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Caro leitor,
Ansioso pelas férias (já estão chamando para o embarque), confesso a um amigo a dificuldade de escrever esta carta e ele sugere que eu fale sobre Pablo Marçal, o oportunista e conservador de ocasião que, em entrevista para o UOL, deu uma das declarações mais abjetas que já tive o desprazer de ouvir neste tempo de declarações abjetas em abundância. Ele disse que a família é a responsável quando uma pessoa se mata ou vira mendigo.
Marçal disse isso numa referência ao pai da deputada e pré-candidata à prefeitura de São Paulo Tabata Amaral. Pela qual não nutro nenhuma estima, mas que vou defender aqui porque o que o também pré-candidato disse é demais para mim e viola todo e qualquer princípio que se possa associar ao conservadorismo ou até mesmo a esse catadão de princípios que chamamos de direita. Simplesmente não dá para aceitar como normal uma perversidade dessas.
“Ah, mas progressistas/esquerdistas como a Tabata dizem e fazem a mesma coisa. Ou até pior!”, diz alguém. Sim, e é justamente por isso que não estou ao lado deles. Que eu saiba a distinção necessária é entre joio e trigo, e não joio mais e joio menos daninho. Aliás, alguém aí já viu um “pé de joio” na vida? Eu até este momento nunca tinha visto a cara do joio. Fui pesquisar, vi e, de quebra, descobri que o outro nome popular da planta é “cizânia”. Faz sentido.
Pergunta sincera
E por falar em cizânia, temeroso de criar uma agora mesmo, vou aproveitar o ensejo para, humildemente, fazer uma pergunta sincera que espera uma resposta idem: você acredita mesmo-mesmo que Bolsonaro reverterá a inelegibilidade e se lançará candidato à Presidência em 2026, num arco narrativo semelhante ao de Donald Trump? E, se não for abusar muito, outra pergunta: nesse caso, você votaria em Bolsonaro?
Faço essas perguntas porque sou insuportavelmente chato curioso, mas também porque vejo com preocupação o futuro que se avizinha. O prenúncio é de uma direita para lá de fragmentada, com grupos antagônicos, e bota antagônicos nisso!, apoiando de Tarcísio de Freitas a Ronaldo Caiado, passando até pelo repugnante Pablo Marçal. E todos disputando o apoio aparentemente valiosíssimo e potencialmente vitorioso (a conferir nas eleições de 2024) de Bolsonaro.
Desnecessário dizer, mas digo mesmo assim, que todo esse antagonismo deixa o caminho livre para a vitória de Lula IV ou do poste que ele escolher. Mas isso nem é o pior; o pior é que esse antagonismo todo só contribuirá para o surgimento de uma direita cada vez mais sectária, farisaica e paranoica, do tipo que acha que todo trigo é joio infiltrado. Não é preciso ser nenhum gênio para prever que o resultado disso é a míngua.
Fio da navalha
Antes de me despedir e embarcar para as paradisíacas praias de Caiobá, porém, me permita uma última consideração perigosa, um último passeio pelo fio da navalha que são essas minhas conversas semanais com o leitor. Acontece que li nesta Gazeta do Povo o ex-mensaleiro Valdemar da Costa Neto garantindo que Bolsonaro sairá candidato à Presidência em 2026 – e de repente me dei conta deste que talvez seja o maior calo nos pés de barro do ex-presidente: a aliança com Valdemar da Costa Neto e tudo o que ele representa.
Ou melhor, tudo o que ele não representa, mas que por interesse político diz representar. E tem gente que, por cálculo político ou ingenuidade, acredita. Ah, se tem!
A gente se vê daqui a duas semanas. Um abraço do
Paulo.
P. S.: E pensar que eu pretendia sair de férias escrevendo sobre nuvens, filatelia e o romance que estou escrevendo...
P.P.S.: Numa dessas minhas cartas eu disse que tenho os melhores leitores do mundo. E tenho. Prova disso é que, no texto sobre as joias sauditas, uma leitora que se identifica como Clarice escreveu algo simples, mas brilhante: nada disso estaria acontecendo se Bolsonaro tivesse simplesmente doado as malditas joias para uma instituição filantrópica qualquer. Para a Santa Casa de Juiz de Fora, que o salvou da facada, por exemplo. Não que um gesto assim tivesse posto fim a essa perseguição toda. Mas gosto de pensar que um gesto altruísta de Bolsonaro teria obrigado até seus detratores a reconhecerem a injustiça contra ele. De qualquer modo, não dá para chorar o leite derramado. O negócio é enfrentar essa realidade com esperança.
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do segundo parágrafo, tem um campo para isso].