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Nem bem comecei o texto e já estou um tiquinho arrependido. Daí você talvez me pergunte por que me atrevo a escrever sobre o assunto. Por que complicar a vida falando de Tarcísio de Freitas? Um tema que certamente irritará uma boa parcela dos leitores. A isso respondo dizendo que, antes de mais nada, esse negócio de se omitir não é comigo e sou pago para comentar o que é do interesse do leitor. Mesmo que ele se finja de desinteressado. Além do mais, a alternativa seria escrever sobre o ator de filme infantil que se assumiu como coprófilo. Então.
Tarcísio, Tarcísio, Tarcísio. Desde que se disse a favor de 95% da reforma tributária de Haddad, do PT, de Lula, o governador de São Paulo anda em maus lençóis. Há uma turma surpresa com a postura do ex-ministro de Bolsonaro. Eu entre eles, mas não muito. Só imaginava que a rendição do tecnocrata ao Sistema fosse mais gradual. Mais sutil. De resto, não esperava outra coisa de um político com mentalidade técnica e que não entende que a batalha, neste momento, não é por recursos nem por obras de infraestrutura; é uma batalha moral.
O que não quer dizer, em absoluto, que Tarcísio de Freitas seja um político como os petistas. Nem como Joice Hasselmann ou Alexandre Frota. Talvez seja ingenuidade minha (sempre uma possibilidade), mas não consigo ver nele o elemento perverso da traição. Nem o maquiavelismo do cálculo político. O problema que vejo em Tarcísio de Freitas, que até aqui vinha sendo tratado como “a grande esperança da direita”, está mais para uma dificuldade histórica de entender a vida pública para além de seus aspectos técnico-eleitorais.
Não é algo incomum nos homens públicos. Sergio Moro, por exemplo, padecia do mesmo problema. Como se a corrupção fosse doença, e não sintoma de uma enfermidade muito mais grave. Outro nome que me ocorre é o do falecido Jaime Lerner, que não enxergava a cidade para além das soluções urbanísticas. Repito: não são más pessoas nem necessariamente maus políticos ou gestores. Apenas me parecem homens cuja noção de bem comum foi contaminada pelo materialismo amoral que aflige igualmente direita e esquerda.
Cumpanhêro Tarcísio
O pior é que, diante da impossibilidade de encontrar líderes que sejam hábeis tanto na técnica quanto no trato político, tanto no racional quando no passional (se é que é possível), tanto no econômico quanto no moral, a direita abatida, traída e machucada reage com uma ênfase desmedida. Tanto é assim que, para alguns, Tarcísio de Freitas já cruzou o rubicão ideológico e virou comunista. Nada menos do que comunista. Uma sentença apressada que pode custar caro em 2026. Se é que até lá teremos eleições.
Tarcísio errou. Erra. E, até como reação aos ataques que está sofrendo, errará mais ainda. Errará com gosto. Erra para provar que estava certo. Porque é da natureza humana. Ainda mais nos dias de hoje. Só um político-santo, algo que Tarcísio de Freitas definitivamente não é, seria capaz de reconhecer o erro, assimilar os ataques, pedir desculpas, corrigir o rumo da ação e aguentar estoicamente as consequências disso tudo.
Prova de que insistirá no erro para provar que está certo foi a declaração feita pelo governador de São Paulo durante o gilmarpalooza – evento que reúne tecnocratas de todos os cordões e dans e que é tão vergonhoso que precisa ser realizado no além-mar. “Temos um guardião da Constituição que funciona muito bem”, disse Tarcísio sobre o STF, posando de moderado (!) ao lado de Flávio Dino e de toda a fauna petista e suprema. Ah, essa direita permitida...
Aliás, a sempre ardilosa esquerda já percebeu a fragilidade política de Tarcísio e, por saber que estes não são tempos que recompensam qualquer moderação, tascou no homem as pechas depreciativas de “moderado” e “centro-direita”. Gleisi Hoffmann, por exemplo, fez elogios rasgados a Tarcísio porque sabe que um elogio dela é politicamente muito mais nocivo do que um ataque frontal.
André Janones, por sua vez, foi mais longe e, depois da aprovação da reforma tributária, se mostrou ao lado de Tarcísio numa fotomontagem, com direito a deboche. “O meu muito obrigado ao companheiro Tarcísio, que foi essencial pra isso!”, escreveu. Janones também sabe que um elogio, nesta hora, é veneno puro. Que a direita abatida, traída e machucada bebe com gosto.