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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

My mama told me

Haverá dias assim: uma perspectiva impopular e ultraotimista da crise entre os poderes

Hoje, neste dia chuvoso, frio e soturno de inverso, o mundo não seria um lugar melhor se eu usasse minhas palavras para alimentar a indignação alheia.
Hoje, neste dia chuvoso, frio e soturno de inverso, o mundo não seria um lugar melhor se eu usasse minhas palavras para alimentar a indignação alheia. (Foto: Reprodução)

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Não é exagero dizer que passei o fim de semana pensando no que escrever sobre a prisão de Roberto Jefferson, o STF flagrantemente ditatorial e a reação do presidente Jair Bolsonaro a isso tudo. A dificuldade estava (está) em oferecer ao leitor um olhar que fugisse à indignação estéril. Até porque a esse papel se prestam um sem-número de analistas hipnotizados pelo brilho da fogueira. Não é o meu caso.

Sinapse vai, sinapse vem, houve horas em que me rendia a um desespero ridículo. “Estamos numa ditadura”, disse eu para a Catota, que me olhou com seu ódio felino característico. Houve momentos, porém, em que se abateu sobre mim uma esperança vazia, ainda que doce. “Mmmm, mm, mmmmm mm mmmmmm”, disse eu, com a boca cheia, à mesa. Até que encontrei refúgio onde menos imaginava.

Em “As Confissões de Schmidt”, produção de 2002, Jack Nicholson abandona o estilo debochado de interpretar para viver Warren Schmidt, um atuário recém-aposentado que, de repente, se vê viúvo. Já mais para o fim do filme, o personagem encontra a redenção ao perceber a inutilidade de sua opinião.

Schmidt está no casamento da filha. Ele, um homem cansado, amargo e crítico de tudo e de todos, se vê com o microfone na mão, incumbido de falar sobre aquelas pessoas que, na melhor das hipóteses, despreza. É aí que Schmidt percebe que tem de tomar uma decisão. Ou faz um discurso honesto, agressivo, rancoroso ou faz um discurso trivial, ressaltando as parcas qualidades daquelas pessoas, desejando felicidades aos noivos, aquela coisa.

Falar “umas poucas e boas” para aquelas pessoas todas, porém, não as tornarão melhores. Não, não levará a nenhum momento epifânico. Ninguém se convence de seus defeitos ao tê-los esfregados na cara. Ao optar pelo caminho mais difícil e misericordioso, portanto, Schmidt se abstém de, à força, “mudar o mundo”. Velho, ele reconhece a inutilidade de exigir que a realidade se adapte a seus desejos e entende que a realidade é o mundo que existe – e o que nos cabe é navegar por esse caos.

Pouco depois, ao voltar para sua cidade, Schmidt se faz uma pergunta que, embora não seja original, é bastante oportuna para este texto e, consequentemente, para o nosso momento político. “O que no mundo é melhor por minha causa?”, pergunta-se ele, numa tradução que propositadamente mantém a sintaxe original.

É uma pergunta que eu gostaria de fazer ao leitor, a Roberto Jefferson, aos ministros do STF e ao presidente Jair Bolsonaro. Mas que, diante da impossibilidade, faço a mim mesmo. Para chegar à conclusão de que hoje, neste dia chuvoso, frio e soturno de inverno, o mundo não seria um lugar melhor se eu usasse minhas palavras aqui para alimentar a indignação alheia.

Dias assim acontecerão

Melhor agradecer – ainda que seja uma proposta extremamente impopular nestes tempos bicudos. Tão impopular que eu sei que você deve estar aí me xingando de otário ou então apontando em mim uma ingenuidade que, reconheço, é racional e intencional.

Como antídoto ao desespero, ofereço a música “Days Like This” [Dias assim], de Van Morrison. Música que eu, semianalfabeto no assunto, só fui conhecer no sábado, por vias tortas que não cabem aqui. E que, desde então, não para de tocar na minha rádio mental.

“Days Like This” é uma espécie de anti-Imagine. Enquanto a música de John Lennon pede ao ouvinte que imagine uma utopia, a de Morrison propõe que se reconheça a existência de dias marcados pela ausência de tudo o que é triste, sofrido, irritante e desesperador. Haverá dias sem tanta chuva, haverá dias sem reclamações, haverá dias em que tudo parece se encaixar.

Note, aqui, a certeza do futuro que se baseia na experiência vivida: dias assim acontecerão. Quer prova maior de que o otimismo é um valor conservador e que o pessimismo é o instrumento que o revolucionário encontra para seduzir as pessoas a lutarem uma luta que muitas vezes não é delas?

Em “Days Like This”, Morrison quase que ordena ao ouvinte que preste atenção a esses dias em que nada é tão ruim quanto parece. Porque, de fato, às vezes nos deixamos levar pelas notícias de “tragédias ideológicas indizíveis” e não percebemos que, no íntimo (que é a realidade que importa), mesmo o dia mais sobressaltado da política brasileira pode ser um dia de alguma paz, realização e, por que não?, felicidade.

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