Caro leitor,
Muitos dos meus amigos não entendem quando digo que gosto da caixa de comentários dos meus textos. Gosto e gosto muito. A despeito de um ou outro covarde que distribui insultos protegido por pseudônimos, sinto que a caixa de comentários é um ambiente razoavelmente fraterno, com espaço para o riso e o choro, para expressões de carinho e também desabafos. Não raro nos irmanamos na revolta e isso é bom. Ao menos é melhor do que ficar revoltado sozinho, né?
Aliás, os covardes chamam a atenção porque o mal grita e o bem sussurra, mas também os insultos e as provocações têm seu valor. Não sei você, mas eu, quando me deparo com um xingamento ou um comentário passivo-agressivo ou uma discordância desonesta ou desrespeitosa ou uma acusação leviana, me lembro sempre do Marco Aurélio (o imperador, não o beque do Coxa de 1984), que dizia que a melhor vingança é não ser como o seu inimigo. Tão bom...
Mas dizia eu que gosto da caixa de comentários. Gosto dos elogios e das correções e das ideias. Gosto dos equívocos e das leituras apressadas. Gosto da impressão de intimidade de quem já me tem por amigo. Gosto dos apelidos que me dão. Gosto até dos comentários de quem evidentemente só leu o título. Enfim, gosto de muita coisa, mas nesta semana um comentarista me deixou especialmente feliz e vou explicar por quê.
Nas últimas duas semanas, escrevi dois textos e gravei um vídeo falando do mesmo assunto: a Janja. Ou melhor, falando da importância de tentar se colocar no lugar da Janja. Minha mulher até reclamou: “Vai escrever sobre isso de novo?! Chega!”. Mas escrevi e não foi porque a Janja é a Janja, e sim porque acho que o jornalismo se omite nessa coisa de se colocar no lugar do outro. Mesmo que esse outro seja detestável. Mas tanto nos textos quanto no vídeo a reação predominante foi a mesma: não!, de jeito nenhum!, impossível!, não me peça uma coisa dessas, Paulo!
E, no entanto, nunca disse que era fácil. Muito menos agradável. Aliás, se também tenho dificuldades para me colocar no lugar do outro é porque dá até urticária se (me) imaginar no lugar de alguns outros por aí. E nem estou falando de figuras políticas ou celebridades; estou falando de me colocar no lugar de um amigo ou de um estranho na rua ou até mesmo da minha mulher que está ali no canto, de braços cruzados, só batendo o pezinho nervoso. O que será que eu fiz desta vez?
O fato é que é difícil. Ou, por outra, desafiador, como dizem os coaches. Mas é justamente por isso que só tenho coragem de propor esse tipo de coisa a você, meu leitor. Que é o melhor leitor que eu poderia sonhar em ter. Sério mesmo! (Mas não vá ficar se achando, hein!).
Pois bem. De volta ao comentário que me levou a escrever esta carta. Eis que na quinta-feira (24) voltei de uma romaria e, assim que cheguei em casa e liguei o computador, me deparei com o comentário de um assinante que se identifica apenas como “Alexandre”. E eu bem queria que fosse o Moraes, mas duvido que seja. Porque o sádico supremo jamais seria capaz de escrever essas palavras:
“Passei o olho em mais de 80 comentários aqui e acho que ninguém realmente se colocou no lugar da figura em questão. Vou tentar: para galgar ou manter cargos na empresa, fingi ser mais competente do que era, repeti bordões vazios, bajulei gente de quem eu não gostava e deixei de dizer o que pensava de projetos fadados ao fracasso. Numa época de especial bonança, me deslumbrei, comprei carros caros e acessórios de luxo para ostentar meu sucesso (ridículo). Já fiz muita sinalização de virtude em rede social (não é isso mesmo o que estou fazendo aqui?). Desaprovo, mas entendo as motivações daquela senhora e não posso dizer que sou imune às mesmas tentações. Peço perdão. Sigo vigilante”.
Agora mesmo, ao reler essas palavras, me emociono. Porque elas são um milagrezinho, desses discretos e cotidianos, desses que infelizmente ignoramos. Elas mostram que houve uma comunicação perfeita entre mim, autor, e ao menos um leitor. Ah, e antes que eu possa estar parecendo injusto, é bem possível que outros leitores tenham, sim, se dado ao penoso trabalho de se colocar no lugar da Janja, mas não comentaram. Enquanto o Alexandre, ah, o Alexandre teve a generosidade extraordinária de me comunicar isso, além da humildade igualmente extraordinária de se reconhecer falho, imperfeito, pecador. Obrigado, Alexandre! Ganhei o dia, a semana, o mês, o ano!
Porque esse é o tipo de comentário que faz tudo valer a pena. E quando falo “tudo”, me refiro à confusão que existe nos bastidores de um texto – e você não faz a menor ideia! Da inspiração ao ponto-final, é um quebra-pau inimaginável aqui na minha cabeça. Sem falar na frustração posterior das referências não captadas (poxa!), das muitas piadas fracassadas e dos argumentos rejeitados já no título. Nesta semana, por exemplo, teve até poesia concreta (duas vezes!) e ninguém percebeu.
Mas não tem importância. Porque o comentário do Alexandre Sem Sobrenome é um sinal de que tenho os melhores leitores do jornalismo brasileiro. Aos quais sou imensamente grato. Espero continuar escrevendo para vocês durante muito tempo ainda. Vale muito a pena.
Obrigado e aquele abraço do
Paulo
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].
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