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Aqui da arquibancada, contemplo (a palavra é importante) o conflito da vez. Levo o radinho de pilha ao ouvido, mas não para acompanhar o jogo modorrento narrado com aquele entusiasmo deliciosamente falso dos locutores. No meu radinho toca a “Abertura 1812”, de Tchaikovsky. E um daqueles espetaculosos canhões da música acaba de ser disparado no improvável teatro de guerra pela realização ou não de um torneio internacional de futebol no Brasil.
Em campo, os times adotam estratégias diferentes e igualmente desastrosas. Os que defendem a realização do torneio o fazem menos por interesse pelo futebol jogado por uma seleção sem muita identificação com o público e mais por uma lealdade política que me é estranha. Já o técnico adversário prefere usar cinco beques especialistas em oposição burra e cinco atacantes (todos canhotos) experientes na jogada ensaiada da hipocrisia.
Cinco minutos depois de iniciado o jogo, me levanto e vou embora. Mas sei que deixo para trás um estádio cheio de torcedores empolgadíssimos com mais essa disputa cuja importância, confesso, não tenho capacidade de compreender. Quem quer que vença a partida, ganha o que com isso mesmo? Com ou sem a Copa América, o país será um lugar melhor? Ou será que o que está em jogo é apenas aquela alegria vazia que se segue a um triunfo igualmente vazio?
Falta aos jogadores, à equipe técnica, aos torcedores, aos patrocinadores e até aos árbitros a paciência para se sentar à beira do gramado e refletir por não mais do que meia hora no que os motiva a assumirem posições antagônicas quanto a uma questão tão banal. Me diz aí, Tite, que diferença faz sua postura falsamente rebelde. Me conta, Casemiro, como a casagrandezação dos jogadores pode trazer benefício, qualquer benefício, para você e para os que insistem em vê-lo em campo jogando esse futebolzinho medíocre.
Assim como o futebol brasileiro há muito abandonou o dibre e a marra em nome de um suposto profissionalismo e da eficiência técnica (noves fora o 7 a 1), o debate político brasileiro abandonou qualquer resquício de brasilidade (e aqui penso no homem cordial de Sérgio Buarque de Hollanda) em nome de uma hegemonia ideológica que, sabemos bem, só leva ao totalitarismo, à aniquilação do outro, às cenas lamentáveis que marcaram boa parte do século XX e que jurávamos que jamais se repetiriam, lembra?
Um vestiário ideal
Bom seria se, no intervalo desse eterno zero-a-zero, houvesse um bom líder capaz de fazer uma preleção honesta e inteligente, daquelas que não só expõem a realidade do jogo como também motivam os atletas a buscarem a vitória em forma de bem-comum. Mas para isso é preciso que os jogadores consigam entender o que o discurso pode ter de mais virtuoso: a busca por algo que vai além da vitória dentro do espaço limitadíssimo da cancha ideológica.
Mas, constato fatidicamente neste dia de chuva e frio em Curitiba, estamos bem distantes desse vestiário ideal. Nossos líderes ora dão coices, à la Dunga, ora enrolam com neologismos oportunistas, à la Lazaroni, ora se dispõem a repetir clichês pragmatistas, à la Luxemburgo. Os jogadores, por sua vez, não estão nem aí para o jogo bem jogado, para aquele dibre digno de aplausos da torcida adversária, nem para o cada vez mais utópico fair play.
Enquanto isso, no estádio recém-construído, mas já em ruínas, as duas torcidas se digladiam num confronto estéril. Nada do que elas digam em seus hinos de guerra fará qualquer diferença para o resultado da partida – embora o espetáculo tenha lá alguma beleza. Alheios ou enojados com o que se diz nos vestiários, aos torcedores só interessa a vitória – venha ela como vier. Pode ser com um com gol de mão, em impedimento, aos 51 minutos do segundo tempo. Mas pode ser também no tapetão.
Nesse espetáculo deprimente da politização de absolutamente tudo, o que importa não é gritar goooooooooool e abraçar o desconhecido na arquibancada. A única coisa que importa e pelo que vale a pena viver é a possibilidade de esfregar o título na cara do amigo que, só por acaso, torce para o time adversário.