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Nesta semana que passou, estive num retiro de silêncio durante três dias – algo que me proponho a fazer ao menos uma vez ao ano. Trata-se, como muitos devem saber, de um momento de recolhimento, em que buscamos diminuir ao máximo a quantidade de estímulos externos – os estímulos sensitivos, as demandas da atenção, especialmente as da fala, da preocupação com o outro e com as atribulações do cotidiano –, dar uma grande pausa, para que nos seja possível olhar para nós próprios, avaliar como de fato temos nos portado e como gostaríamos de nos portar, avaliar aquilo que dizemos que amamos e os momentos em que precisamos, concretamente, amar mais, enfim, um momento de interiorização em que buscamos nos colocar sozinhos diante de Deus, e estarmos disponíveis para ouvir somente a sua voz.
Nesse período de reflexão, ao meditar sobre a minha própria vida, considerei também a vida de outras esposas e mães: de mulheres que se tornaram santas, e que podem ser exemplo para nós – e essa consideração me fez pensar numa porção de outras coisas...
Pensei, em primeiro lugar, sobre as pessoas que acompanham meu trabalho, e que ouvem tudo aquilo que prego e ensino como sendo ideais de família, de maternidade e de educação, especialmente o público que me acompanha não tão de perto (pelo Instagram, por exemplo) e que, ao travar contato com tudo isso, acaba ficando com uma impressão, não de deslumbramento, de esperança, mas de assombro, de medo, como se o que eu apresentasse fosse uma missão impossível, uma utopia, um ideal absurdamente desafiador.
De fato, aquilo que busco viver e que apresento como um ideal a ser buscado é mesmo extremamente desafiador. Não é algo que nos caia no colo de graça, nem algo que aconteça automaticamente, como se bastasse casar, ter bebês e esperar, passivamente, que o tempo fizesse de nós boas mães. É, sim, um processo que se desenrola no tempo, mas que requer intencionalidade, e que envolve muito esforço: trata-se de uma grande transformação que nós devemos operar (ou, melhor dizendo, na qual devemos cooperar). Não adianta esperarmos que, ao nascerem nossos filhos, nasça também, pronta e acabada, confiante em seus instintos, uma mãe perfeita, que, sem nenhum penar, absolutamente confortável com todas as suas novas atribuições, pudesse dizer “eu nasci para isso!”
Aquela que se tornou uma excelente mãe assim se tornou porque, a cada dia, fez as coisas pequenas com atenção, com cuidado, com virtude! E é disso que dependem as coisas grandes
Nós nascemos para isso, sim, mas em outro sentido. Quero dizer, esse ideal de esposa e de mãe não é algo externo a nós, mulheres; ele toca fundo no nosso coração. Está inscrito no coração da mulher esse encantamento pelo gerar, pelo cuidar, pelo nutrir, pelo amparar e pelo educar, tudo isso simbolizado pela segurança e pelo aconchego de um lar. A vocação da mulher tem a ver, com efeito, com mostrarmos à humanidade o valor que cada indivíduo tem – e isso não é pouca coisa. Mas, se nascemos para isso, se somos chamadas a isso desde o nosso íntimo, não nascemos já prontas para agir assim: ainda é preciso colocar, com esforço e dedicação, e também com muita consciência, tudo isso em ato. Nós precisamos escolhê-lo, construí-lo, com os olhos voltados para os ideais que nos são apresentados e que admiramos.
É então que começa nossa grandiosa tarefa, nossa tão grandiosa missão, composta de gestos tão pequenos, repetidos incansavelmente numa rotina sempre de novo vivificada: sermos dóceis, pacientes, disponíveis para os nossos filhos, para ouvi-los, ampará-los e guiá-los com serenidade, transmitindo a eles os valores humanos e os valores de uma verdadeira vida de piedade. Ora, não é possível escrever esse livro de nossa própria vida, não é possível sulcar no tempo e na memória dos nossos filhos essa história, deixando de fora o sofrimento. Olhe para a vida das pessoas virtuosas, que devemos admirar e imitar, e repare que nenhuma foi construída sem dor, sem esforço e sem erros. Ou seja, não devemos olhar para o nosso ideal como algo que, de tão elevado, não tem conexão nenhuma com nossas dores, com nossos pequenos esforços e sofrimentos, como se não fosse para nós. Devemos olhar para ele com o devido realismo, com a devida noção de que todos aqueles que o atingiram foi errando muito e com muito trabalho que o fizeram.
Os nossos tropeços e nossas falhas na tentativa de sermos uma boa esposa e uma boa mãe, ou um bom marido e um bom pai, fazem, em primeiro lugar, com que nos deparemos cruamente com nossos indesejáveis defeitos, com nossos pontos fracos, vícios, misérias. A tendência geral de nossa natureza decaída, e à qual nos convida, sorridente, a cultura contemporânea, é justificarmos as nossas ações com base nas circunstâncias, e nos eximirmos da responsabilidade e do sentimento de culpa. “Eu não consigo por causa do jeito do meu marido, do humor da minha sogra, porque falta dinheiro, por causa do clima, porque eu não aprendi com meus pais, porque – pobre de mim!... Eu até queria perseguir aquele ideal, ser uma ótima esposa e uma excelente mãe, mas esse ideal só é possível se tudo estiver favorável”. E o mundo, que convida à mediocridade, responde concordando: “Realmente, assim fica difícil... Deixe pra lá, não se sinta tão culpada por não conseguir chegar aonde gostaria. Esqueça essa história e apenas toque o barco”.
Essa não é uma visão adequada sobre o problema. Além de ineficaz – porque desse modo você não se tornará uma boa esposa, uma boa mãe, não se tornará quem você gostaria de ser –, ela é também enganosa: você não se sentirá menos culpada, e continuará insatisfeita, incompleta, infeliz. O melhor é deixar o sofrimento e a dificuldade serem os nossos professores, e mostrarem para nós onde exatamente devemos agir, em quais pontos devemos trabalhar e melhorar. E tenhamos paciência conosco mesmos. Nossos defeitos não vão sumir, nós nunca nos sentiremos perfeitos e acabados, e nunca diremos, com a boca cheia, “enfim sou a melhor mãe do mundo!” – e ainda bem, porque nossa boca, e nosso coração, estariam cheios, isto sim, de soberba. Devemos estar atentos para perceber nossas misérias, e então buscarmos incansavelmente o nosso ideal, fazendo aquilo que é preciso fazer a cada momento, apesar delas. E é exatamente no solo fértil das nossas misérias e das circunstâncias adversas que vai brotar o nosso ideal.
O ideal, as “coisas grandiosas”, dependem das coisas pequenas, e toda grande vida é composta de minúsculas escolhas, feitas em passageiros minutos. Aquela que se tornou uma excelente mãe assim se tornou porque, a cada dia, pôs-se a ouvir seu filho, acordou quando era preciso acordar, lavou uma louça – lavou cada uma das peças da louça –, fez a cama, e ensinou o filho a fazer a própria cama; limpou xixi e se empenhou no desfralde, e, muitas vezes, lutou internamente, sofreu e se esforçou, e superou uma dezena de emoções contraditórias para... sorrir para o seu filho. Fez as coisas pequenas com atenção, com cuidado, com virtude! E é disso que dependem as coisas grandes. Jamais diga, portanto, “isso não é para mim”. Todos os grandes santos eram como você – só que não desistiram.
E eis, pois, aquilo que, nesse meu retiro, acabei concluindo. Onde está a dificuldade das pessoas em conseguirem perceber que é possível almejar o ideal? Porque isso lhes parece tão distante, e os espanta? A resposta é simples, mas de uma profundidade absoluta. É por carecerem de trato com Deus, de contato com o mundo sobrenatural, que nos ampara e ajuda em nossa fraqueza. Pois é verdade que, sozinhos, não conseguiremos mesmo. Devemos colocar todo nosso empenho em sermos melhores, mas, no início e no fim de tudo, colocarmos nossa confiança naquilo que está para além dos nossos esforços humanos, no sobrenatural, em Deus, pois Ele é o fundamento daquele nosso mesmo ideal, que não é meramente humano. Quando convido aqueles que me ouvem a um paradigma elevado, a uma meta alta, é para que, sendo dóceis às nossas circunstâncias, e a todo o sofrimento que delas fazem parte, mais que nos transformarmos a nós mesmos com nosso esforço, sejamos transformados, e cheguemos a níveis que não conseguiríamos sozinhos, que nem imaginamos que podemos – voos muito altos, que nos parecem impossíveis. E, neste preciso sentido, somos passivos e devemos deixar um outro agir ao longo do tempo – como que completando o nosso esforço, sempre insuficiente. E não seremos os primeiros: muita gente chegou lá, e precisamos desejar ser como eles.
Alguém que me fez pensar muito, nesse meu mesmo retiro, foi a mãe de um grande santo: “Mamma Margarida”, a mãe de Dom Bosco. Ela exemplifica e esclarece, com sua pessoa, com sua história de vida e a memória que escreveu no coração de seus filhos, tudo o que foi dito acima. As condições não lhe foram favoráveis em quase nada: viúva, tinha de trabalhar da manhã à noite para sustentar a casa e os filhos. Isso a deixava cansada a ponto de perder a paciência, de ser dura com os filhos? Ou então de ser relapsa, ausente, de deixar a educação deles a cargo de outros? Nada disso... Leiam o livro, e verão como ela é lembrada com amor, e como sendo a mais amorosa! Era alegre, e sorria, sorria, sorria sempre. Nunca bateu nos filhos, pois trocava os castigos corporais por outros artifícios, muito particulares. Mas também nunca se privou de orientá-los; é que o amor era tanto, era tanta a sua doçura e a atenção carinhosa que tinha para com eles, que desejavam obedecê-la, ansiavam pela sua orientação.
Ah, esse exemplo nós devíamos adotar. Quando damos castigos, não por uma clara e amorosa intencionalidade pedagógica, mas inspirados por nossos destemperos, por nossos vícios, as únicas coisas que geramos em nossos filhos são ira, desconfiança e raiva. E eu creio que 99% das palmadas que se desferem contra os filhos sejam fruto disso. Sempre que chegamos ao ponto em que é preciso castigar assim, é porque já erramos antes, porque não fomos firmes, constantes e afetuosos o suficiente, e assim construímos nossa própria trilha até esse momento de perder a paciência. Ora, os nossos filhos serão mais parecidos com aquilo que somos do que com aquilo que desejamos que eles sejam (como diz sempre um sacerdote que conheço). A teoria não entra no coração; o exemplo vivo, sim.
Não precisamos ter medo de dar às crianças amor e carinho em excesso, desde que, junto com esse carinho, esteja a nossa firme orientação
Mas dizer que a chave está no carinho não significa que precisemos brincar, fingir que somos crianças, ou sermos “amigos dos nossos filhos” como iguais. Não, o nosso carinho e a nossa ternura estão sempre associados à firmeza e à orientação, e se em algum momento tivermos de optar entre uma coisa e a outra, optaremos pela orientação – e os nossos filhos devem saber disso, e senti-lo. Devemos ter amizade com os filhos, mas uma amizade diferente, uma amizade de autoridade, de condução (espero voltar a falar disso em breve).
Muita gente conservadora, que talvez tenha algumas palavras da Bíblia como referência, chega a crer que só vai educar bem os filhos “usando a vara”, sendo muito rígido, e castigando. Creio que seja uma interpretação um pouco desfocada. De outro lado, há uma gente que, sob a bandeira de dar para os filhos apenas amor e liberdade, privam-nos de qualquer orientação firme, esperando que os problemas se resolvam sozinhos mais para a frente. O ideal que almejo não pende para nenhum desses dois extremos, e está mais para o seguinte: quero ser, como Mamma Margarida, uma mãe sempre alegre, carinhosa, de temperamento equilibrado, tranquila, serena, paciente, amorosa e cuidadosa, quero ser uma mãe verdadeiramente prudente – isto é, que avalia a realidade e toma atitudes de acordo com a reta razão –, e assim criar um ambiente que seja todo carinho, acolhimento e constância. Nesse contexto, dentro de um lar assim, e podendo assim confiar em nós, os nossos filhos vão querer nos obedecer, vão querer nos ter como guias para a sua exploração do mundo, e, se eles obedecerem assim de forma tão habitual, não haverá sequer a necessidade de castigos.
Portanto, não precisamos ter medo de dar às crianças amor e carinho em excesso, desde que, junto com esse carinho, esteja a nossa firme orientação; desde que, reforçando o que é bom e apontando os erros, regulemos o seu comportamento, mas voltando muito logo à nossa linha de base, à tranquilidade básica que é o diapasão do nosso lar. Eles sentirão que, em tudo que fizermos, nossa cabeça e nosso coração estarão neles, para o bem deles, mesmo quando formos duras.
Foi assim que fez a Mamma Margarida. Foi isso que ela fez, apesar de todas as condições adversas, e apesar de todos os seus defeitos, de suas más inclinações. Ela fez a si mesma a pergunta: “Apesar de todas as dificuldades, que mãe quero ser?”. Perguntemos nós também, sem temer a grandeza do ideal: Que mães queremos ser? Aonde queremos chegar com nossas ações? Ou, que memória queremos deixar em nossos filhos? – E que força tem a memória de uma mãe! – A mãe que dizia que os amava, mas que odiava fazer as tarefas domésticas? Que reclamava porque queria trabalhar, ir à academia, ao shopping, mas dizia estar presa aos filhos, obrigada a ficar em casa cuidando deles? A memória de uma mãe malvestida porque tinha muitos afazeres?... Que pena seria deixarmos marcada na memória de nossos filhos uma imagem equivocada, de alguém que não queríamos ser, só porque estávamos desatentas, ou porque nos deixamos vencer pelas circunstâncias. E que bonito será deixarmos boas lembranças, a lembrança de quem, apesar de tudo, mesmo apanhando dos reveses e mesmo perdendo, tantas vezes, para as próprias dificuldades, lutou sempre bravamente por amor, por amar e orientar, conjuntamente.
Mamma Margarida deixou na alma de seu filho um sulco tão profundo, plantou ali uma semente tão viva, que ele se tornou Dom Bosco, o grande santo que dedicou sua vida a milhares de crianças, tantas, que até hoje muita gente é beneficiária dos seus esforços, das escolas e oratórios que ele começou... Muita gente ainda vive dentro do império de amor que ele fundou. E como ela fez isso? Volto ao que disse no início, e concluo. Ela não temeu diante do ideal – e não temeu diante da morte do marido, não temeu perante a dureza do trabalho, nem perante o temperamento de nenhum de seus filhos, nem perante qualquer outra dificuldade – porque tudo fazia por Deus, e n’Ele se amparava. Ela tratava com Ele e, frequentando sempre a confissão, a comunhão e a oração diária, recebia ajuda sobrenatural para vencer aquilo que a natureza fraca não é capaz de vencer sozinha.
Façamos o mesmo, tratemos a todo momento com a fonte do amor, com o próprio Amor, que vai nos amparar, nos elevar em sua mão por sobre as nossas misérias. Sejamos assíduas na oração, na leitura das escrituras sagradas e também de outros livros espirituais, visitemos o Deus Vivo no sacrário, confessemos nossos pecados sem medo, frequentemos a sagrada comunhão – e, sobretudo, rezemos sem cessar, a todo momento, buscando a Deus em cada um dos instantes do nosso dia, em cada tarefa, em cada olhar, servindo-o em cada um dos nossos sorrisos.
Oh, “quem pode descrever o bem que faz a uma criança o sorriso da mãe? Ele infunde alegria e amor, é uma recordação suave do cumprimento dos próprios deveres, é um reflexo da alegria do paraíso que comove fazendo-os bons”. Como é grande, como é forte, como é poderoso o sorriso de uma mãe. O sorriso de uma mãe é capaz de fazer um santo, um santo que, mais tarde, vai fazê-la chorar – mas chorar de alegria. E saibam vocês, valentes, fortes, incansáveis mulheres, que essas lágrimas são um tesouro: “as lágrimas de alegria que um filho faz derramar nos olhos de uma mãe são mais preciosas diante de Deus do que todas as pérolas dos mares do Oriente...”.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos