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LEO LINS PESTE BRANCA
Leo Lins: processado por todos os tipos de pais de pet.| Foto: Fábio Augusto (Fortinho)

Coragem heroica. Parece exagerado, eu sei. Mas não é. Porque, no final do espetáculo “Peste Branca”, depois dos vários minutos de aplausos entusiasmados, quando Leo Lins sai do personagem e pergunta se todo mundo na plateia está vivo, percebemos que estamos diante de alguém tratado como criminoso apenas por contar as piadas que nos fizeram rir sem parar por mais de uma hora. Nesse contexto, é coragem, sim. É heroísmo, sim.

Mas me empolguei aqui e nem te contei que, na noite de domingo (23), eu e milhares de pessoas lotamos o Teatro Guaíra para assistirmos à gravação do espetáculo “Peste Branca”, estrelado pelo humorista mais perseguido e censurado do Brasil: Leo Lins. Na plateia, muitos jovens – detalhe que me permite praticar a nobre arte da sociologia de botequim e dizer que se trata justamente da geração mais reprimida e, por consequência, a que mais precisa de uma boa gargalhada proibidona.

Num cenário caricato de Inquisição, Leo Lins constrói o texto em torno da perseguição de que é vítima. Mas uma vítima que não se rende ao inimigo. E olha que não estamos falando de um inimigozinho qualquer, e sim do Ministério Público, instituição que, como o próprio nome diz, deveria trabalhar pelo bem da sociedade, mas que no caso de Leo Lins atua em nome de uma minoria chata pra baralho, do tipo que diz que oh, piadas matam e que pede prisão de humoristas.

Gorda beeeeeeeem gorda

Não. Piadas não matam e humoristas não são criminosos. Quem ri tampouco. Esses são os motes de “Peste Branca”, que tem até um tom didático: piadas, por mais ofensivas que sejam, servem apenas para fazer rir. Nada mais do que isso. Você ri dos outros e de si mesmo. Você passa ridículo e se humilha pelo bem do riso alheio, num processo em que vejo um bocado de generosidade. É assim desde os bobos-da-corte e dos palhaços de circo, dos quais os comediantes de stand-up hoje são legítimos herdeiros.

Não vou citar aqui nenhuma piada do show, claro. Mas teve aquela do anão e aquela do índio. Teve a da gorda beeeeeeeeem gorda e a dos deficientes. Deficientes de todos os tipos. Só não teve piada de português nem de sogra. Talvez porque Leo Lins esteja esperando o processo da Associação Internacional dos Portugueses de Piada. Ou, mais provavelmente, porque esse é um tipo de humor que caiu em desuso. Não por força de uma determinação autoritária do Ministério Público, e sim porque a plateia se cansou (ou, no caso dos portugueses, não entendeu).

Também repare quei não teve piada com Alexandre de Moraes. Mas tudo bem. Entendo. Uma batalha de cada vez, né? E, no mais, até agradeço a Leo Lins por se abster de tirar sarro do nosso adorado Xandão. Assim sobra mais material para mim.

Cinismo

Agora quero voltar àquela coisa da “coragem heroica” de Leo Lins. Primeiro porque, no final do espetáculo, ele fez um discurso sério que me emocionou. Sou desses. Afinal, não é todo dia que você vê um comediante se despir do cinismo inerente à profissão para dizer que se preocupa com o bem-estar da plateia. Depois porque, já a caminho de casa, foi a minha vez de encarar o cinismo inerente à minha profissão. Um cinismo que me fez pensar assim à toa que “esse negócio de ser cancelado dá dinheiro”.

Dá. Ou deve dar. Sei lá. Nunca fui cancelado. Nem pretendo ser. Mas seria capaz de apostar alguma coisa não muito valiosa (estou avarento hoje) como a dor-de-cabeça supera, e muito, os eventuais ganhos financeiros de uma empreitada ousada como a de Leo Lins. O que, se não explica a coragem dele, talvez explique a covardia dos demais. E aqui não se pode esquecer de um detalhe: de acordo com o entendimento mais militante do Judiciário brasileiro, Leo Lins pode ser preso. Simplesmente por contar uma piada como aquela do...

Riscos

Mas não é só o cinismo o que explica meu espanto com o show lotado e com a verborragia divertida e corajosa de Leo Lins. É que estamos (eu também!) tão viciados em ver o mundo com olhos materialistas que nos esquecemos de que na arte há outro objetivo que não o meramente comercial. Há um propósito – e no caso de Leo Lins fica muito claro qual: a liberdade de fazer rir sem medo de estar “ferindo de morte” militantes com sérios problemas de autoestima.

Isso é o que o artista faz: corre riscos em nome da sua criação. Era uma postura bastante comum num passado recente, mas rara de se ver hoje, quando a tal da indústria cultural e mesmo instrumentos de incentivo como a famigerada Lei Rouanet criaram artistas acomodados ao luxo e a privilégios próprios de uma casta. Mas nem todos são assim e ainda bem que ainda existem artistas como Leo Lins, dispostos a arriscar a própria liberdade para fazer rir.

Não é só na comédia que a gente anda precisando de mais pessoas como Leo Lins. Na política também. No jornalismo. No Judiciário nem se fala! E até no Ministério Público. Me refiro, aqui, a pessoas vocacionadas e dispostas a correr riscos para defender princípios e convicções. Dispostas, inclusive, a arriscar sua fonte de sustento e sua liberdade – como, aliás, faziam os artistas de antigamente, antes de serem domados pelo dinheiro e pela comodidade estéril do politicamente correto.

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