Algum tempo atrás, eram os hippies de cabelo longo e flores sobre a cabeça, de batas coloridas, juntos numa kombi para fazer longas viagens. Ou discípulos de um Kerouac, com o pé na estrada. Ou os bem penteados dos embalos de sábado à noite. Hoje são outros os cabelos e roupas, muitas tatuagens talvez – e os rostos vidrados nas telas, perdidos num mundo irreal; são meninos e meninas que nem estudam nem trabalham, e aos quais o cyberbullying pode fazer desmoronar.
Basta soar a palavra “adolescência” para que quase todos os pais se encham de temores com relação ao futuro de seus filhos. Tendo sido adolescentes eles mesmos, mais ou menos rebeldes, sabem que, durante aquele estranha fase, essencialmente dramática, em que se deixa pouco a pouco o mundo das crianças para ingressar no mundo dos adultos, e que inclui tantas alterações físicas e psíquicas, medos e incerteza, será como se perdêssemos os nossos filhos, como se eles quisessem se desligar de nós, abandonar o lar que os gerou. De fato, são tempos difíceis.
Mas é preciso dizer que é natural que seja assim. Trata-se do período intermediário entre a infância e a vida adulta e, portanto, de uma espécie de revolução copernicana no quadro de referências e de atitudes da pessoa. Até então, aquele filho estivera tranquilo na segurança e na proteção do lar, e satisfeito de ter, como referências máximas, quase únicas, o pai e a mãe, que eram sempre seus guardiões e os intérpretes do mundo para ele. Os aborrecimentos do mundo exterior eram todos temporários, secundários, e mediados pela ação dos pais. A criança não responde por si mesma, os pais vêm sempre em seu socorro.
Agora, para tornar-se adulta no fim desse processo, que em geral se inicia juntamente com a puberdade corporal, a criança precisa começar a se desvincular da segurança e da proteção do lar, para se aventurar em círculos mais amplos: precisa fazer algumas tentativas de agir como adulto, experimentos, que mostrem para ela mesma o que ela é capaz de fazer e como o mundo exterior reage às suas ações. Ela precisa estabelecer relações sociais em uma sociedade mais ampla: o lar e a própria escola começam a ficar insuficientes, e parece que lhe falta algo para que consiga desenvolver sua personalidade. “Adolescere”, em latim, significa justamente “crescer para fora”.
Se o adolescente é esse ser que, ao mesmo tempo que quer fazer tudo sozinho, quer uma retaguarda, nós precisamos ser essa retaguarda
Para isso, entretanto, ela ainda precisa da retaguarda dos pais, que a impeçam de se ferir caso falhe ou de pôr tudo a perder numa bravata desmesurada. O adolescente não quer mais ser tratado como criança – porque não é mais criança! –, mas também não consegue arcar com todas as responsabilidades e demandas de uma vida adulta autônoma – porque ainda não é adulto e, como dizem os mais velhos, “ainda não sabe nada da vida”. É essa indefinição, esse lusco-fusco o que causa tanta ansiedade e sofrimento, tanta confusão e angústia no postulante a cidadão. Em que momentos deve voltar para casa e se acolher novamente sob a proteção do pai, ou no colo da mãe? Em que momentos deve romper com eles?... Ele tenta ser autônomo, adulto, e colocar para fora todas essas potências que estão surgindo, cheias de virilidade, e operar com sua inteligência e sua vontade – mas não sabe ainda como regular essas forças.
É nessa fase que será posta à prova a educação que nós lhes tivermos dado na infância. Não será posta à prova pelo mundo nem pelas circunstâncias, ainda, nem por nenhum fator externo: será posta à prova por eles mesmos. Para que possam assumir como que em primeira pessoa os valores que nós lhes tivermos transmitido, os adolescentes precisam, de algum modo, negá-los, desvencilhar-se deles, questioná-los, perguntar o seu porquê mais profundo, para então, por livre e espontânea vontade, apegar-se a eles novamente, como algo seu, não mais de seus pais. Ou então desvencilhar-se deles para sempre, e se apegar aos seus próprios, outros, diferentes daqueles dos pais. Afinal, não é nada mais que isso um adulto responsável: alguém que escolhe seu próprio critério, seu próprio valor, e age conforme a sua crença.
No âmbito físico, há muitos hormônios e tantas sensações novas, afloradas, um verdadeiro turbilhão de sentimentos! Às vezes até querem nos obedecer, mas não conseguem; querem cumprir uma tarefa, mas não têm ainda a virtude consolidada para fazê-lo. É que estão lutando por transmutar os hábitos da infância (que nós, idealmente, teremos ensinado a eles) em virtudes maduras, próprias. Eles precisam da nossa orientação nesse sentido, mas não mais como quem pega na mão e mostra como se faz, mas como um técnico, que torce do lado de fora do campo. É hora do jogo, não é mais treino.
Nós, pais, precisamos ter consciência dessa particular evolução que está acontecendo nesse momento, não só no corpo, mas na mente da criança, e ajudá-la a ir ampliando os seus limites de maneira prudente. Se o adolescente é esse ser que, ao mesmo tempo que quer fazer tudo sozinho, quer uma retaguarda, nós precisamos ser essa retaguarda, dominando a tentação de não o deixar crescer, de não o deixar tomar posse dessas faculdades que são próprias de um adulto. Deixá-los crescer e, ao mesmo tempo, ampará-los no que eles precisam: a adolescência dos filhos é uma transição também para os pais.
Nesse movimento, algumas de suas atitudes mais radicais ou mesmo violentas podem nos assustar e nos entristecer, como se de nada tivesse valido o nosso esforço, e como se todo o amor que devotamos a eles, por mais de dez anos, agora fosse visto como algo pegajoso e repugnante! E pode entristecer-nos, especialmente, vê-los procurar outras referências de adulto, outros homens e mulheres para que sejam seus “pais”, seus mentores, seus guias na vida adulta. Mas também é natural que façam isso, que coloquem em questão a nossa própria figura, o peso da nossa autoridade. O adolescente percebe que existem outras formas de ser homem e mulher que não a dos seus pais, e se afastam deles nesse sentido, para que consigam compará-los com outras figuras adultas, outros modos de ser adulto e de viver. Poderão aquilatar os pais mais objetivamente, condenando-os ou perdoando-os por alguns de seus defeitos, e admirando-os por suas virtudes.
Por isso é tão importante a escolha de quem estará ao redor da nossa família, os nossos amigos e, sobretudo, os padrinhos que escolhemos para nossos filhos. Que bom se tivermos escolhido gente como nós, que fortaleça os nossos valores e ampare aquilo por que prezamos! Tão logo nossos filhos se desgarrarem de nós, verão pessoas realmente admiráveis, as quais podem imitar, e que inclusive tenham virtudes que nós não temos, e nossos filhos ganharão com isso. Devemos “preparar os arredores” com os mesmos valores, com pessoas nas quais podemos confiar, e para a quais nossos filhos possam mirar como modelos alternativos. E devemos, além disso, é claro, avaliar outras influências: conhecermos os professores ou as pessoas a quem o adolescente eventualmente ouve na internet, e afastarmos os maus conselheiros.
Precisamos estar preparados para aquela atitude de desafio que poderão adotar com relação a nós, e ter as respostas para os seus questionamentos. É hora de os pais se exporem um pouco mais abertamente como adultos, e explicarem para os filhos suas ideias, suas escolhas, suas posições políticas, morais, comportamentais. Agora eles querem saber as causas da educação que receberam, e testar se seu embasamento é consistente segundo os novos critérios racionais que a puberdade lhe abre. Também devemos estar atentos às suas dúvidas e questionamentos em relação a temas complexos, como religião, aborto, comunismo, feminismo, e todos esses tópicos polêmicos. Precisamos saber desses assuntos, para ajudá-los a ver todos os lados da questão. Porque, ao mesmo tempo que os adolescentes tendem a andar em bando e se imitarem mutuamente, eles têm também o ímpeto de discutir e de brigar quando descobrem uma verdade. Querem deixar de ser enganados, de ser manipulados, e se alegram em desmascarar charlatões. Podemos direcionar isso ao nosso, e ao seu, favor. Devemos escutar as ideias deles, para ajudá-los a ter argumentos a favor e também contra elas. É uma visão infantil do mundo olharmos apenas para um lado da história, e devemos transmitir isso a eles.
Os adolescentes costumam ter uma visão muito otimista da vida. Eles querem mudar o mundo, acham que são capazes de “revolucionar” as coisas, de realmente fazer a diferença. Isso é um adolescente saudável, é saudável quer fazer a diferença no mundo, e crer que, com suas forças, vai consegui-lo. Isso faz parte do processo de amadurecimento e da formação da personalidade, isso é desejável (e é mais problemático, na verdade, quando o adolescente começa a se tornar alguém apático, excessivamente introvertido, depressivo). Quando nós, pais, jogamos um balde de água fria neles, porque já superamos esse ardor e sabemos as dificuldades, os percalços, enfim, sabemos o tamanho do mundo e a proporção que nossas ações precisam ter para fazer a diferença, nós depositamos em cima do seu otimismo juvenil mais do que ele pode suportar. Não é salutar fazer isso, ao contrário: o melhor é orientar esse ardor para conquistas verdadeiras, e o próprio tempo irá regular a dimensão das coisas.
Para que possam assumir como que em primeira pessoa os valores que nós lhes tivermos transmitido, os adolescentes precisam negá-los, questioná-los, para então apegar-se a eles novamente, como algo seu
Os nossos filhos esperam compreensão de nós. Ridicularizá-los, porque nós sabemos que “é só uma fase”, não serve. Também não servem simplesmente a tolerância e a paciência: querem alguém que de fato revele e explique para eles o que está se passando dentro do seu coração, porque não fazem a menor ideia. Será esse o nosso papel, em primeiro lugar de ouvir, para poder compreender, e então de desvendar-lhes essas coisas, decifrar as suas próprias inclinações, impulsos, questionamentos. Nesse momento de tormenta interior, devemos ser para eles um farol. Quando errarem, de pouco vai adiantar passar sermão: precisamos ser mais compreensivos que o mundo.
O adolescente não sabe quem é. A criança também não sabe quem é, mas nem sequer chega a fazer-se essa pergunta, e essa inquietação não a aflige. Sendo-lhe impossível ser de fato alguém, seus questionamentos e dificuldades são outros, ela está em outra camada. O adulto, sim, precisa saber quem é. O adulto é alguém maduro, e a base da maturidade é assumir-se sobre as próprias pernas. E o adolescente? O adolescente não é ninguém, mas começa a desejar ardentemente saber quem é. Por isso, começa a sentir o impulso, o ímpeto, transformado às vezes indevidamente em rebeldia, de tornar-se alguém, de afirmar-se como uma pessoa. Como já dissemos, quer desligar-se dos pais e da família, para adquirir sua independência, mas depende deles para fazer esse mesmo movimento – como um dom Pedro, que proclamou a independência incentivado por dom João... Aqui rodeiam o adolescente, porém, muitas tentações, agravadas por problemas tipicamente contemporâneos.
A preocupação com ser alguém e saber quem é confunde-se facilmente com a construção e a preservação de uma autoimagem e, para isso, as redes sociais são um prato cheio. Não bastasse a tentação do vício e da dependência das telas e dos eletrônicos, o jovem é também tentado a basear a sua felicidade na aceitação social, especialmente do seu grupo de pares, que é validada por meio das redes sociais. E, pelo outro lado, fica assim inteiramente vulnerável à não aceitação do grupelho. Quantas notícias não podemos ler, à distância de um clique, do sofrimento, que tantas vezes chega ao extremo do suicídio, dos jovens vítimas de bullying e cyberbullying? Por trás de cada notícia há uma vida desperdiçada por nada, uma família que sofre, e uma rede de pessoas confusas e perdidas.
A chave para ajudar nossos filhos na adolescência é se adiantar a ela
Nesse mesmo contexto entram o álcool e as drogas, e outros comportamentos autodestrutivos. Como não tem segurança em si mesmo, o jovem apela para o efeito da falsa segurança e desenvoltura que o álcool pode gerar. Também por pressão de ser aceito como membro do grupo, alguns adolescentes sacrificam sua autonomia recém-conquistada frequentando as drogas. Isso se alia, muitas vezes, à ausência de um sentido para a vida, a um vazio existencial, que toma conta do coração do jovem quando ele abandona as referências familiares, que podem ter se mantido exteriores, e nunca penetrado o seu interior.
Ora, a chave para ajudar nossos filhos na adolescência é se adiantar a ela. O segredo está no que já se convencionou chamar de “educação preventiva”. Se tratarmos nossas crianças como “apenas crianças”, no sentido de não lhes fornecer os elementos e as referências suficientes para que evoluam interiormente na mesma medida em que crescem corporalmente – por exemplo, nunca lhes dizendo “não” e atendendo a todos os seus desejos, não lhes ensinando limites, não incentivando as pequenas autonomias, sempre ludibriando o seu entendimento da maneira mais fácil e torpe –, quando vier o turbilhão da adolescência elas ficarão desesperadas, e nós não teremos caminhos para as ajudar. Se, ao contrário, formos atentos e conscientes na educação que lhes damos desde o princípio, acompanhando cada etapa com coerência – ministrando-lhes sempre doses adequadas de responsabilidade, ensinando uma liberdade responsável, com limites e balizas, sem autoritarismo nem laxismo, mas sendo para eles uma verdadeira e amorosa autoridade –, então a força das águas da adolescência será amparada por barragens sólidas, e poderá correr na direção certa. Se desde sempre as ajudarmos a fortalecer a sua identidade, a buscar a própria dignidade em seu interior, não serão presa fácil do grupo de pares nem dos influencers.
De qualquer modo, não devemos nos desesperar, nem nos culpar irracionalmente por ter errado aqui, e deixado de agir de tal modo ali... Sim, a adolescência é um momento chave, um momento em que fica em xeque a educação que demos às crianças, e é um grande funil moral. Mas não significa necessariamente que tudo está perdido. É importante não perder a esperança e não esmorecer no amor, apesar dos pesares. Não devemos ficar excessivamente impressionados com essas transformações, nem nos assustar. O jogo não está nem ganho nem perdido, e a história deles está apenas começando. Eles têm 13, 14 anos? Ora, com a ajuda de Deus, viverão mais de 80, e, embora muitas escolhas erradas tenham consequências graves para sempre, outras, graves agora, serão sanadas em seguida, e o passado ficará para trás. O importante é nós os termos ensinado, educado e amado até ali, e continuarmos amando, sendo modelo e guia, ajudando-os a interpretar a realidade e a perseverar nos seus propósitos elevados. Assim, não importa quão longe eles precisem ir, durante esses tempos difíceis, para se encontrarem: o importante é que tenham para onde voltar.
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