André Valadão é pastor evangélico e tem 5,9 milhões de seguidores no Instagram. Está à frente da Convenção Batista da Lagoinha, que emula o fenômeno americano das megachurches – o próprio Valadão, se entendi bem, está baseado em Orlando. E, nesta semana, ele se tornou notícia nacional por causa de uma pregação que ele mesmo publicou nos seus perfis, supostamente aconselhando os fiéis a não enviar os filhos à faculdade. Como já vi muitos sites publicando trechos recortados da fala de Valadão, convido o leitor a ver diretamente no perfil do pastor o vídeo publicado por ele – que já é uma edição, não é a pregação toda; mas é uma edição feita por ele mesmo, ou seja, com todo o recado que ele gostaria de mandar. Está no X (ex-Twitter) também:
De imediato, tem uma pequena nuance aqui: ele não diz simplesmente que nenhum pai deve mandar o filho para a faculdade, mas que não devem fazê-lo se julgarem que a salvação do filho estará em risco. Atenua um pouquinho (bem pouquinho), mas ainda assim não deixa de ser um conselho bastante controverso. E não ajuda absolutamente nada que muitas das respostas que Valadão recebeu na internet estejam tão cheias de ódio antirreligioso que acabem reforçando o argumento do pastor. Por isso, vou recorrer ao comentário muito certeiro de outro evangélico, o teólogo Victor Fontana, antes de fazer meus próprios comentários. Vale a pena assistir inteiro:
A pergunta central, no fim das contas, é: faculdade faz o cristão perder a fé? Temos dois aspectos aí: o primeiro é moral: o ambiente universitário tem uma oferta maior de, digamos, tentações – Fontana, inclusive, lembra que nos EUA, onde Valadão está, a coisa é ainda mais complicada, com suas fraternidades, sororidades e spring breaks, mas o Brasil não fica tão atrás. De qualquer forma, isso não interessa para a nossa coluna; o que interessa é o segundo aspecto, o intelectual: o temor de que o jovem cristão tenha contato com ideias, teorias e doutrinas que abalem sua crença. Esse tipo de temor está mais dirigido às ciências exatas, como se alguém, ao estudar Física, Química e (especialmente) Biologia, começasse a questionar a sua fé, a Bíblia, o que for, e acabasse se juntando às fileiras do ateísmo militante – que, aliás, adora incentivar esse temor ao dizer que a ciência torna Deus irrelevante.
O efeito do ensino superior sobre a religiosidade das pessoas é uma questão instigante e, obviamente, já foi alvo de estudos, alguns dos quais comentei aqui na coluna. Em 2009, por exemplo, pesquisadores da Universidade de Michigan concluíram que os cursos de ciências exatas e biológicas tinham pouquíssimo efeito negativo sobre os universitários em termos de importância dada à religião e frequência a cultos religiosos – o estrago, mesmo, vinha dos cursos de humanas e sociais, o que é compreensível devido à prevalência de ideias que negam a existência de verdades universais e objetivas, enquanto as exatas costumam refutar esse tipo de noção, por motivos óbvios: as constantes físicas não estão sujeitas a ideologia.
Mas e o cientificismo naturalista? Sim, ele é um perigo para quem não está devidamente precavido contra ele, mas aqui temos outro dado interessante, desta vez levantado pela pesquisadora Elaine Ecklund, que tem um trabalho monumental sobre as convicções religiosas (ou a ausência delas) dos cientistas. Em uma de suas pesquisas, ela percebeu que, como regra geral (há exceções, obviamente), cientistas ateus ou que perderam a fé em algum momento durante ou depois da faculdade já vinham de famílias onde a religião não era importante. Por outro lado, aqueles cientistas que cresceram em famílias que davam valor à fé costumavam manter suas crenças inabaladas, e os que chegaram a ter crises de fé as tiveram antes da faculdade, durante a adolescência. A única nuance que Ecklund encontrou em cientistas oriundos de famílias religiosas foi uma moderação de visões teológicas no caso de quem cresceu em lares mais fundamentalistas – por exemplo, quem era aferrado a uma leitura extremamente literal da Bíblia continuou a ser cristão, mas foi lapidando sua forma de interpretar a Escritura.
Pais, formem bem seus filhos, deem-lhes bons critérios morais, ensinem a eles desde cedo a escapar das armadilhas do relativismo e mostrem que a ciência não pode “desmentir” a fé
Disso tudo, o que concluímos é que uma boa preparação da criança e do adolescente para a vida adulta – o que inclui a passagem pelo ensino superior, para quem tiver essa oportunidade – é mais que meio caminho andado para que, em vez de termos um jovem que será presa fácil das porralouquices e das doutrinas nada sãs, tenhamos um jovem capaz de ser sal da terra e luz do mundo, dando testemunho de sua fé em um ambiente que precisa desesperadamente disso. Claro, a experiência de cada universitário é única e individual, e nada substitui o livre arbítrio – conheço católicos devotos que, na faculdade, jogaram tudo pro alto e abraçaram o identitarismo antirreligioso; mas também sei de gente que descobriu ou redescobriu a fé justamente na universidade. Essas, no entanto, parecem ser exceções ao padrão que vem aparecendo nas pesquisas com universitários; um amigo ainda me chamou a atenção para o trabalho de Christian Smith, que também estuda a religiosidade de crianças e adolescentes e concluiu que o principal fator para que elas mantenham a fé é a boa influência familiar.
Então, pais, formem bem seus filhos, deem-lhes bons critérios morais, ensinem a eles desde cedo a escapar das armadilhas do relativismo e mostrem que a ciência não pode “desmentir” a fé, pois Deus é o autor tanto da Revelação quanto da natureza. E recursos pra isso não faltam: o Instituto Faraday, da Universidade de Cambridge, tem materiais e coleções para crianças, pré-adolescentes e adolescentes. A fundação BioLogos tem conteúdo tanto para uso em escolas quanto em grupos de jovens em igrejas. E reze – nisso, sim, Valadão está totalmente certo –, reze muito e sempre. A “opção beneditina” pode parecer muito tentadora (e eu mesmo gosto do livro, acho muito instigante), mas ainda sou mais a “opção Escrivá”.
Papa Francisco recorda legado de Georges Lemaître e incentiva cientistas
Terminou ontem, em Castel Gandolfo, uma conferência organizada pelo Observatório Vaticano sobre “Buracos negros, ondas gravitacionais e singularidades espaço-tempo”, em homenagem a Georges Lemaître, o padre-cientista belga que foi o pioneiro da teoria do Big Bang. O papa Francisco recebeu os participantes do congresso na quinta-feira e, em seu discurso, recordou a biografia de Lemaître e como ele passou de um “concordismo” inicial para uma abordagem bem mais madura, percebendo que “ciência e fé são dois caminhos distintos e paralelos, que não estão em conflito. De fato, ambos os caminhos se mostram harmônicos, já que, para o crente, ciência e fé têm sua base na Verdade absoluta de Deus”.
Francisco ainda disse que a Igreja “segue e encoraja” discussões como as ocorridas no congresso, “porque elas estimulam o interesse e o pensamento do homem e mulher modernos. A origem do universo, sua evolução e a estrutura do espaço e do tempo levantam uma série de perguntas sérias sobre o sentido da vida. Eles também abrem diante de nós um cenário enorme, no qual é fácil se perder. Neste sentido, podemos lembrar a relevância da exclamação do salmista: “Quando contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: ‘Que é o homem – digo-me então –, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles?’ Entretanto, vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória e honra o coroastes” (Sl 8, 4-6).
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