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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

George Bailey

O que um clássico de Natal nos diz sobre a santidade cotidiana

santidade cotidiana
Em "A Felicidade Não Se Compra", a tentativa de suicídio de George Bailey anula toda uma vida de santidade cotidiana? (Foto: Reprodução)

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Vou escrever sobre a santidade cotidiana em “A Felicidade Não Se Compra” e o convido a assistir ao filme antes de continuar. Senão você talvez se sinta um tanto perdido neste texto. Mas não só por isso. Eu o convido a assistir ao filme para ter contato com uma cultura não muito antiga, na qual se exaltava o bem. Tenho certeza de que você não vai se arrepender – embora haja uma chance de você se transformar no chato que recomenda “A Felicidade Não Se Compra” para todo mundo. Tipo certas pessoas cujo nome começa com “p” e termina com “aulo”.

Pois bem. Na semana passada, assisti a essa obra-prima pela segunda vez no ano. E estava lá, comendo pipoca e tal, quando uma pulguinha me picou aqui atrás da orelha. É que, acompanhando a vida virtuosa e cheia de sacrifício de George Bailey (interpretado por James Stewart) e até invejandinho todas as oportunidades que ele teve de fazer o bem, me perguntei se o personagem tinha as qualidades de um homem santo.

Aqui convém explicar que, quando penso num homem santo, não estou pensando num santo canônico. Estou pensando, escrevendo e falando (espero que não para as paredes) daquela santidade que está ao alcance de todos nós. A santidade cotidiana que, em George Bailey, se manifesta por meio do sacrifício do seu sonho de virar um explorador para assumir a empresa do pai e cumprir a missão de tornar a vida dos moradores de Bedford Falls um tiquinho melhor.

George Bailey é o que os mais velhos chamavam de “abnegado”. É um homem que não perde de vista as necessidades de seus semelhantes. O sonho de se tornar um explorador e conhecer a Venezuela (!) e as ilhas Fiji continua lá. Mas os deveres falam mais alto, muito mais alto, do que a realização desse sonho. Ah, um detalhe importante: não é com ressentimento ou amargura que George Bailey abre mão de seus desejos egoístas. Ele carrega com alegria a sua cruz.

Aí complica

Mas. Ah, mas. Maldita conjunção adversativa. Parece que em todas as grandes obras do cinema (e da literatura) há sempre um “mas” para atrapalhar. Modo de dizer, claro. Na verdade, o “mas” serve para não permitir que vejamos as coisas preto-no-branco. Em “A Felicidade...”, o “mas” serve para tirar de George Bailey a aura e o halo de santo caricatural, todo perfeitinho e inquestionável. O “mas” torna tanto a bondade quanto a angústia de George Bailey acessíveis. E é assim que o personagem bidimensional ganha belos contornos humanos.

Acontece que (e você já sabe disso porque assistiu ao filme, né?), depois de algumas dificuldades, um George Bailey desesperado tenta o suicídio. Ele se joga de uma ponte num rio de águas invernais – e é salvo desse infortúnio que certamente o condenaria às trevas por um anjo. Anjo esse que entra em cena depois que a cidade toda reza por George Bailey. Ainda assim, é um suicídio. Ou uma tentativa de. É a perda absoluta e definitiva da esperança em Deus.

Aí complica. Afinal, como pode ser santo um homem que tentou tirar a própria vida? Que atentou contra este que é a maior Graça de Deus? Será que esse ato tresloucado, esse salto no desespero ao se ver diante da possibilidade de perder a renda, a família, a honra e a liberdade, é capaz de anular toda uma vida dedicada a servir o outro?

Nessa hora entra em cena a misericórdia divina. Repare que, depois de desejar não ter nascido, George Bailey é salvo por um anjo, ou melhor, um aspirante a anjo enviado a este mundo para mostrar ao homem desesperançado todos os frutos de sua santidade cotidiana. Todas as consequências boas de sua abnegação, de seu zelo, de seu senso de responsabilidade. E o anjo faz isso por contraste, mostrando a Bailey como seria o mundo, a pequena Bedford Falls, se ele não tivesse nascido. Spoiler: seria uma filial do inferno.

Tretazinha básica

O que me leva a pedir licença e aproveitar que você está aí às vésperas do Natal, prestes a receber familiares e amigos para rir, confraternizar, se envolver naquela tretazinha básica e, com alguma sorte, lembrar que Deus se fez homem, para lhe fazer uma pergunta necessária: como seria a vida daqueles que o rodeiam se você não tivesse nascido? Em outras palavras: você torna a vida dos outros melhor – nem que seja um tiquinho de nada?

No filme, é a santidade de George Bailey, um homem simples, o que torna a vida de outras tantas pessoas suportável. Na nossa realidade, é a santidade discreta, anônima e cotidiana de muitos homens comuns o que torna as nossas vidas suportáveis. É uma gentileza aqui, uma generosidade ali, um consolo acolá. É uma palavra, um carinho, um momento de compreensão. É um risada, um brinde, um abraço. Às vezes, veja só!, é até um firme e caridoso “não!”.

O que me leva à conclusão um tanto quanto apressada – é que ainda tenho que ir ao mercado comprar o peru! – de que George Bailey, se não é um homem santo, chega perto. Isso posto, talvez valha a pena pensar na influência desse santo fictício sobre três ou quatro gerações de espectadores. E até sobre os espectadores de hoje, tão expostos a personagens que, pelo egoísmo, hedonismo e niilismo, são o contrário de George Bailey. Mas isso é assunto para o texto do ano que vem. Não me deixem esquecer, hein!

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