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O melhor que podemos esperar é não sermos governados pelos piores entre nós. Pode parecer pouco. Não é.
Um homem poderoso pode decidir se será estadista ou tirano. Os homens que não têm poder precisam decidir se vão se submeter ou se rebelar. É essa a decisão que muitos brasileiros conscientes e bem-informados enfrentam hoje.
Como fica aparente para quem estuda história, a luta pelo poder existe desde sempre. Nela vale tudo. É uma questão de lógica: quem tem poder obriga os outros a seguir sua vontade. Sempre foi assim. Sob diversos nomes, em diferentes organizações, embalados em narrativas humanas ou divinas, inúmeros sistemas políticos e jurídicos tentaram impor uma aparência de ordem ao que, na verdade, é um combate sem qualquer regra – porque aquele que tem o poder define as regras.
Não prestamos atenção ao que realmente está acontecendo. O que está acontecendo é uma disputa feroz pelo controle de um Estado cada vez mais autoritário.
Hoje, no Brasil, esse mecanismo está exposto e despido de qualquer pudor. O que vemos é isso: leis e regras servem para adversários, jamais para amigos. Essa lógica vem cercada de discursos conciliadores, camuflada em arranjos políticos ou embrulhada em narrativas sobre higidez eleitoral. Nós, ocupados com as prioridades da vida – pagar as contas, cuidar de filhos e sobreviver – não prestamos atenção ao que realmente está acontecendo. O que está acontecendo é uma disputa feroz pelo controle de um Estado cada vez mais autoritário.
A história das ideias é a história das tentativas de normatizar, regular e codificar essa disputa pelo poder à luz de conceitos como Estado de Direito, democracia e direitos fundamentais. Na Inglaterra do ano 1215, os barões feudais impuseram a Magna Carta ao rei João sem Terra. Na mesma Inglaterra, no ano de 1649, o Parlamento cortou a cabeça do rei Charles I e colocou no poder um líder revolucionário que se tornaria ditador militar, o lorde protetor Oliver Cromwell. A Revolução Francesa foi uma sucessão de golpes e contragolpes, temperados com matança indiscriminada e até a criação de uma nova religião, o Culto do Ser Supremo, cujo sacerdote máximo era ninguém menos do que o extremista assassino e líder revolucionário Robespierre. Escolha aleatoriamente um momento da história e você vai encontrar disputa selvagem pelo poder.
No último dia 21 de abril, fiz uma viagem a Minas Gerais, terra do meu pai. Meu destino era Ouro Preto, onde recebi a Medalha da Inconfidência das mãos do governador Romeu Zema. O evento histórico que foi batizado como Inconfidência Mineira foi, na verdade, um movimento malsucedido de mudança de poder. Um grupo de cidadãos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, descontentes com o domínio português sobre o Brasil, planejou um movimento de independência.
Se a Inconfidência tivesse sido bem-sucedida, outras pessoas subiriam ao poder. A intenção dos inconfidentes era transformar o Brasil em uma república. Um deles, inevitavelmente, seria o presidente. Os outros seriam ministros, comandantes militares e juízes de cortes superiores. É um interessante exercício de imaginação imaginar como seria o Brasil hoje se a república tivesse surgido desta forma, via um movimento civil, ao invés de ser “proclamada” em 1889 através do que muitos descrevem como um golpe militar.
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A tensão no Brasil é crescente. Ela aumentou, nas últimas semanas, com o surgimento de um personagem novo – um dos homens mais ricos do mundo, nascido na África do Sul, radicado nos EUA, empreendedor bilionário com interesses em exploração espacial, indústria automobilística, inteligência artificial e mídias sociais – Elon Musk.
Curiosamente, essa não é a primeira vez que um personagem dos EUA é envolvido inesperadamente em uma situação crítica da nossa política. Há muitos anos, dois brasileiros foram à Europa buscar a ajuda de um político americano para um movimento de mudança no Brasil. É uma história pouco conhecida, uma história atrás da história.
Os brasileiros que buscavam ajuda, cita o livro 1789 - A Inconfidência Mineira e a Vida Cotidiana nas Minas do Século XVIII, de José Martino, eram José Joaquim da Maia e Domingos Vidal de Barbosa, envolvidos no movimento da Inconfidência Mineira. O americano com quem eles mantiveram contato e que, no final, não conseguiu ajudá-los, era ninguém menos do que Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e o terceiro presidente americano. O ano em que isso ocorreu foi 1787.
Não há nada de novo debaixo do sol.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos