Acompanhei de longe a campanha de Javier Milei à presidência da Argentina. É que, desde aquele gol de Caniggia nas oitavas de final da Copa de 1990, tenho certo ranço de argentino. Apesar do Borges. Apesar dos alfajores. Apesar das empanadas. Apesar de Piazzolla. Desculpe. E confesso que, se nas últimas semanas esbocei certo interesse pelo candidato que é uma mistura de Bolsonaro, Trump, Olavo de Carvalho e Hélio Beltrão, foi mais para tentar entender como funciona esse círculo vicioso de esperança e decepção no qual a direita brasileira está, well, viciada.
Não estou imune a isso. E nem pretendo estar. Só me ocorre falar do fenômeno porque, ao observar o entusiasmo com que alguns previam a vitória ar-ra-sa-do-ra de Milei contra Sergio Massa (uma mistura de Fernando Haddad, Simone Tebet, Guido Mantega e Geraldo Alckmin), me lembrei de um balde de água fria razoavelmente recente: a eleição para a presidência do Senado. Quando, apesar de toda esperança, o candidato esseteefista Rodrigo Pacheco derrotou Rogério Marinho. O resto é história.
Para mim que, você sabe, sou dado a hipérboles, morreu ali, naquele episódio, a esperança em todas as causas que façam oposição ao projeto de poder da dobradinha PT/STF e principalmente àquilo que se convencionou chamar de O Sistema. Não que não se deva continuar travando o bom combate. Longe disso! O bom combate deve ser travado sempre. E, aqui e ali, vejo uns poucos soldados empenhados em amenizar os danos causados por uma guerra perdida. Mas para mim, pessoal e intransferivelmente, daquele episódio ficou a impressão de que, entre qualquer coisa remotamente parecida com a liberdade e “é o que tem para hoje”, as pessoas sempre preferirão “é o que tem para hoje”.
Afinal, liberdade política e econômica gera angústia, incerteza, risco, decepção e sofrimento. E se tem uma coisa que aprendi com a volta do PT ao poder, apesar do histórico de corrupção, apesar da hipocrisia, apesar dos laços do partido com o que há de pior no mundo e apesar do conluio com o STF, é que o brasileiro prefere qualquer coisa, até um ex-presidiário cercado por Flávio Dino, Paulo Pimenta, Jorge Messias et caterva, à liberdade.
Fica, vai ter bolo!
(Ei, já vai? Por quê? Não, claro que eu não estava falando de você. Estava falando do brasileiro como uma abstração. Uma generalização que engloba os 60 milhões de escravos voluntários do petismo que, teoricamente, em 2022 saíram de casa para cravar o 13 nas urnas eletrônicas. Mas sei que você não é esse tipo de brasileiro. Desculpe qualquer coisa. Posso continuar agora? Promete que fica até o final? Obrigado).
Úberes do Estado
Lá como cá, os argentinos também vivem há décadas pendurados nos generosos úberes do Estado. Dos miseráveis aos muito ricos, dos operários aos agropecuaristas, eles não sabem viver sem sentir que o Estado está lhe dando aquela forcinha. Porque lhes ensinaram que o Leviatã sempre proverá – e eles acreditaram. Assim como os brasileiros também acreditam que o Estado lhes deve algo, qualquer coisa, ou no mínimo aquela fantasia social-democrata que a Constituição de 1988 nos vendeu como objetivo de nação.
Graças ao hype Milei, também reaprendi a desconfiar da falsa sensação de pertencimento criada pelas redes sociais. Porque, a julgar pelo que eu via na minha timeline no fim de semana, a vitória do libertário era sopa no mel – expressão que sempre achei sem sentido, até aprender, há exatos 27.5 segundos, que “sopa” não tem sentido de “caldo” e sim, “daquilo que se ensopa”. Pode ser até o dedo que você mergulha (ensopa) naquele mel recém-tirado da colmeia. Hmmm.
Deu até um quentinho no coração, sabe? Da mesma forma que, na época da eleição para a presidência do Senado, passei a acreditar no “agora vai!” e a acalentar sonhos de um país sem Alexandre de Moraes, no fim de semana me percebi imaginando a Argentina governada por um presidente que, no mínimo, esfregaria na cara de Lula a pequenez dele. Mas claro que não cheguei ao ponto de imaginar uma Argentina realmente próspera e livre do kirchnerismo. Posso ser doido, mas não chego a ser assim um Milei.
Como era de se prever, no entanto, Milei e seus palavrões e seus cabelos rebeldes e seu gestos teatrais deram com os borricos n’água. A direita, mais uma vez, fomentou esperanças baseadas na realidade do mundo virtual (sic) – e se decepcionou. Se decepcionei. Não foi desta vez (e ouso dizer que não será da próxima) que a Argentina, assim como o Brasil, terá aprendido a escolher seus líderes e a aceitar todas as recompensas da angustiante, incerta, arriscada e às vezes decepcionante e sofrida liberdade.
Adendo
Você que chegou até aqui deve estar sabendo que a candidata Patricia Bullrich, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno das eleições argentinas, com 24% dos votos, declarou apoio a Javier Milei. Se isso muda alguma coisa? E aqui novamente é tentador apagar o texto, ceder ao que descrevi como um círculo vicioso de esperança e decepção, e fazer uma conta de padeiro, pressupondo que esses votos todos serão imediatamente transferidos para Milei. Já ganhou!
As redes sociais certamente pensarão assim. Mas conversei com algumas fontes cujo conhecimento da Argentina vai além de Borges, alfajores, empanadas e Piazzolla, e todas elas insistiram em dizer cuidado, Paulo, o argentino prefere o “é o que tem para hoje”, representado por Sergio Massa, à liberdade prometida por Javier Milei. Ou seja, a expectativa é de mais balde de água fria por aí. Claro que espero que estejam todos errados. Mas infelizmente, in-fe-liz-men-te, infelizmente!, (infelizmente), acho que não estão.
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