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Entidade processa Flávio Bolsonaro por chamar Renan Calheiros de “vagabundo”
| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A Associação Brasileira dos Vagabundos (Abrava), entidade que engloba a Federação Nacional dos Vagabundos (Fenavaga) e a Central Única dos Vagabundos (CUVA), decidiu entrar com ação no Supremo Tribunal Federal contra o senador Flávio Bolsonaro. Tudo porque ontem (12), durante um bate-boca na CPI da Covid, o Primogênito Presidencial chamou o senador Renan Calheiros de "vagabundo".

“Isso é um absurdo! Nós, vagabundos oficiais, jamais aceitaríamos alguém como Renan Calheiros em nossos quadros novamente”, desabafou José D., presidente da Abrava, intelequitual e açougueiro nas horas vagas. “Para tudo há limite. A Abrava é uma entidade que luta pela preservação da vagabundagem-arte, vagabundagem-raiz, vagabundagem de várzea. Não admitimos que associem nosso nome a um vagabundo qualquer!”, completou.

A ação deve ser protocolada ainda hoje, depois que os membros mais experientes da confraria concluírem o ritual diário da cerveja, da cacheta e da sinuquinha. Para poupar esforços, os advogados da Abrava pretendem copiar e colar partes da ação movida pela Confraria dos Trocadilheiros do Carilho contra todos os jornalistas, cronistas e tuiteiros que insistem em cometer o crime de lesa-trocadilho e se referir a Renan como “Canalheiro”.

Preguiça & vadiagem & brahma

A fala do Zero Um gerou revolta entre os muitos membros da Abrava que assistiam obcecados à sessão da CPI da Covid. “Eu, que tava assim meio dormindinho, levei um susto. Até demorei um pouco para entender. Renan Calheiros vagabundo? De jeito nenhum! Todo mundo sabe que ele foi expulso da agremiação ainda criança”, conta José D.

O caso ocorreu no fim da década de 1960, no auge do Movimento Vagabundo Brasileiro (MVB) e antes de os membros mais afoitos se esquecerem dos preceitos que norteiam a filosofia vagabundiana (“preguiça & vadiagem & brahma”), se envolverem com a luta armada contra a Ditadura e fundarem o PT.

Naquela época, apareceu na sede da Federação Nacional dos Vagabundos, seccional Maceió, um jovem mirradinho, de sorriso cínico e fala cativante. “Nós o acolhemos como a um filho”, lembra José D. “Ele era simplesmente... natural, entende? Ele exalava aquela vagabundagem marota e ingênua. Todos viam nele um grande vagabundo em potencial. Mas daí...”, José D. deixou as reticências no ar enquanto acendia um cigarro e se afundava numa poltrona-cama.

Mas daí (resumindo o que me contou José D. entre bocejos), o menino-prodígio da vagabundagem começou a andar com os maus elementos da política local, que lhe ofereceram poder, prestígio, dinheiro, implante capilar, amante – o pacote todo. “Isso vai contra tudo aquilo em que nós, vagabundos assumidos, acreditamos. Que é basicamente uma vida de sombra e água fresca. Vagabundagem e política não combinam!”, discursou José D., já visivelmente cansado da conversa e fazendo força para evocar o ponto de exclamação.

Nunca se sabe...

Enquanto José D. dormia seu sono de beleza, me esgueirei até a Biblioteca Secreta da Abrava e, entre exemplares da revista Mad e do Diário Oficial, encontrei um volume encadernado dos Anais da Vagabundagem. Lá constava o Ato de Expulsão do menino que até então se fazia chamar de José Vasconcelos. Uma pena que o que li seja, evidentemente, impublicável nessa época de judicialização de tudo.

Encontrei ainda documentos antiquíssimos, reunidos numa pasta intitulada “História da Vagabundagem no Brasil”. Você sabia que os primeiros vagabundos chegaram ao Brasil ainda na frota de Pedro Álvares Cabral? Nem eu.

Quando dei por mim, José D. estava na porta da biblioteca, batendo o pezinho e fazendo tsc, tsc, tsc. Achei que fosse me mandar embora, mas em vez disso ele me convidou para um campeonato de truco que começaria dali a cinco minutos. Um pouco arrependido por não ter aprendido a jogar truco nas aulas de Vagabundagem Avançada da faculdade, pedi desculpas e me despedi.

“Só tem um problema com essa ação”, me disse José D. às portas da sede da Abrava. Fiquei esperando que ele completasse a informação, mas o silêncio perdurou mais do que o necessário. Percebi, então, que José D. piscava maliciosamente, me pedindo um caraminguá para que concluísse a entrevista e este texto.

Dei a ele duas notas de dez, pelas quais ouvi que, infelizmente, nenhum vagabundo tinha esperança de que a ação fosse acolhida pelo STF. “É que, por fazerem parte dos nossos quadros, os ministros terão de se recusar”, explicou. Mas nunca se sabe.

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