula.
Como na crônica anterior, ele estava lavando uma pilha de louças. Desta vez, porém, além de fazer brilhar os cristais e a prataria, Lula estava – pasmem! – pensando: “Será que os leitores vão entender que só estou lavando a louça porque o autor quer me mostrar como capacho da esposa, e não como um homem normal e trabalhador?”. Vão, Lula. Certeza que vão.
— Já vai! — grita ele, voltando a se concentrar no esfrega-esfrega da louça phyna. Cinco minutos se passam.
— Falta muito, Lulu? — perguntou Janja, impaciente. Lula bufou, rezando para ela não perceber sua irritação.
— Já tô indo, amorzinho! — gritou ele mais uma vez, colocando o último prato no escorredor, despindo-se do avental com estampa da Madonna e correndo para ver o que afligia sua amada. —O que foi, Rosângela do meu coração?
— É que estão falando de mim.
— Mas não era isso o que você tanto queria, Rô? Tem dias em que acho que falam até mais de você do que de mim.
— Eu queria que falassem bem de mim, Lulu. Mas estão falando mal.
— Oh. Não fica assim, não. Chega mais perto. Deixa eu te fazer um cafuné — diz ele. Eu sei. Engov e tal. — Conta aqui pro Lulazinho o que falaram de você agora, conta. Criticaram a sua roupa? A sua bolsa Hermès nova?
— Não. É pior. Estão dizendo que sou a pessoa mais odiada do Brasil.
— Mais do que o Alexandre?
— Mais. — Ela chorou e Lula se viu obrigado a fingir que estava acreditando naquele melodrama todo. “Onde é que eu tava com a cabeça quando...”, começou a pensar ele, mas seu arrependimento foi interrompido pelos soluços um tanto quanto exagerados da primeira-dama.
— Deixa eu ver quem falou isso — exigiu ele, pegando o iPhone cravejado de brilhantes da mão dela. — Digo, posso ver quem falou isso de você, bem? — perguntou capachamente, se lembrando de que ainda agora há pouco estava lavando a louça do jantar. E que ainda tinha que levar o lixo para fora.
— Deixa para lá — disse ela, recuperando o celular antes que fosse tarde demais, fazendo biquinho e esperando que o maridão mostrasse que ainda manda nesta joça de país. Manda?
— Deixa pra lá coisa nenhuma! Amanhã bem cedo eu vou falar com o Paulinho pra ele dar um jeito nesse sujeito. Investigar por fêiquinius. Afinal, todo mundo sabe que o Alexandre é mais odiado que você.
—Paulinho? Que Paulinho? O Popov?
— Não, sua bobinha. O Pimenta. — Mas Janja fez cara de quem não conhecia nenhum Paulo Pimenta. — O Montanha — sugeriu Lula e a primeira-dama imediatamente ligou o apelido à planilha de propina da Odebrecht e, finalmente, ao “Paulinho” capaz de calar quem a criticava.
— Ah, mas nem precisa recorrer à censura, amô. Deixa esse trabalho sujo lá pro Alexandre. Porque eu tive uma ideia. Uma ideia tão boa que nem o Popov vai poder criticar.
— Diga! Diga! Diga! — pediu Lula como se fosse um menininho de cinco anos. Mas aí ele se lembrou de com quem estava casado e: — Ah, Rô. Não me diga que... Não, não vai dar. Tem gente morrendo lá no Rio Grande do Sul. Eu já disse que não é hora de conhecer as Seychelles.
—Não é nada, disso! E tem a ver com aquele pessoal lá do sul — disse ela.
— Mas você já foi lá e já se sujou de lama um pouquinho e já tirou foto carregando pacote de ração e já trouxe aquela cachorrinha pra cá —tentou Lula, prevendo outra crise de relações-públicas.
— Bom, você quer me escutar ou prefere dormir no quarto de visitas? — perguntou/ameaçou ela, sabendo que Lula, por algum motivo insondável, morria de medo do quarto de visitas do Palácio do Alvorada. Sem que ele pudesse fazer essa escolha de Sofia, Janja continuou: —Minha ideia é salvar um cavalo. Já tenho até um nome para ele: Caramelo.
— Mas “Caramelo” é nome de cachorro, Janja — disse Lula, o mais condescendente possível.
— O pessoal do marketing disse que esse negócio do nome não tem problema. Que o cavalo só precisa ser marrom, e não pode ser branco, porque senão é capaz de o Silvio Almeida reclamar e daí já viu, né? Por falar nisso, viu o que aquela tonta da Anielle fez?
— Usou as enchentes para pedir voto pro nosso governo. É que ela é muito inexperiente nessa coisa da política. Tem que ser igual a eu...
— A mim.
— A você, não. A eu.
— Não! Eu tô explicando. Corrigindo. O português. Ah, deixa pra lá!
— Tem que ser igual a eu que pedi voto pro Boulos. Mas pelo menos eu falei pras paredes, e não no meio de uma tragédia. Mas chega de falar de eu.
— De mim — corrigiu Janja.
— Isso, vamos falar de você um pouco. Então você vai resgatar um cavalo. E aí? Já combinou com a assessoria de imprensa pra eles te tratarem como heroína. Tem que combinar antes, hein!
— Não! Eu nunca disse que pretendo resgatar um cavalo. Deus me livre! Imagine pegar leptospirose ou coisa pior naquelas águas imundas. Eu disse que vou salvar um cavalo. Mas de longe. Daqui mesmo. Só observando. Só animando o populacho. Só acompanhando pela LulaNews. E aí, quando finalmente tiverem resgatado o cavalo, eu digo... — Janja faz uma pausa dramática. — Salvamos. Mais. Uma. Vida.
— Gostei, mas...
— Calma, calma, calma! Calma que não acabou. Já pensei em tudo. Eu digo que salvamos mais uma vida, sorrio para a câmera e faço um gesto contido de vitória. Aí vem o grand finale. Porque você vai estar em reunião no seu gabinete ou num evento qualquer e eu vou lá, invado, cochicho no seu ouvido, você me abraça, todo muito filme, meus amigos da Internet repercutem... E pronto! Adeus lista das pessoas mais odiadas do Brasil! Tá tudo acertadinho. Já combinei até com o Stuckert e com aquele menino lá das redes sociais.
— Tudo bem, Janja. Faz o que você quiser. Mas só uma coisa: o que é que a gente vai fazer com o cavalo?
—Ah, com tantos amigos ricos, você com certeza arranja um haras pra ele.
— Isso não é problema. Se duvidar eu até já sou dono de um haras que é de um amigo meu — diz Lula. Os dois riem e eu tô rindo também. Essa foi boa! — Só mais um detalhe, Janja. Onde é que você vai arranjar esse cavalo? Ele não tem dono?
— Ora, ora, ora, senhor Luís Inácio — diz ela, se levantando e batendo o pezinho. Sabe como? — E desde quando isso é um problema para nós, petistas?