Um dos grandes problemas do país é a impunidade. Com uma constância perturbadora, crimes graves ficam impunes em decorrência de legislação leniente e de jurisprudência generosa com criminosos. As medidas de endurecimento da lei enfrentam grande resistência entre os três poderes. Essa tendência aumentou sensivelmente no governo Lula e com a reação política à Operação Lava Jato.
Ilustrativamente, Lula vetou, recentemente, o fim das “saidinhas” dos presos do semiaberto, previsto na Lei 14.843/2023, o que exigiu deliberação do Congresso para derrubá-lo. Mas nada ilustra tão bem a ciranda da impunidade quanto as reviravoltas jurisprudenciais do STF em torno do início da execução da pena no processo penal. O STF, depois de decidir por três vezes, em 2016 e em 2018, que a prisão e a execução da pena poderiam ser iniciadas logo após uma condenação criminal proferida em segunda instância, ou seja, por um tribunal de apelação, a mesma corte, sem mudança significativa da composição, recuou e passou a entender, em julgamento de 2019, que somente após o trânsito em julgado – ou seja, o julgamento do último recurso – o condenado poderia ser preso. Milhares de condenados em segunda instância que estavam presos foram colocados em liberdade, em prejuízo das vítimas e da sociedade. O próprio Lula foi beneficiado na ocasião.
Pelo menos para os crimes graves contra a vida, teremos um incremento da efetividade do processo penal
Semana passada, surgiu uma luz na escuridão. O STF decidiu que, no caso dos processos do Tribunal do Júri, é constitucional a prisão para execução da pena logo após a condenação em primeira instância. Assim como acontece em países civilizados, como Estados Unidos e França, uma pessoa condenada pelo júri sairá presa do tribunal, sem a necessidade de esperar nem sequer o julgamento da apelação. O STF reputou constitucionais as alterações feitas no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019. A lei é resultado do projeto de lei anticrime que encaminhei ao Congresso como ministro da Justiça. Embora o projeto original tenha sido deturpado, essa parte relevante, da execução imediata das condenações do Tribunal do Júri, foi mantida.
A lei e a decisão do STF têm em consideração o princípio da soberania do júri e a impossibilidade da revisão no mérito das provas pelas instâncias recursais, elementos que justificariam a execução imediata das penas. O STF foi até além. A lei dizia que seriam executadas de imediato somente as penas iguais ou superiores a 15 anos; já o STF decidiu que a execução imediata independe da quantidade da pena. A bem da verdade, a decisão do STF está correta, e o limite quantitativo não estava no projeto original que encaminhei ao Congresso.
Sendo o Tribunal do Júri competente para julgar crimes contra a vida, como homicídio e feminicídio, teremos, pelo menos para esses crimes graves, um incremento da efetividade do processo penal. Condenados por assassinato irão direto para a prisão.
O precedente ainda releva a inconsistência do entendimento do STF de que a presunção de inocência exigiria o trânsito em julgado para o início da execução das penas. A presunção de inocência está relacionada à questão probatória e não tem qualquer relação histórica ou no Direito Comparado com efeitos de recursos no processo penal. Basicamente, significa que se precisa de prova categórica para condenação criminal. Relacioná-la a efeitos de recursos é uma construção jurisprudencial brasileira exótica e que compromete a efetividade da lei penal por gerar impunidade. Esperamos que um próximo passo possa ser a revisão do entendimento do STF para outros crimes, ou – o que é mais factível – que o Congresso possa alterar a lei para que a sentença e acórdão criminais das instâncias ordinárias possam ser executados pelo menos a partir da segunda instância. É pouco provável que isso ocorra em um governo Lula e sua política pró-crime, mas as coisas podem mudar.
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