— Aloah — atende Lula, esparramado numa poltrona Sérgio Rodrigues no Palácio da Alvorada enquanto uma ema adestrada mordisca as frieiras de seu pé. E se você ler bem, digo, com a entonação certa, se lembrará do histórico áudio do “tchau, querida!”. Pelo menos essa é a ideia.
— Alô. Lula, meu amor. Aqui é a Janja. De Paris.
Ela pronuncia “parrí” e Lula bufa demorada e discretamente. “Onde é que fui amarrar meu bode?”, pensa ele, se ajeitando na poltrona e espantando a ema com os pés.
— Oi, querida.
— Nossa! É assim que você me atende? Com essa empolgação toda?
Lula bufa novamente, desta vez sem qualquer preocupação em ser discreto. Mas Janja não percebe e desembesta a contar o que tem feito em Paris como representante ilegítima do Brasil nas Olimpíadas. De ilegitimidade esse casal entende.
Foice e martelo
— Lula, Lula, Lula! Eu queria fazer surpresa, mas não vou aguentar. Sabe aquela gravata Hermès que você tanto queria? Aquela com a foice e o martelo, edição especial para líderes do Foro de São Paulo? Então! Comprei pra você. Uma de cada cor.
— Brigado, querida. Mas talvez não seja uma boa hora fazer esse tipo de gasto. Já viu quanto tá o euro? E se eu apareço com uma gravata dessas os fascistas da ultradireita... Não quero nem pensar!
— Ah, não se preocupe. Se te criticarem por isso eu falo com o Xande, com a Daniela... A gente dá um jeito. — E depois de um brevíssimo silêncio: — E aí, como é que tá a vida, meu amor? Viu que linda a festa de abertura das Olimpíadas? Aquela crentaiada toda do Brasil deve estar arrancando os cabelos...
Lula esboça uma risadinha materialista antes de recompor a carranca.
— As coisa tá difícil por aqui, Janja.
Maduro
— Por quê? Muita saudade de moi?
— Antes fosse, Janja. Antes fosse. Você não tá acompanhando as notícias, não?
— Eu não! Paris é uma festa, Lula! Já conheci a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo e o Louvre. Você sabia que os egípcios faziam pirâmides de vidro? – E sem esperar que o ignorante-em-chefe respondesse: — Só que eu tô com saudade do meu Brasil. Aqui tudo é velho e fedido. Você precisa ver o metrô.
— Que bom que você tá gostando. Aproveita. Porque pra mim esses dias estão sendo um inferno. Pior do que no tempo da Lava Jato.
— Por quê, meu amor? O Haddad continua reclamando de meme? O Joesley tá te pedindo uma medida provisória? Ah, não vai me dizer que a Gleisi aprontou de novo. Aquela...
— Não, Janja. É o Maduro. O Maduro fraudou as eleições na Venezuela. Na cara dura! E agora eu não sei o que eu faço. Só um minutinho.
Chamada recusada
Lula olha a tela do celular. É o Celso Amorim ligando para ele. De novo. O dia inteiro essa chatice. Lula revira os olhinhos eternamente avermelhados e rejeita a ligação.
Pepino maduro
— Voltei.
— Não se preocupe com nada isso, amor. Diz qualquer coisa. Promete picanha, sei lá. Fala em negacionismo, em fascismo. Bota a culpa no Bolsonaro. Diz que é um processo normal e deixa que o Valdo ou a Miriam te defendam. Por falar nisso... já posso escolher o vestido?
— Vestido? Que vestido?
— O vestido pra gente ir na posse no Maduro, ué!
— Não sei se é a melhor hora, Janja. Porque, além do Maduro, eu tô com outro pepino na mão.
— Outro pepino maduro? Kkkkkkkkkk.
Sim, Janja é dessas que ri com kkkkkkkkk.
Click!
— Outro pobrema, Janja. O Alckmin tava lá na posse do turco...
— Não era iraniano?
— Ah, turco, iraniano.... É tudo a mesma coisa! Tava na posse do iraquiano e os judeus... Os judeus... — Lula segura teatralmente o choro. Ricardo Stuckert aproveita que estava ali por perto (sempre) e, click! Foto na Agência Brasil.
— O que é que os judeus fizeram desta vez, Lula? Massacraram cem bilhões de palestinos de novo?
— Não. Eles... Eles... — A muito custo Lula contém as lágrimas. — Os judeus mataram meu amigo do Hamas, Janja!
— Ah, não acredito! Mas o Alckmin tá bem?
— Acho que sim. Sabe como é tucano. Mas você não tá entendendo, Janja. O meu amigo... O Ismail. Ele era assassino de criança e mandava estrupar as mulheres. Mas tinha consciência social. Era parça e corintiano.
Bolsa Chanel
— Eu sei, Lula. Calma. Calma aí que eu tô aqui na Champs-Élysées e acabei de ver uma bolsa Chanel linda. Posso comprar, Lula?
— Compra, compra. Usa o cartão corporativo que eu decreto sigilo de 100 anos. E se faltar dinheiro me avisa que eu falo pro Haddad criar um novo imposto ou aumentar uma alíquota qualquer.
— Brigada, amor. — Por um instante, faz-se aquele silêncio constrangedor típico dos casamentos por conveniência. Até que Janja, um tanto impaciente com as lamúrias do marido, diz: — Mas então é só isso? O Maduro fazendo madurice e o cara do Hamas batendo com as dez? Não fica assim, não, amor. É bobagem. Daqui a pouco ninguém mais se lembra disso. Aliás, daqui a alguns dias vai ter a cerimônia de encerramento das Olimpíadas e a pobraiada só vai falar disso.
— É. Talvez você tenha razão...
— Como assim “talvez”? Eu sempre tenho razão. Mas agora eu tenho que ir, amor. Tão me chamando pra ir na casa do Macron.
Ao ouvir o nome de Macron, Lula fica todo animadinho.
— O Macron? Diz pra ele que eu tô com saudade. Pergunta quando ele vem visitar a Amazônia de novo. As fotos ficaram bonitas.
— Vou perguntar. Ah! Comprei a bolsa.
Mais uma notícia ruim
— Janja! Janja! Não desliga ainda. Me lembrei de uma coisa. Tenho mais uma notícia ruim pra te dar.
— Ah, não vai me dizer o Juscelino tá envolvido em outro escândalo de corrupção?
— Não. Digo, acho que não.
— Não vai me dizer que o Boulos arranjou emprego com carteira assinada.
— Deusolivre, Janja. Pensar uma coisa dessas! Não, não é nada disso.
— Não vai me dizer que o Nikolas te chamou de ladrão de novo.
— Não. Um monte de gente me chama disso, mas o Nikolas não.
— Então o que é, homem? Fala de uma vez. Desembucha antes que roubem minhas compras e o meu celular aqui na rua! Paris tá um perigo, sabia? Pior do que Osasco!
— É que o Popov voltou das férias.
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