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Nas redes sociais, sim. Houve várias manifestações de revolta e indignação. Xingamentos, palavras de ordem, trocadilhos insultuosos e pontos de exclamação. Nas ruas, porém, nada. Não teve protesto na Avenida Paulista. Tampouco nos chamados “bolsões bolsonaristas” houve grandes manifestações contra a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nem buzinaço ou panelaço teve ou, se teve, não foi barulhento o bastante. Você não está curioso para saber por quê?
Eu estou e me parece que o principal suspeito é o medo. Ninguém quer sair às ruas pedindo, sei lá, o fim da ditadura ou a liberdade de Bolsonaro para depois se envolver num quebra-quebra provocado por esquerdistas infiltrados e acabar condenado a 17 anos de prisão por tentativa de abolição do Estado democrático de direito. Não por acaso, Alexandre de Moraes usou uma vigília de orações para justificar o pedido de prisão preventiva de Bolsonaro.
Vale a pena?
Ou seja, depois de acabar com a liberdade de expressão, Alexandre de Moraes, em sua obsessão por exterminar tudo o que cheire a bolsonarismo, acabou também com o direito de reunião e manifestação. Vigília, só se for pela saúde do Lula. Manifestação, só se for a favor do aborto. Protesto, só se for contra alguma pauta conservadora ou líder da direita. E sabe o que é o pior? O pior é que todo mundo está fingindo que isso não aconteceu e que Bolsonaro foi preso só porque resolveu brincar de derreter a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda.
Mas não é só isso. Outro motivo para o Brasil não ter parado e ninguém ter ido às ruas é a sensação de que não vale a pena. De que os políticos não estão nem aí para a outrora trovejante voz das ruas. Bolsonaro poderia reunir milhares ou milhões nas ruas, todos vestindo verde e amarelo, cantando o Hino Nacional e quiçá rezando o Pai Nosso. A essa imagem a imprensa reagiria com indiferença ou hostilidade franca; e os políticos, ah, os políticos ririam da nossa cara. A multidão não significa mais nada e a vontade do povo virou ruído branco no ouvido de burocrata.
Onde estão os tanques de guerra?
Tem ainda, não nos enganemos, o comodismo. Brasileiro só gosta de sair à rua para participar de manifestação política quando sente que tem chance de vencer. De que está do lado certo e principalmente vencedor. É quando se misturam o clima de final de Copa do Mundo e de impeachment. Ou então quando sente que a manifestação, seja lá qual for a pauta dela, vai entrar para a história – como aconteceu em 2013. Brasileiro adora a oportunidade de dizer que esteve lá, que participou disso e que, no fundo, a história só mudou por causa da presença dele.
No mais, muita gente sente que a perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro não afeta em nada a sua vida, que não tem censura nem ditadura. Afinal, onde estão os tanques de guerra? De modo que ele, o brasileiro acomodado, não vê nenhuma razão para demonstrar apoio a Bolsonaro ou se revoltar contra o regime PT-STF. Afinal, a picanha e o café podem até estar caros. A violência está nas alturas. Os corruptos estão soltos. Mas quando é que a realidade foi muito diferente disso?
Desgaste
E aqui chegamos aos parágrafos mais difíceis do texto. Porque é preciso (mas ninguém quer) reconhecer que muitos erros foram e continuam sendo cometidos, e que as sucessivas narrativas negativas de fato causaram um desgaste na popularidade antes inquestionável de Bolsonaro. Neste ponto, os dois cardápios, tanto o dos erros quanto o das narrativas, são fartos.
E tudo começa láááá atrás, com a Declaração à Nação que Bolsonaro divulgou depois de chamar Alexandre de Moraes de “canalha” na Avenida Paulista. Depois teve piada imprópria durante depoimento. Antes disso, teve o desastroso xadrez 4D das eleições de 2024. Aí, teve tarifaço, Magnitsky e “Game of Santa Catarina”. Etc, etc, etc. Essa sucessão de tropeços, uns graves, outros bobos, outros mal interpretados, foi criando fissuras que, com o tempo, talvez tenham virado abismos. Alguns até intransponíveis.
Filhos e personagens caricatos
Vale dizer que em muita gente a situação de Bolsonaro ainda desperta alguma empatia. Talvez até muita empatia. Afinal, ninguém gosta de ver o semelhante sofrendo injustiças que beiram a crueldade. Mas aí você pensa nos filhos dele e nesse objetivo de manter o capital político do clã, do sobrenome. E aí a coisa complica. Ir às ruas ou parar o país para apoiar o ex-presidente é uma coisa. Para apoiar Eduardo Bolsonaro é outra bem diferente.
É por meio dessas associações complicadas, algumas até indigestas, que o bolsonarismo, enquanto movimento, exibe seu lado mais frágil. Como já escreveu alguém, por desespero e também por cálculo político (é mais fácil ser pedra do que vidraça), o bolsonarismo se viu reduzido a seus militantes mais fiéis e seus personagens mais caricatos. E isso afasta um bocado de gente que antes não tinha vergonha de se dizer bolsonarista, mas hoje tem.
Vida que segue
O fato é que, ao contrário do que previam os mais entusiasmados, Alexandre de Moraes primeiro confinou o ex-presidente aos limites da sua casa e o calou. O Brasil não parou por causa disso. Depois, Alexandre de Moraes o prendeu não na Papuda, e sim numa cela na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. O agro não parou. Os caminhoneiros não estão nem aí. E o exército continua com o interminável trabalho de pintar meios-fios por aí.
No sábado (22) fez sol. A feira e os parques estavam lotados. Aqui e ali, entre um “O Coxa vai ser campeão da Série B” e um “Não, não, não. O Athlético é que vai!”, falava-se da prisão de Bolsonaro. Na ciclovia, ciclistas desesperados buzinavam para pedestres distraídos com o noticiário. Dando a volta no Parque Barigui, ouvi ao menos dois “é um absurdo!” e um “onde é que a gente vai parar?”. E vida que segue. Aos trancos e barrancos, com revolta, indignação e sensação de impotência. Mas segue.




