O despertador toca e, naquele afã incontido de apenas terminar o que estávamos sonhando, apertamos o botão soneca – três vezes. Estamos esticados no sofá, numa tarde morna de sábado, e esperamos que passe alguém para pegar para nós um copo d’água, ou algo de comer... tudo, menos levantar. Ou então é um trabalho, que até poderia ficar um pouco melhor, mas “assim está bom”... Estas são as imagens clássicas, as situações mais comuns que nos vêm à memória quando o tema é preguiça. Mas será que é somente disso que se trata? Essas pequenas indisposições, esses pequenos atrasos ou adiamentos são graves a ponto de ganharem um lugar na lista dos sete vícios capitais? Ou então seriam eles, talvez, manifestações já muito decantadas, quase banais, de um problema mais grave, que se oculta na alma?
Como anunciei em artigo anterior, pretendo investigar detidamente como esses vícios se manifestam em nós, sobretudo nas crianças, e tentar compreender o seu sentido e o seu possível “tratamento”, donde virá o modo de auxiliar nossos filhos a combaterem suas más inclinações. Gostaria de refletir hoje sobre a preguiça, observando os estragos que ela pode causar em nossa alma e por que devemos estar sempre atentos a ela. Quero tentar discernir com clareza o que ela é, como ela se manifesta e de que forma ela opera em nossa vida. Diz o autor Francisco Faus:
“Existe uma definição muito simples de preguiça, com a qual é fácil concordar: a resistência ao esforço e ao sacrifício. Com efeito, o preguiçoso não tem um ideal de perfeição esforçada, mas de facilidade. Mais do que o bem, move-o a vantagem. Podendo seguir uma linha cômoda, não se esforçará por subir a encosta íngreme do aprimoramento, da perfeição. Será que percebemos o vírus oculto, que anda emboscado por trás dessas atitudes e comportamentos? É, nem mais nem menos, a fuga do ideal – da perfeição –, a deserção do amor. E essa constatação é importante para penetrarmos no âmago da preguiça como pecado capital.”
É como se esse vício se servisse de truques para se infiltrar em nossa rotina, muitas vezes de maneira despercebida. Ela se esconde, e nossa consciência tende a justificar seus efeitos. A preguiça, assim como os outros vícios capitais, não afeta todas as pessoas da mesma forma, então pode ser que, com pouco esforço e luta, consigamos melhorar e evitar cair neles; no entanto, devemos estar atentos para não nos considerarmos imunes, pensando coisas como: “Posso ter muitos defeitos, mas preguiçoso eu não sou!”, pois é justamente quando baixamos a guarda que somos surpreendidos. Estar em constante vigilância é essencial.
“Existe uma definição muito simples de preguiça, com a qual é fácil concordar: a resistência ao esforço e ao sacrifício”
Padre Francisco Faus
Como já explicitei anteriormente, nossos vícios e más inclinações não são senão desvios do nosso desejo natural pelo bem. Tudo o que fazemos em nossa vida é motivado pela busca do bem, mesmo que, às vezes, esse bem seja mal interpretado. Uma pessoa pode estar cometendo um erro gravíssimo – como o uso de drogas, o adultério ou o roubo – e ainda assim acreditar que está buscando algo que a beneficia de alguma forma. Isto porque, no fundo, todos nós agimos movidos pelo que consideramos um bem, mesmo que essa percepção esteja equivocada, enviesada pela sensação de uma fração mínima de tempo, sem avaliar consequências. Ignorando todo o resto, naquele átimo, o objeto do vício nos parece uma coisa boa.
O grande problema surge justamente nessa avaliação equivocada do bem. A realidade é que o verdadeiro bem é exigente. Ele nos desafia, nos faz sair da nossa zona de conforto e nos obriga a abrir mão de muitas coisas. Decidir seguir uma carreira desafiadora, como a medicina, por exemplo, implica em sacrifícios. Precisamos estudar intensamente, renunciar a momentos de lazer, sono e convivência social para alcançar esse objetivo. O mesmo ocorre em várias situações da vida. Um novo emprego que traz benefícios para a família pode exigir que deixemos de estar presentes em momentos importantes. E a maternidade, especialmente (e por razões bem profundas), é uma das missões mais exigentes que podemos ter, pois nos coloca em uma posição de constante doação e sacrifício. No entanto, essas exigências, embora árduas, nos aproximam de um bem maior, de implicações espirituais e eternas.
Ora, é justamente nesse cenário que a preguiça pode se instalar. Diante da exigência do bem, muitas vezes sentimos um torpor que nos paralisa. Podemos até reconhecer o bem que devemos fazer, mas, ao avaliar as complicações que isso trará, acabamos preferindo permanecer onde estamos. É a inclinação à preguiça que nos impede de agir, mesmo quando sabemos o que é correto.
A maternidade, e também a paternidade, são frequentemente vistas e propagandeadas como um desafio tão grande que algumas pessoas chegam a decidir não ter filhos para evitar as renúncias que isso exige. Preferem continuar com suas carreiras, suas viagens e sua “vida livre”. E a preguiça, nesse sentido, é muito mais do que o simples desejo de não se levantar do sofá, ou, aproveitando a imagem, é um não querer levantar-se do “sofá existencial”: é uma força que nos paralisa e nos impede de abraçar o bem maior.
No fundo, a alegria verdadeira só é alcançada quando conseguimos realizar o bem. Embora possamos encontrar prazeres momentâneos em coisas simples, como uma boa refeição ou uma viagem à praia, a verdadeira felicidade surge quando nos dedicamos ao bem mais profundo, aquele que nos exige esforço e superação. Quando fugimos dessas exigências, o que sentiremos, num lugar mais profundo, quando nos depararmos com nossa verdadeira condição espiritual, é uma tristeza, porque estamos frustrando o nosso verdadeiro propósito.
A preguiça se apresenta muitas vezes sob a forma de desculpas “nobres”. Por exemplo, quando escolhemos ficar com os filhos em um momento em que deveríamos estar trabalhando, justificamos essa atitude como sendo algo positivo. No entanto, isso não deixa de ser uma forma de preguiça, pois estamos evitando a responsabilidade que deveríamos cumprir. E essa escolha vai, do mesmo modo, trazer tristeza, porque estamos falhando em realizar aquilo que nos propusemos a fazer. Mais uma vez, é a avaliação concreta e atual de um bem: “Qual é o bem nesta exata situação?” é a pergunta que devemos nos fazer, e o “bem” significa o bem maior, o justo, o que é devido àquele momento.
E o mundo ao nosso redor também nos convida à preguiça. Ele desanima nosso desejo de atender às exigências do amor e das responsabilidades. A sociedade diz: “Não seja tão exigente consigo mesmo. Relaxe! Peça ajuda, realmente é difícil demais” – e, sem que percebamos, vem por baixo dessa frase o seu conteúdo subliminar: “Você é fraco, você não pode se superar”. E assim, a preguiça nos encoraja a cultivar um amor-próprio desordenado.
O amor-próprio, em si, não é ruim; pelo contrário, é necessário para fazermos coisas boas por nós mesmos. No entanto, quando esse amor é desordenado, ele nos leva a confundir o que é verdadeiramente bom. Nesse contexto, coisas como o sono, o descanso, o entretenimento e o apoio dos outros passam a ser colocadas em um lugar de importância exagerada, impedindo-nos de realizar o que realmente deveríamos estar fazendo.
Devemos aprender a fazer o que deve ser feito, sem nos rendermos à mediocridade. Uma vida cheia de sacrifícios e doação nunca nos esvazia; pelo contrário, é o que dá sentido à nossa existência
Quando cedemos à preguiça, ficamos presos na mediocridade, o que traz consigo tristeza e frustração. Há duas maneiras de nos situarmos diante da vida e de nossas responsabilidades. Podemos encarar nossas obrigações como uma missão grandiosa e digna de ser realizada, algo pelo qual vale a pena nos sacrificarmos, ou podemos adotar a postura do aproveitador, que busca apenas o prazer imediato e foge de compromissos mais profundos.
O preguiçoso tem falta de paixão pela vida. Para ele, tudo é cinza e sem graça; ele faz apenas o mínimo necessário para “cumprir tabela”. Sua maior característica é procurar sempre o caminho mais fácil e menos exigente, mesmo que isso signifique abrir mão de seus valores e da própria honra. Ele renuncia às alturas que poderia alcançar, e essa escolha o mantém preso à mediocridade, como um pássaro que tivesse os pés presos na lama.
Muitas vezes, o problema não está em pedir ajuda ou contar com o apoio de alguém, mas sim em usar esses recursos como substitutos para nossas próprias responsabilidades. O preguiçoso é aquele que, diante de uma nova solicitação, já pensa: “Eu não vou conseguir. Preciso de ajuda”. Por outro lado, a pessoa com o coração grande diz: “Deixa comigo, eu vou fazer”, não por se achar superior, mas porque reconhece que aquilo é sua responsabilidade. É claro que, quando chegar aos seus limites, ou mesmo depois de ultrapassar, o quanto possa, esses limites, é sinal de humildade pedir e aceitar ajudar.
Tudo isso está no cerne do problema com a mentalidade da “rede de apoio”. Qual é o propósito desse apoio? Estamos esperando que os outros façam aquilo que nós deveríamos fazer? Não podemos deixar que a preguiça tome conta de nós. Precisamos nos lançar com coragem nas situações que a vida nos exige. Por isso, devemos estar atentos para não sucumbir à “fraqueza no bem”. Muitas vezes, justificamos nossas ações dizendo que algo é difícil demais, que precisamos da televisão, de distrações ou de concessões indevidas para lidar com nossas responsabilidades. Mas essa é a voz da preguiça nos tentando a justificar nossa própria consciência. Não podemos ceder a isso.
O verdadeiro bem exige esforço e, se renunciamos a tudo o que poderíamos ser – como mães, esposas, amigas, enfim, como filhas de Deus –, estamos renunciando à nossa própria felicidade. O que nos desencanta na vida não são os fracassos ou as ambições insatisfeitas, mas sim os ideais abandonados. Quando desistimos de algo porque achamos que é difícil demais, estamos nos afastando do que realmente nos traria alegria – verdadeira alegria, perene, profunda, e não momentânea: bem absoluto, e não um bem relativo e passageiro.
A preguiça, então, por trás e no fundo de cada uma de nossas pequenas renúncias e adiamentos, de nossas pequenas esquivas e procrastinações, pode ser resumida como a frustração de um plano. Quando deixamos de fazer aquilo que deveríamos, estamos alimentando a preguiça em nossa vida. Se vivemos sem esforço, sem buscar algo além do mínimo, estamos nos destruindo gradativamente.
O combate à preguiça exige uma atitude firme e decidida. Devemos aprender a fazer o que deve ser feito, sem nos rendermos à mediocridade. Uma vida cheia de sacrifícios e doação nunca nos esvazia; pelo contrário, é o que dá sentido à nossa existência. E, para isso, aqueles pequenos desafios – o sofá, o botão soneca, o esmero nos detalhes – são um laboratório e um investimento na virtude. A verdadeira virtude não está nas circunstâncias em que nos encontramos, mas na intenção e no esforço que colocamos em nossas ações. Sacrifícios feitos sem amor e reclamações constantes não nos tornam virtuosos. Precisamos buscar o bem de maneira intencional, com esforço, para que nossas ações tenham um impacto positivo em nossa vida e na dos outros, ainda que nossas batalhas sejam aparentemente miúdas, cotidianas. É nelas que vamos crescer por dentro, e, sendo fiéis no pouco, poderemos ser fiéis no muito, no grande, no nosso profundo sim à nossa vocação. Se continuarmos a nos poupar em todas as coisas, o vazio só aumentará. Quando evitamos responsabilidades e nos recusamos a enfrentar o que a vida nos apresenta, perdemos a oportunidade de crescimento e nos condenamos a uma vida de frustração.
E, muito em breve, a preguiça tem diversas consequências. Uma delas é a pusilanimidade, a falta de firmeza em tomar decisões. O preguiçoso está sempre adiando suas escolhas porque tem medo das responsabilidades que vêm com elas. Além disso, a preguiça traz uma fraqueza moral que nos torna mais suscetíveis às tentações. Quando não estamos cumprindo nossos deveres, nossa vida desmorona aos poucos. Outro efeito da preguiça é a inconstância. O preguiçoso deseja aquilo que não tem, mas sente raiva do que tem, porque isso exige dele esforço. Ele quer mudar de emprego, de cidade, de vida, mas não está disposto a enfrentar as dificuldades que acompanham essas escolhas. Ele prefere fugir de suas responsabilidades.
Basta um gesto, um pequeno esforço na direção contrária, e teremos dado início à guerra contra a preguiça e pela realização de nossa vida
A preguiça é uma lama que prende nas nossas asas, que não deixa a nossa alma voar. E, nessa inércia, nessa estagnação, que aos olhos do preguiçoso parece desejável, vamos simplesmente perdendo o pouco tempo que temos, vamos perdendo a nossa vida. Lembro, novamente, as palavras do padre Faus:
“Uma grande parte da nossa vida se evapora em desejos irrealizados, porque a preguiça faz confundir o tempo propício com o tempo cômodo. Tempo propício, tempo oportuno, é o que Deus vai marcando. Quando Ele nos inspira um bom desejo, quando acende uma nova luz na alma, esse é o momento propício para começar – quanto antes –, porque é a hora da graça divina. Protelar o começo, à espera do momento mais cômodo, é matar oportunidades e garantir esterilidades.
“Só quando nos convencermos de que o ‘bom momento’ é quase sempre o ‘mau momento’ – aquele que a nossa preguiça julga mau – é que cumpriremos a Vontade de Deus e produziremos frutos. Com muita sensatez, São Gregório Magno sentenciava: ‘Quando não queremos fazer oportunamente as coisas que podemos, pouco depois, quando queremos, já não podemos mais’.
“Um relance em perspectiva para a parcela de vida que já gastamos talvez possa ajudar-nos a compreender a importância da prontidão na realização dos bons desejos. Um balanço do passado pode fazer-nos entender o perigo de que a vida vá ficando como um grande quarto de despejo, em cujas prateleiras se amontoam, como frascos quebrados, inúmeros bons desejos que a preguiça inutilizou.”
Mas nunca é tarde demais. Basta um gesto, um pequeno esforço na direção contrária, e teremos dado início à guerra contra a preguiça e pela realização de nossa vida – mas é preciso empreender este gesto, e isto, ao preguiçoso, pode parecer mover uma montanha. “Faz o que deves e está no que fazes” pode ser a nossa régua, e é também o melhor remédio contra a preguiça. Toda vez que frustramos essa máxima, estamos cedendo à preguiça; toda vez que tornamos a cumpri-la, é porque a vencemos.
Na próxima quinzena, avançaremos neste estudo dos vícios capitais e dos modos de combatê-los, dentro e fora de nós.
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