
Ouça este conteúdo
Há alguns meses, escrevi uma coluna aqui na Gazeta em que expus as estranhas posturas de Donald Trump em relação à guerra russo-ucraniana, de um ponto de vista histórico. A coluna foi relativamente criticada por trumpistas; entretanto, os eventos recentes mostram que meu texto envelheceu bem.
A agência de notícias Reuters teve acesso a um documento sigiloso em que Estados Unidos e Rússia negociaram secretamente os pontos para o encerramento do conflito. É desnecessário dizer que o documento favorecia explicitamente a Rússia, pois foi esboçado pela própria Rússia: nele, todo o leste da Ucrânia já invadido e dominado pela Rússia faria parte da Federação Russa, juntamente com a Crimeia, já invadida e anexada em 2014.
Além disso, a Ucrânia não poderia entrar para a OTAN e teria seu efetivo militar drasticamente reduzido de 1 milhão de soldados para cerca de 600 mil. Por fim, novas eleições deveriam ser feitas, o que certamente seria um excelente momento para interferência russa na já fragilizada Ucrânia.
Os que estão mais atentos ao conflito verão que são virtualmente as mesmas demandas de Putin desde o início da guerra. Para completar o vexame, foi vazada uma conversa entre Steve Witkoff aconselhando um oficial russo ligado ao Kremlin sobre como ele deveria bajular Trump para conseguir o acordo.
VEJA TAMBÉM:
Em outras palavras, esses vazamentos são atos vergonhosos que escancaram os planos secretos das duas potências pelas costas do país invadido, sob o falso pretexto de paz
Qualquer um que estude minimamente a história soviética — e agora sua herdeira nas mãos de Putin — sabe a terrível quebra diplomática histórica que esse acordo representa. A Ucrânia se libertou de décadas de terror soviético perpetrado por Moscou, com apoio americano, para novamente ter sua soberania e seu território arrasados e tomados pela Rússia.
Não fosse esse acordo descoberto a tempo, ele seria passado ao público como uma negociação honesta nos “melhores interesses da paz”. As bravatas de Trump sobre a Ucrânia atacar a Rússia após aquela reunião com tapete vermelho para Putin nada mais eram do que isso: bravatas para esconder os acordos secretos que estavam sendo feitos entre eles; uma cortina de fumaça que foi dissipada como efeito da boa e velha democracia, em que quase tudo vaza de uma maneira ou de outra — para o bem (como nesse caso) ou para o mal.
Os EUA não são obrigados a ajudar a Ucrânia, mas Trump tem interesses pessoais nessa guerra. Assim como fez com o conflito em Gaza, incomparavelmente menos complexo e de muito mais fácil resolução, ele quer os créditos por ter trazido a paz ao leste europeu; quem sabe o sonhado Nobel da Paz não venha se ele conseguir?
Para isso, está disposto a conspirar com o agressor, recompensá-lo com a vitória e entregar tudo que ele exige! Mas, para uma rendição nesses termos, Trump não é necessário.
O próprio Zelensky, em pessoa, poderia fazer isso por conta própria: ele perderia 20% da Ucrânia, mas quem sabe não ganharia o Prêmio Nobel da Paz como o presidente que teve seu país invadido e destruído e que, apesar de perder 20% do território soberano, ainda assim buscou a paz com o inimigo.
Aliás, Xi, se você quer pegar Twain... aproveite as sojas do Trump!





