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Ao prestar contas na Assembleia Legislativa do Paraná sobre os resultados fiscais do segundo quadrimestre de 2021, mostrando que o Estado vem recuperando a arrecadação, saindo da crise gerada pela pandemia de Covid-19 e registrando crescimento real em relação ao ano passado, o secretário estadual da Fazenda, Renê Garcia Junior, fez projeções pouco otimistas para 2022. Para ele, mesmo em um ano em que, teoricamente, estaremos livres da pandemia, o desempenho econômico deverá ser pior do que o de 2021.
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Em entrevista à Gazeta do Povo, Renê Garcia Junior projetou que 2022 será o ano para se tratar das sequelas econômicas da Covid-19, que, segundo ele, assim como na questão da saúde, podem ser mais graves que a própria doença. Câmbio, inflação, juros e desemprego levam a uma previsão bastante modesta de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) o que, de acordo com Garcia Junior, terá impacto direto na arrecadação. Assim, mesmo com as receitas deste ano tendo superado as projeções e o déficit orçamentário já estar praticamente sanado, o secretário mantém, para 2022, a previsão de arrecadação menor que as despesas fixas programadas.
Confira a entrevista:
Os efeitos da pandemia na economia do estado já ficaram para trás? O Estado já vive uma situação semelhante ao período anterior à Covid-19 em termos de arrecadação, gastos e desenvolvimento econômico?
O pior já passou, com toda a certeza. A vacinação está dando um efeito muito positivo, seja na quantidade de mortes como na de novos casos, então, a gente vê que há a recuperação da atividade econômica. O que ocorre é que tem dois efeitos contraditórios que tem um sinal reverso em efeitos de impacto no PIB, que é a questão da energia elétrica, que é um choque bastante forte, e a possibilidade de se ter racionamento impacta de forma expressiva no crescimento econômico, e o outro é a possibilidade de quebra da safra em decorrência da seca.
Essas são as variáveis externas. Dentro das variáveis internas, a taxa de câmbio continua depreciando, o que é positivo para as exportações mas impacta negativamente no que diz respeito à formação do preço do petróleo, que puxa para cima o preço dos combustíveis, o que tem um efeito extremamente danoso na economia, na medida em que acaba corrompendo a taxa de inflação. A taxa de inflação, nesse período, foi extremamente alta, beirando os 10%. E as expectativas são pouco otimistas em relação ao comportamento da inflação em 2022, devendo ficar entre 6,5% e 8,5%, o que também compromete sobremaneira a questão da indexação, porque boa parte dos contratos é indexada, assim como a receita é indexada, como no que diz respeito à educação e à saúde, por exemplo. E o outro ponto adverso vem da questão do cenário político, que coloca um nível de incerteza na economia que acaba retraindo investimentos. E, com isso, podemos ter uma taxa de crescimento do desemprego ainda um pouco maior.
Os números da prestação de contas do segundo quadrimestre mostram recuperação das finanças do Estado, mas são comparados a igual período de 2020, o que pega o auge da primeira onda da pandemia e o momento em que a atividade econômica do estado sofreu mais restrições com as medidas de isolamento decretadas. Em relação a 2019, um ano sem esse efeito perverso da Covid-19 sobre a economia, as contas do estado também já estão em uma melhor situação?
Em termos reais, teve um crescimento um pouquinho maior, cerca de 3% em 2021, com relação a 2019. Mas há de convir que o próprio 2021 está terminando com tendência de recuperação, mas isso não deve se repetir em 2022. Por conta do crescimento do PIB, que vai ser substancialmente menor: se estamos crescendo, hoje 5,7%, a previsão para 2022 é de 1,6%. E ainda vamos ter que conviver com uma taxa de juros mais alta, de até 9%. E, com isso, vamos ter um arrefecimento da atividade econômica, impactando fortemente sobre a arrecadação de ICMS e sobre a expectativa de investimento, e impactando, também, sobre o nível de emprego.
Então a gente tem, para 2022, um ano que, em tese, estaremos livres da pandemia, um cenário econômico pior do que o deste ano, que convivemos durante todo tempo com o coronavírus?
É como se fosse um doente que teve Covid-19 e, depois teve as sequelas, que podem até ser maiores que o custo em si da doença. Ele causa um processo inflamatório na economia como um todo, que impacta sobre o câmbio, sobre o PIB e sobre a geração de emprego.
Na questão do emprego, o senhor citou que o Paraná vem conseguindo diminuir, aos poucos, a taxa de desemprego, mas com remunerações menores que as praticadas antes da pandemia. Ao mesmo tempo, temos esse cenário de inflação alta, com grande elevação de preços em produtos e serviços básicos do dia a dia, como alimentos, gasolina, gás e energia elétrica. Com isso, o poder de compra do cidadão vem caindo significativamente. Há solução para esse quadro?
Essa é uma questão macroeconômica que só pode ser resolvida por duas frentes: primeiro que a taxa de câmbio pare se depreciar frente ao dólar e que o preço do petróleo seja seguro. Com isso, podemos ter uma trajetória de preços de combustíveis mais estável e, assim, não contaminar o índice geral de preços.
Outra questão levantada na prestação de contas foi a dos R$ 17 bilhões que o Paraná concede em incentivos fiscais. O senhor explicou que não houve um aumento dos incentivos concedidos, mas uma atualização na forma de calculá-los, para se ter um cenário mais transparente. Há no estado, um plano de revisão destes incentivos, de se averiguar quanto destes R$ 17 bilhões tem contrapartida para a arrecadação do Estado de forma indireta, com a geração de empregos ou a redução de outros gastos, por exemplo?
Esse é o ponto focal do nosso trabalho em 2022. Temos que montar uma metodologia para analisar os benefícios fiscais e comparar quais desses estão contribuindo para a geração de emprego, renda e tendo impacto positivo sobre a arrecadação. Então, estamos desenvolvendo uma série de estudos para tentar identificar e quantificar essa variável. Aí eu poderei dizer se todo aquele dinheiro que está indo para a alimentação, para o agronegócio, tem impacto positivo ou não. Assim também como os recursos envolvidos no benefício fiscal do setor automotivo, por exemplo. Aí eu vou ter parâmetros para julgar e criar algum tipo de revisão nestes benefícios.
O estado conseguiu ficar com uma margem razoável abaixo do limite prudencial do gasto com pessoal, mostrou ter caixa e os servidores cobram reajuste para o ano que vem, já que estão com a remuneração congelada desde 2020. O líder do governo já anunciou que um projeto com a nova data base do funcionalismo deverá ir à Assembleia ainda neste ano. Há margem para esse reajuste? Em que patamares?
Vai ter uma proposta de reposição salarial dos servidores que enfrente a realidade de 2022. Como 2022 é um ano com vários componentes de incerteza, temos que ter uma política responsável. E ser responsável é propor um aumento que caiba no caixa do estado. Ainda estamos estudando de quanto será esse aumento.
A prestação de contas mostrou que o Estado conseguiu arrecadação maior que o previsto no Orçamento, praticamente já fazendo frente ao déficit previsto de mais de R$ 4 bilhões. A Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem prevê despesas maiores que receitas. A recuperação registrada neste ano já permite rever essa projeção e, ao menos, zerar essa conta?
Temos vários riscos fiscais envolvidos aí, que vão desde esta questão do eventual aumento dos servidores, como, também as questões envolvendo atividades que hoje estão fora do Orçamento, como a política de asfalto do DER, por exemplo. Na planilha tem uma série de eventos que são riscos fiscais. Prever arrecadação é praticamente um chutômetro, pois a gente tem tantas incertezas e tantas intempéries, que fica muito difícil uma previsão precisa. Então, ser conservador, adotando uma metodologia que te permita o viés mínimo, a menor probabilidade de errar, é prudente. E aí que nasce essa receita com uma frustração frente às despesas. Para que, se tivermos surpresas, que sejam positivas. Mas sempre lembrando que o PIB será menor que a inflação e o cenário externo extremamente complexo, porque a crise da China está afetando as exportações brasileiros, com comprometimento do mercado de grãos.