O culto ao “pai-amigo”: protetor dos norte-coreanos

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É até difícil de acreditar que exista algo assim... Em 2024? O clipe começa com crianças soltando “pombos” felizes. Na cena seguinte três mulheres correm em direção a câmera, sorrindo, cada uma com o rosto virado aleatoriamente para um lado. Em outra cena operários pulam de alegria em uma fábrica, e até militares choram copiosamente ao abraçarem Kim Kong-Un: “o nosso pai-amigo.”

Esse é o tema de uma vergonha, em forma de clipe musical, lançado há poucos meses na Coreia do Norte. O culto a personalidade de Kim Il-Sung está On, senhoras e senhores.

Quando vi esse clipe ele ocupou um dos primeiros lugares entre as coisas mais vergonhosas que já tive o desprazer de ver. Fiz até um vídeo no Brasão de Armas para desabafar com meu público e mostrar como as mídias podem ser usadas para (tentar) validar ditaduras, nesse caso, “socialista”. Pelo menos é isso que Kim il-Sung, o avô de Kim Jong-Un, disse sobre o regime dele - criado pela USSR.

A impressão clara que fica é que são um monte de marionetes, com o cérebro lavado e financiados pelo governo, para mostrar ao mundo o que o país não é

Não é novidade que a Coreia do Norte é um dos países mais fechados do mundo: quando falamos fechados não é apenas para visitação. Muitos conseguem visitar o país, mas tem que seguir o roteiro e visitar os lugares permitidos apenas pelo governo. Mas o pior é outro tipo de “fechamento”. O fechamento contra a exposição do que é o regime comunista norte-coreano de verdade.

Desde o final da Guerra da Coreia (iniciada decisivamente pela invasão da Coreia do Norte ao Sul) e a devastação que ela trouxe (principalmente contra o Norte), o governo norte coreano passou a adotar uma atitude de isolamento, até mesmo de sua maior aliada criadora do regime: a USSR.

Por isso, tudo de terrível daquele regime - que vemos em estudos especializados ou denúncias jornalísticas e de organizações de direitos humanos - podem e devem ser muito piores do que os relatórios apontam. Por exemplo, no caso da Global Slavery Index, uma das maiores organizações globais de combate a escravidão moderna. Ela aponta, em seu último relatório, que a Coreia do Norte é o país número 1 do mundo onde alguma forma de escravização moderna acontece: a cada mil habitantes, mais de 104 sofrem alguma forma de escravização. Além disso, um relatório de 2023 da Anistia Internacional mostra que mais de 40% do povo norte-coreano vive abaixo da pobreza.

Enquanto isso, o Norte continua fechando cada vez mais suas fronteiras, construindo até mesmo muros para impedir a fuga de seus cidadãos para o Sul, em uma literal prisão a céu aberto.

Todas as evidências apontam que essa é a verdadeira realidade do povo norte-coreano, não aqueles privilegiados que receberam a permissão de morar onde o mundo pode ver. Quem sofre são os que estão longe dos holofotes, sem nem mesmo o direito de terem sua situação desumana conhecida verdadeiramente pelo mundo.

Mas não tema, a Coreia do Norte tem um clipe musical onde todos os milhões de cidadãos, que passam fome todos os dias, podem assistir e ficarão alimentados pela glória e cuidado de seu “pai-amigo” de bochechas rosadas... O que poderia dar errado? E se você discorda, você é apenas um “liberal capitalista de extrema-direita.”

Thiago Braga

Thiago Braga tem dupla licenciatura em Literatura e História; é especialista em Ciências Humanas: história, filosofia e sociologia pela PUCRS, e Língua e Literatura Inglesa pela PUC Rio. Ele também é youtuber e criador dos canais de divulgação científica “Brasão de Armas” e “Impérios AD”. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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