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Sergio Moro

Sergio Moro

Marco Civil da Internet

Juízes legisladores?

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Sessão do STF que continuou julgamento sobre o Marco Civil da Internet. (Foto: Fellipe Sampaio/STF)

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Atualmente senador, anteriormente juiz, sou o único que pode fazer uma piada com o cenário atual dos excessos no controle judicial de constitucionalidade. Digo a alguns interlocutores, em tom de brincadeira, que realizei o sonho de todo juiz e me tornei legislador, mas segui o caminho legítimo: deixei a toga e fui eleito. Assistindo, porém, ao julgamento do STF sobre o Marco Civil da Internet, com a afirmação da inconstitucionalidade parcial do artigo 19 da Lei 12.965/2014, a conclusão é de que nem todos sentem a necessidade de despir a toga e concorrer em eleições para legislar.

O STF, por ampla maioria, decidiu que a lei, aprovada 11 anos atrás sem maiores questionamentos sobre sua validade, teria de repente se tornado inconstitucional e que seria necessária uma regulação mais restritiva da liberdade de expressão nas redes sociais.

Pela regra legal, as plataformas digitais não respondem por danos decorrentes de postagens de terceiros, salvo se, notificadas judicialmente, não retirarem o seu conteúdo. A medida é importante para que as plataformas se tornem um ambiente propício à liberdade de manifestação pelo usuário, incluindo o debate público. A tese definida pelo julgamento ainda não está totalmente clara, mas é certo que a maioria do STF inclina-se no sentido de admitir a responsabilidade mesmo sem qualquer notificação em alguns casos e, em outros, após notificação extrajudicial. Na prática, as plataformas utilizarão mecanismos de filtro para coibir postagens controversas que possam gerar a sua responsabilização.

O STF está legislando sem restrições e, nesse caso, cometendo erros que cercearão o debate público e restringirão excessivamente a liberdade de expressão

Todos gostaríamos que o debate de assuntos públicos envolvesse apenas a verdade e que a ofensa fosse evitada. A realidade é que fazer essa exigência significa eleger um censor do que seria a verdade, do que seria falso e o que seria ou não ofensivo. Por isso o cuidado legislativo de condicionar a retirada de postagens a uma decisão judicial, o que impede que se torne fato corriqueiro. É certo que, excepcionalmente, cabe às plataformas retirar, por iniciativa própria ou por notificação extrajudicial, conteúdos manifestamente criminosos, envolvendo por exemplo golpes financeiros e pornografia infanto-juvenil. As exceções, porém, não infirmam a regra geral.

Apesar de existirem regras bem definidas, o STF resolveu que elas seriam insuficientes e as substituiu pela tese em formação. Falta à decisão a indicação de uma base constitucional sólida que permita a revisão judicial da lei. Não se sabe qual é a norma constitucional violada que autorizaria a conclusão alcançada, faltando melhor demonstração de que o julgado deriva de uma interpretação fundada no texto da Constituição.

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A impressão é de que o STF, provocado pelas críticas cada vez mais veementes contra sua jurisprudência e atuação recentes, resolveu restringir o debate público nas redes sociais, sobrepondo-se às leis aprovadas pelo Congresso. Não é de hoje que ao STF se recomenda prudência e moderação. O STF não pode atuar como uma supercasa legislativa e rever leis com base em juízos de oportunidade e conveniência. Está faltando a modéstia da autocontenção judicial. O justice Robert Jackson, da Suprema Corte norte-americana, disse, certa feita, em exercício de humildade, que “nós não damos a última palavra porque somos infalíveis; ao contrário, nós somos infalíveis somente porque damos a última palavra”. Sendo o tribunal de última instância, o STF tem o direito de errar por último e essa sua falibilidade deveria levá-lo a um exercício de autocontenção.

O julgamento sobre o Marco Civil da Internet escancarou que o STF está legislando sem restrições e, nesse caso, cometendo erros que cercearão o debate público e restringirão excessivamente a liberdade de expressão. Ultimamente, defende-se muito a restrição de liberdades a pretexto de proteger a democracia. O que se esquece é que não existe democracia sem liberdades.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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