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Azulejos de Jorge Colaço no Centro Cultural Rodrigues de Faria (Forjães, Esposende, Portugal), representando D. Afonso na Batalha de Ourique.
Azulejos de Jorge Colaço no Centro Cultural Rodrigues de Faria (Forjães, Esposende, Portugal), representando D. Afonso na Batalha de Ourique.| Foto: José Gonçalves/Wikicommons

Chegamos ao último episódio da nossa saga pra entender como o Reino de Portugal nasceu. Você pode conhecer os antecedentes desse batalha lendária na primeira coluna que escrevi nessa série: vimos como mãe e filho lutaram um contra o outro pelo condado de Portus Cale, vimos as relações tensas entre cristãos e muçulmanos, bem como as armas e armaduras dos guerreiros que estavam prestes a começar esse confronto épico.

Toda batalha precisa de estratégias bem definidas, mas no caso da Batalha de Ourique que aconteceu em 25 de julho de 1139 é difícil saber o que rolou ali exatamente. A gente não sabe nada sobre as estratégias e táticas usadas lá. Aliás, a gente nem sabe onde é o "lá" direito: o renomado professor Anthony Disney, na sua obra História de Portugal, diz que a Batalha de Ourique pode ter ocorrido na Extremadura, ou Baixo Alentejo, ou até mesmo na fronteira com Castela. Contudo, o “como foi” e “onde foi” não é tão relevante assim: o que é relevante é que a pancadaria rolou solta onde quer que tenha sido.

“O rei, com a ajuda do muito alto senhor e socorro do bem-aventurado apóstolo Santiago, cuja presença solene estava no campo Dourique, desbaratou 5 reis mouros, com uma multidão bárbara incontável, que daquém e dalém mar traziam para tudo destruírem.”

Vamos entender isso melhor agora: nós temos uma fonte primária contemporânea que fala da batalha. É a obra Vida de São Teotônio, escrita em latim na segunda metade do século XII e traduzida para o português no século XIV. E lá, o cronista diz o seguinte sobre essa batalha: “O rei, com a ajuda do muito alto senhor e socorro do bem-aventurado apóstolo Santiago, cuja presença solene estava no campo Dourique, desbaratou 5 reis mouros, com uma multidão bárbara incontável, que daquém e dalém mar traziam para tudo destruírem.” A crônica não diz quantos homens tinham de cada lado, ou quantos morreram na batalha. O que ela diz é que cinco reis mouros (ou muito possivelmente nobres) foram derrotados por Afonso Henriques e seus cavaleiros, e que os mouros tinham uma vantagem numérica muito maior sobre os cristãos. Dizem até que meu xará, o Santiago mata-mouros apareceu por lá infernizando o juízo dos sarracenos... Pode perguntar a qualquer português da época que eles vão dizer para você que foi isso aí mesmo.

Mas voltando para o aspecto mais mundano da história: outras crônicas de décadas seguintes, como as Crônicas de Lamego e de Coimbra, dizem que Afonso Henriques entrou no coração do território mouro e colocou o rei muçulmano Ismar pra correr. Agora o Prof. Disney mostra como essa batalha foi lendária; até demais: “Ourique pode ter sido parte de uma campanha de Reconquista ou apenas uma invasão. Seja como for, sua reputação cresceu rapidamente e ganhou uma importância simbólica muito grande.” Portanto, a gente nunca vai saber se Ourique foi uma super batalha épica mesmo ou não; mas, de um jeito ou de outro, o impacto geopolítico e simbólico que ela teve foi insuperável a curto e longo prazo. E isso, senhoras e senhores, era apenas o começo.

As fontes contam pra gente que depois da batalha Afonso Henriques teria sido aclamado Rei pelo próprio povo, embora o reconhecimento oficial só viesse mais tarde pela coroa de Aragão no Tratado de Zamora e pelo papa Alexandre III. Portanto, em 1139, no crepúsculo da Batalha de Ourique, nasce um ainda frágil mas determinado Reino: O Reino de Portugal. E dali para frente, os mouros foram só tomando na cabeça: a pressão vinha dos reinos espanhóis e agora de Portugal também. Aliás, Portugal foi o primeiro a colocar os sarracenos pra correr de uma vez por todas: apenas 100 anos depois do início da Reconquista, D. Afonso III toma a última cidade das mãos dos cruéis muçulmanos almóadas: a cidade de Faro, no Algarve.

Em 1249, as fronteiras de Portugal são estabelecidas e continuam as mesmas até hoje, colocando Portugal como o primeiro Estado-nação da Europa. Tudo isso por causa de um rei malcriado que encarou a própria mãe e com um punhado de homens resolveu encarar um multidão de sarracenos. Mas com 14 anos encarar a mãe com uma espada na mão é fácil, queria ver encarar a minha mãe com uma havaiana na mão nos anos 90: ele ia entregar o reino todo pra véia na hora.

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