Suzane von Richthofen vai ser mamãe. De uma menina. Pelo menos é o que alardeia por aí o biógrafo. (Tão chique ter biógrafo, né? Pena que para isso ela teve que fazer o que fez). O pai seria um médico. Outra informação relevante para este texto: a parricida mais famosa do Brasil estaria pretendendo dar à filha o nome de Isabela – em homenagem à vítima de outro caso que mobilizou o país, o da menina Isabela Nardoni.
E antes que você pergunte se estou sem assunto nesta véspera de feriadão, me apresso em explicar que uma notícia dessas só vira crônica depois que deixa de ser mera fofoca carcerária (ou distantes latidos do mundo cão) e se transforma em reflexões. Se bem que chamar de “reflexões” esses curtos-circuitos caóticos entre meus neurônios distraídos é exagero mesmo. Mas deixa para lá.
Neste caso, confesso que ao saber que a Baronesa do Campo Belo estava grávida meu primeiro impulso, aquele que se contém à custa de um pouco de educação, foi lamentar viver num país que permite que a autora intelectual de um crime horrível desses possa ter uma vida “normal” depois de passar tão pouco tempo na cadeia. Ainda que eu acredite em redenção e coisas do gênero, algo na liberdade de Von Richthofen me incomoda.
Mas aí pensei na criança. No milagre da vida. No futuro. E, em pensando na criança, no milagre da vida e no futuro, esqueci o lamento e imediatamente passei a me preocupar com as pessoas que, tomadas pela revolta, certamente questionarão a dignidade e até o direito à vida dessa menina que, evidentemente, não tem nenhuma culpa pelos crimes e pecados da mãe infamemente famosa.
Nossa responsabilidade
Não tem. A vida é um milagre admirável, mesmo que saia de um ventre, digamos, problemático. Por isso, Isabela será mais do que bem-vinda neste nosso Vale de Lágrimas. Onde, por circunstâncias alheias à sua pequenina vontade, carregará uma cruz pesadíssima. Uma vez aqui, nada, nem mesmo o passado tenebroso da mãe, impedirá a menina de buscar a Salvação.
Além disso, é bom deixar bem claro que a maldade, a perversidade, a crueldade ou qualquer outra “dade” que tenha levado Suzane von Richthofen a planejar o assassinato dos pais não é uma característica hereditária. Portanto, não haverá nada no DNA da menina a fazer dela uma psicopata. Nada. Num tempo em que se buscam explicações científicas para tudo, essa é uma obviedade que precisa ser dita e repetida. Até que voltemos a ouvir algo remotamente parecido com o bom senso.
Enquanto isso não acontece (e não será de uma hora para a outra), é inegável: pesará sobre os ombrinhos da pequena o estigma de ser filha de uma mulher que planejou o assassinato crudelíssimo dos próprios pais. Dos avós dessa criança. Para piorar, em algum momento da vida a menina vai saber que carrega o nome da vítima de um filicídio. De outro crime infamemente famoso.
Um peso e tanto para uma alminha dessas, hein? Imagine os comentários maliciosos na hora do recreio! O que só aumenta a nossa responsabilidade. Porque se é verdade o adágio segundo o qual é preciso toda uma aldeia inteira para se educar uma criança, não dá para esquecer que essa aldeia somos nós. Os parentes próximos de uma forma mais direta, claro, mas eu e você e até aquele gordo lá no fundo de uma forma mais abstrata, enquanto sociedade.
Ou seja, Isabela precisará de uma ampla rede de proteção intelectual, emocional e espiritual para suportar o peso de ser filha de quem é. Ainda mais num país que se acostumou a tratar criminosos como celebridades, como pessoas “admiráveis” sob algum prisma macabro. Se essa rede de proteção existirá e será eficiente? Ninguém pode responder a isso agora. Só me resta, pois, celebrar a vida e rezar para que o mal não triunfe.
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