Ouça este conteúdo
Sempre que escrevo alguma coisa relacionada a Felipe Neto, as reações que me chegam variam entre o indignado “não sei por que vocês dão espaço a essa criatura insignificante” e o fingido “não sei quem é e nem me interessa”. De modo que há alguns meses decidi incluir o influencer na lista de assuntos desinteressantes, ao lado das declarações sexuais de Anitta, das piadas hereges do grupo Porta dos Fundos e da pandemia de Covid.
Mas você leu Felipe Neto ali no título, leu Felipe Neto já na primeira frase deste texto e já está lendo Felipe Neto pela terceira vez só neste parágrafo. E, portanto, deve estar se perguntando o que Felipe Neto fez de tão importante, tão relevante, tão interessante para que eu o tirasse da minha lista. Antes de responder a essa dúvida legítima, contudo, peço para você tentar ter em mente que este não é um texto sobre Felipe Neto. Eu juro!
Ou ao menos não sobre Felipe Neto Rodrigues Vieira, o pedro panela (!) brasileiro que andou pedindo desculpas a Lula e Dilma por sua postura antipetista. “É esse o amor que vai vencer”, disse ele. Ou talvez seja mais exato dizer que ele repetiu o que algum marqueteiro do partido mandou. Não, este texto não é sobre esse Felipe Neto específico. Nem sobre esse episódio específico. Embora também seja. É sobre Felipe Neto enquanto representante de uma geração obcecada pela exposição e que só encontra motivo para viver se fizer parte do que C. S. Lewis chamou de “inner ring”, para o desespero de nós, tradutores.
(Venho diretamente do penúltimo parágrafo para pedir aos meus leitores mais imaturos que, por favor, contenham o seu lado 5ª série ao ler este que é um texto muito sério. Coisa que, confesso, não consegui ao escrever – e apagar – a frase “todos temos um vácuo que precisa ser preenchido”. Isso depois de citar o tal do "círculo íntimo" várias vezes. Como vocês ainda levarão um tempinho para chegar lá, achei melhor desde já alertar. Depois não digam que não avisei).
Hipocrisia
Por causa do alardeadíssimo pedido de perdão, fui até reler o ensaio de C. S. Lewis, incluído na coletânea "O Peso da Glória". Mas, antes de falar dele, deixe-me explorar um pouquinho o superlativo absoluto sintético do qual você certamente se lembra. (Ah, que saudade das aulas da professora Olinda!). Tudo que a geração felipeneteana faz é alardeado como se fosse histórico, como se fosse um marco para a Humanidade e como se fosse um sinal claro e inequívoco de que estamos diante de um ser virtuoso, cujo exemplo deve ser seguido por todos.
E, no entanto, é justamente isso o que a Bíblia define como hipocrisia: dar esmola e fazer tocar a trombeta para que todos ao redor fiquem sabendo da sua boa ação. O objetivo disso remonta ao pecado original de querer ser igualado a Deus e consta também no Evangelho de Mateus: ser glorificado pelos homens. E aqui é preciso repetir que este texto não é sobre Felipe Neto, e sim sobre o que ele simboliza: uma geração de semi-homens obcecados com a opinião que os outros têm deles, determinados a fazerem o que parece bom e justo não porque seja bom e justo, e sim para se sentirem adorados como deuses.
Essa é uma mentalidade que, infelizmente, não se restringe à pessoa física que, desesperada por aceitação, aos poucos se transforma num monstro moldado pelos que a cercam. Afinal, não se passa um só dia sem que eu receba e-mail de alguma empresa dizendo que doou isso e doou aquilo para uma causa política qualquer, por favor, publica aí o nosso nome no jornal para que as pessoas saibam que somos bons, que defendemos os gordos e os trans e se for gordo e trans melhor ainda.
Círculo Íntimo
Mas há algo ainda mais deplorável do que querer ser adorado como um deus: querer ser adorado por outros deuses. Ou melhor, por outras pessoas que vivem para serem adoradas como deuses que, evidentemente, não são. Aí é que entra o tal “Círculo Íntimo” de C. S. Lewis (lembre-se de conter o seu lado 5a série). No ensaio, o apologista cristão fala dessa necessidade diabólica de se sentir entre os escolhidos. Porque, uma vez que a pessoa se veja aceita nesse Olimpo macabro, ela imediatamente passa a ver os outros com a arrogância típica de quem se considera superior. Daí para a maldade é um pulo.
“Que os Círculos Íntimos sejam inevitáveis e até um dado inocente da vida, ainda que certamente não belo: mas e quanto ao nosso desejo de fazer parte deles, nossa angústia quando nos sentimos excluídos e o prazer que sentimos ao sermos aceitos?”, pergunta C. S. Lewis no seu estilo às vezes rebuscado demais. Traduzindo: é lícito querer se associar a pessoas com as quais se compartilha certas afinidades eletivas – e, se não me falha a memória do romance de Goethe que li quando ainda tinha uma vasta cabeleira, não citei o livro por acaso. Mas não é nada belo buscar a felicidade por esse meio.
Estamos cercados por felipenetos. Pior: por rotineiramente confundirmos aceitação com amor, em alguma medida somos todos felipenetos. Até por influência das redes sociais (da qual o personagem em questão é escravo), todos queremos ser aceitos e admirados por aqueles que admiramos. Porque todos temos um vácuo que precisa ser preenchido e, no mundo materialista em que vivemos, a Graça não nos basta. Assim, todos abdicamos de alguma coisa a fim de nos sentirmos aceitos na família, no trabalho, na comunidade e até nas redes sociais. O problema é que há Círculos Íntimos que exigem que abdiquemos de nossas virtudes – o que me parece ser o caso do PT e da beautiful people progressista que tanto seduz os felipesnetos por aí.
A diferença entre o pecador e o justo, pois, está naquilo de que nos dispomos a abrir mão para que nos convidem para o tal Círculo Íntimo. E também no tipo de Círculo Íntimo que nos atrai. Afinal, uma coisa é querer fazer parte da, sei lá, minha roda de pôquer; e outra completamente diferente é querer se filiar ao PT. Porque, para citar novamente C. S. Lewis, que não merecia estar neste texto cheio de tantos termos vulgar e infantilmente dúbios, “de todas as paixões, a paixão pelo Círculo Íntimo é a mais hábil em convencer um homem que ainda não é muito mau a fazer coisas muito más”.