Tive o desprazer de enfrentar as quase 200 páginas de “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, e atesto: as cenas de sexo explícito apontadas pelo queridíssimo, talentosíssimo e aristocratíssimo Gabriel de Arruda Castro, em denúncia feita por esta igualmente querida Gazeta do Povo, é o menor dos problemas do livro. E aqui não me refiro ao livro apenas como uma obra literária (por sinal, sofrível); e sim como um produto da doutrinação ideológica a que estão expostos nossos filhos.
Claro que apontar a imoralidade sexual do romance é importante, por mais que vivamos numa época em que a imoralidade está em todas as esquinas e redes sociais, acessível tanto a quem quer quanto a quem não quer. De modo que é um bocado ingênuo e anacrônico pensar que jovens do ensino médio ruborizarão diante de alguns palavrões e manchas nos lençóis dessa “obra-prima” da literatura brasileira contemporânea. Não é isso o que revolta e preocupa um pai.
Por falar em literatura brasileira contemporânea, no que ela se transformou, hein? Lembro que, há 20 anos, quando escrevi o best-seller “O Cabotino” (mais de cem cópias vendidas!), ainda tinha esperança de que os escritores percebessem o ridículo de submeterem sua alma à vaidade beletrista. De lá para cá, quanta diferença! Hoje autores como Jeferson Tenório, Carla Madeira e Itamar Vieira batem no peito para dizer: “Sou cabotino mesmo! Com muito orgulho!”.
Cabotinagem revolucionária. É nisso que se transformou a literatura brasileira contemporânea. Uma literatura sem outros leitores que não os pobres-diabos do ensino médio, que terão de folhear “O Avesso da Pele” a fim de responderem a uma prova qualquer, elaborada por um professor cansado de tantas causas e greves. E aqui vai uma dica do titio Polzo para você que quer tirar 10 na prova: o culpado é sempre o racismo, que por sua vez é sempre estrutural. De nada.
Panfleto racialista
Mais escandaloso do que termos chulos num vaivém cheio de crítica social é o processo que permite que um livro como “O Avesso da Pele”, apesar da ausência de leitores orgânicos, seja considerado literatura de interesse nacional, a ponto de ser incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático, do MEC. O PNLD, talvez você não saiba, é o principal financiador de um mercado editorial totalmente dependente do Estado.
Complexo para além do que sou capaz de explicar em poucas linhas, esse sistema viciado nos generosos úberes do Estado, e contaminado pela mentalidade revolucionária, mantém o minguado público leitor sempre à margem de tudo. É um sistema que começa nos departamentos de Letras e Pedagogia e passa por premiações de credibilidade questionável, como o Jabuti. São premiações que chancelam a glória solitária do escritor cabotino, praticamente obrigando o burocrata iletrado do MEC a concordar com a genialidade postiça do sujeito.
É assim, cheio desse prestígio artificial, que o panfleto chega aos ouvidos de editores ideologicamente comprometidos, lotados em casas editoriais que têm no capitalismo de Estado seu modelo de negócio. Uma vez publicado e premiado, premiado e publicado, o ciclo se fecha e o livro entra no lucrativo PNLD, depois de “um chamamento público, de forma isonômica e transparente” [risadas], e depois de ser avaliado por “professores, mestres e doutores, que tenham se inscrito no banco de avaliadores do MEC” [mais risadas]. É dessa forma que se constrói uma obra literária pretensamente canônica no Brasil.
MEC, MEC, MEC. Nada é capaz de escapar dos tentáculos do Ministério da Educação, com sua verba anual bilionária para a aquisição de livros. E é aqui que entra outro escândalo envolvendo o panfleto disfarçado de romance “O Avesso da Pele”: a incompetência do governo anterior, de tendência conservadora e moralizante, para impedir que obras desse tipo tivessem outro destino que não a reciclagem de papel. Afinal, a obra foi incluída no PNLD de 2022. Na gestão do burocrata de carreira Victor Godoy Veiga.
Acho que não é possível dizer que Veiga tenha sido o mais conservador dos ministros da Educação. Longe disso. Mas é incrível que não tenha havido um único funcionário do MEC capaz de apontar e denunciar destemidamente não só o caráter imoral e vulgar do romance, como também sua inutilidade na formação literária e no caráter do leitor. Ainda mais do leitor adolescente, suscetível aos encantos do ressentimento e da inveja que impulsionam narrativas simplistas, maniqueístas e quase caricaturais como a de “O Avesso da Pele”.
Mas já falei demais. Bora retomar o Josué Montello.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião