Chegamos ao último episódio da nossa saga pra entender como o Reino de Portugal nasceu. Você pode conhecer os antecedentes desse batalha lendária na primeira coluna que escrevi nessa série: vimos como mãe e filho lutaram um contra o outro pelo condado de Portus Cale, vimos as relações tensas entre cristãos e muçulmanos, bem como as armas e armaduras dos guerreiros que estavam prestes a começar esse confronto épico.
Toda batalha precisa de estratégias bem definidas, mas no caso da Batalha de Ourique que aconteceu em 25 de julho de 1139 é difícil saber o que rolou ali exatamente. A gente não sabe nada sobre as estratégias e táticas usadas lá. Aliás, a gente nem sabe onde é o "lá" direito: o renomado professor Anthony Disney, na sua obra História de Portugal, diz que a Batalha de Ourique pode ter ocorrido na Extremadura, ou Baixo Alentejo, ou até mesmo na fronteira com Castela. Contudo, o “como foi” e “onde foi” não é tão relevante assim: o que é relevante é que a pancadaria rolou solta onde quer que tenha sido.
“O rei, com a ajuda do muito alto senhor e socorro do bem-aventurado apóstolo Santiago, cuja presença solene estava no campo Dourique, desbaratou 5 reis mouros, com uma multidão bárbara incontável, que daquém e dalém mar traziam para tudo destruírem.”
Vamos entender isso melhor agora: nós temos uma fonte primária contemporânea que fala da batalha. É a obra Vida de São Teotônio, escrita em latim na segunda metade do século XII e traduzida para o português no século XIV. E lá, o cronista diz o seguinte sobre essa batalha: “O rei, com a ajuda do muito alto senhor e socorro do bem-aventurado apóstolo Santiago, cuja presença solene estava no campo Dourique, desbaratou 5 reis mouros, com uma multidão bárbara incontável, que daquém e dalém mar traziam para tudo destruírem.” A crônica não diz quantos homens tinham de cada lado, ou quantos morreram na batalha. O que ela diz é que cinco reis mouros (ou muito possivelmente nobres) foram derrotados por Afonso Henriques e seus cavaleiros, e que os mouros tinham uma vantagem numérica muito maior sobre os cristãos. Dizem até que meu xará, o Santiago mata-mouros apareceu por lá infernizando o juízo dos sarracenos... Pode perguntar a qualquer português da época que eles vão dizer para você que foi isso aí mesmo.
Mas voltando para o aspecto mais mundano da história: outras crônicas de décadas seguintes, como as Crônicas de Lamego e de Coimbra, dizem que Afonso Henriques entrou no coração do território mouro e colocou o rei muçulmano Ismar pra correr. Agora o Prof. Disney mostra como essa batalha foi lendária; até demais: “Ourique pode ter sido parte de uma campanha de Reconquista ou apenas uma invasão. Seja como for, sua reputação cresceu rapidamente e ganhou uma importância simbólica muito grande.” Portanto, a gente nunca vai saber se Ourique foi uma super batalha épica mesmo ou não; mas, de um jeito ou de outro, o impacto geopolítico e simbólico que ela teve foi insuperável a curto e longo prazo. E isso, senhoras e senhores, era apenas o começo.
As fontes contam pra gente que depois da batalha Afonso Henriques teria sido aclamado Rei pelo próprio povo, embora o reconhecimento oficial só viesse mais tarde pela coroa de Aragão no Tratado de Zamora e pelo papa Alexandre III. Portanto, em 1139, no crepúsculo da Batalha de Ourique, nasce um ainda frágil mas determinado Reino: O Reino de Portugal. E dali para frente, os mouros foram só tomando na cabeça: a pressão vinha dos reinos espanhóis e agora de Portugal também. Aliás, Portugal foi o primeiro a colocar os sarracenos pra correr de uma vez por todas: apenas 100 anos depois do início da Reconquista, D. Afonso III toma a última cidade das mãos dos cruéis muçulmanos almóadas: a cidade de Faro, no Algarve.
Em 1249, as fronteiras de Portugal são estabelecidas e continuam as mesmas até hoje, colocando Portugal como o primeiro Estado-nação da Europa. Tudo isso por causa de um rei malcriado que encarou a própria mãe e com um punhado de homens resolveu encarar um multidão de sarracenos. Mas com 14 anos encarar a mãe com uma espada na mão é fácil, queria ver encarar a minha mãe com uma havaiana na mão nos anos 90: ele ia entregar o reino todo pra véia na hora.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião