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Thiago Braga

Thiago Braga

Entender a história da guerra é entender a história dos homens. Uma nova coluna todo domingo.

Distorção histórica

Afinal, os europeus medievais tomavam só um banho por ano?

Imagem retirada do manuscrito: "Valère Maxime, Ditos e Atos Memoráveis", por Simon de Hesdin e Nicolas de Gonesse (1450-1475). (Foto: Simon de Hesdin/Gallica/Wikimedia Commons)

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É uma zombaria coletiva com os medievais: na coluna anterior, vimos que TikTokers pelo Brasil inteiro inundam as redes sociais com vídeos sensacionalistas e desinformativos sobre a Idade Média.

Hoje, mostro para vocês essas calúnias em mais detalhes e como elas são desrespeitosas com a vida das pessoas comuns daquela época: não se trata de erros de datas, equívocos de nomes e lugares que todos os vídeos podem contar: se trata de uma distorção generalizada (intencionalmente ou não) do que foi a vida na Idade Média.

Começando pela mentira das mentiras: “os europeus medievais tomavam banho, em média, apenas uma vez por ano”.

Não pergunte de onde eles tiraram essas informações porque eles não só não dizem em seus vídeos, mas é do tipo de informação que você não encontraria nem na Wikipedia. Mas há pelo menos 100 anos, essa “bizarrice” tem sido denunciada por quem entende de verdade do assunto.

Até mesmo autores que tem uma visão mais crítica sobre a Idade Média, como Jacques Le Goff em sua clássica obra “A Civilização Do Ocidente Medieval”, a partir da página 344, reconhece que apesar das constantes penitências que a vida monástica aplicava ao corpo, a sujeira sendo uma dessas penitências, a Igreja também fornecia literatura de cuidado com o corpo e alimentação.

O historiador mostra que o ideal cavaleiresco, tão influente à época, ia na direção contrária das penitências monásticas: exaltava a aparência e o cuidado com o corpo. Assim, o autor conclui que a higiene progrediu ao longo da Idade Média.

Portanto, tirando de contexto as intenções religiosas em aplicar penitência ao próprio corpo, muitos fazem generalizações absurdas de que assim era a vida comum de todos os europeus ao longo de mil anos de Idade Média. Mas a falta de banho, pregada pelos monges, era por si só um castigo ao próprio corpo, caso contrário, não seria uma penitência.

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Mesmo nestes casos, vemos que não se tratava de uma desconsideração com a higiene, era uma punição religiosa para se aproximar de Deus

O professor Paul Newman, renomado medievalista na sua obra “Daily Life in the Middle Ages” (Dia-a-Dia na Idade Média), derruba esse mito. Na página 153, ele mostra toda a dificuldade que envolvia tomar banho naquela época, e que, mesmo assim, os europeus se esforçavam em estar limpos e tomavam banho regularmente, e que “as dificuldades de preparar um banho e a prática do banho semanal não são exclusivas da Idade Média.”

Por isso, o professor conclui na página 152 que “as pessoas na Idade Média não evitavam tomar banhos. Os manuais de saúde exaltavam rotineiramente os benefícios do banho, especialmente em água morna e relaxante. Esse conselho não se limitava a adultos. Alguns textos médicos também afirmavam que bebês deveriam tomar banho pelo menos uma vez por dia. E alguns até recomendavam três.”

Além disso, o professor mostra também que era comum para a maioria das pessoas tomar banhos nas chamadas casas de banho públicas. Inclusive, era um local onde acontecia atividade social entre as pessoas e se tornaram muito famosas, principalmente a partir do século XII.

Mito do ‘banho uma vez por ano’ derrubado; mas e aquela história do buquê de flores nos casamentos para esconder o cheirinho ruim das noivas? Na próxima coluna, mas um mito medieval será lavado aqui.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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