A disputa por território na divisa entre os estados de Piauí e Ceará está prestes a ter um desfecho no Supremo Tribunal Federal (STF) após quase 300 anos de impasse. A polêmica está em torno de aproximadamente 3 mil quilômetros quadrados que têm origem em demarcações territoriais durante os períodos colonial e imperial brasileiros.
Desde 1758 se sucedem tentativas de conciliação, todas sem sucesso. Em 1880, um decreto imperial tentou resolver o impasse e não prosperou. A partir de então, as tentativas de mediação foram se renovando, até que em agosto de 2011 a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Piauí levou o imbróglio ao STF.
O Ceará, com quem está a área onde vivem cerca de 25 mil pessoas, baseia sua reivindicação em leis e decretos imperiais, alegando posse histórica da região e defendendo a preservação dos limites municipais e divisa estadual. Trata-se de 13 municípios que são reivindicados pelo Piauí, que contesta a validade dos documentos utilizados pelo Ceará e argumenta que a área em litígio sempre fez parte do seu território, amparado por mapas e registros da época.
Com laudo pericial do Exército, o STF está prestes a julgar o caso, apesar de ainda não haver uma data anunciada. A decisão pode se tornar um marco histórico de alteração no mapa e na geografia do Brasil.
A relatora da Ação Civil Originária (ACO) 1831 é a ministra Cármem Lúcia. Ela havia solicitado, em 2019, que o Exército realizasse uma perícia técnica indicando a quem de fato pertence o território. A pandemia de Covid-19 e problemas orçamentários fizeram com que os estudos fossem feitos apenas no ano passado. Esse documento, que está na iminência de ser apresentado à Cármen Lúcia, é tido como fundamental para que a ministra apresente manifestação quanto à disputa de território entre Piauí e Ceará.
Como a ACO 1831 trata de conflito federativo, envolvendo estados, o relatório será submetido pela ministra ao plenário do STF. Outros casos similares que chegaram no Supremo englobam a ACO 347, que envolveu demarcações territoriais entre Bahia, Goiás, Tocantins e Piauí; a ACO 714, sobre disputas territoriais entre Mato Grosso e Pará; e a ACO 444, sobre royalties do petróleo entre Paraná e Santa Catarina.
Piauí ou Ceará: de quem é o direito de ser dono?
Em audiência pública realizada no fim do ano passado na Assembleia Legislativa do Piauí, o deputado estadual Hélio Isaías (PT) afirmava a expectativa de que o processo avançasse até julho deste ano. Para outro parlamentar, Gil Carlos (PT), a questão é relevante ao Piauí tanto pela defesa de território quanto para potenciais ligados à economia, como o agronegócio, o turismo, as energias renováveis e mineração.
Na mesma audiência pública que tratou da disputa de território entre Piauí e Ceará, o procurador-geral do estado, Lívio Carvalho, disse que a ação está bem fundamentada, tendo o Piauí usado como base um decreto imperial que é válido e define a Serra da Ibiapaba - o centro da disputa - como divisor natural dos dois estados. "Toda petição é baseada nele e no convênio arbitral que foi realizado ainda em 1920”, afirmou.
Em 2010, o então governador piauiense, Wilson Martins, havia tentado acordo com o governador do Ceará da época, Cid Gomes, mas não houve consenso. Martins justificou que foram exauridas as condições para se fazer um acordo amigável, levando então a PGE a ingressar com ação no STF em agosto de 2011. O ex-governador defende que são “terras do Piauí ocupadas pelo Ceará”. A reportagem da Gazeta do Povo buscou posicionamento do atual governo do estado, mas não obteve retorno sobre as expectativas para definições a respeito do litígio.
A disputa pela região extrapola aspectos territoriais e engloba questões econômicas e culturais. A região concentra um Produto Interno Bruto (PIB) superior a R$ 7 bilhões. Por lá, existem em torno de 300 torres de energia eólica e a área é próspera em minérios, com jazidas de ouro, manganês e diamantes.
Cidades em disputa de território entre Piauí e Ceará
- Poranga
- Croatá
- Tianguá
- Guaraciaba do Norte
- Ipueiras
- Carnaubal
- Ubajara
- Ibiapina
- São Benedito
- Ipaporanga
- Crateús
- Viçosa do Ceará
- Granja
Ceará diz que nove em cada 10 moradores prefere continuar sendo cearense
À Gazeta do Povo, a Procuradoria-Geral do Ceará afirmou que uma consulta pública feita neste ano mostrou que a ampla maioria dos moradores locais preferem seguir sendo cearenses. “Estudos apresentados pelo governo do Ceará em fevereiro de 2024 mostram que quase nove em cada 10 pessoas — somando percentual de 87,5% — que vivem na área em disputa declaram preferência por pertencer ao Ceará, caso seja preciso escolher”, descreveu.
A PGE cearense argumentou ainda que a região em litígio é um território no qual estão pessoas profundamente identificadas em cultura, laços sociais e econômicos com o Ceará. “Entendemos que respeitar a identidade dessas pessoas é respeitar a dignidade humana. A população daquela área é também composta de indígenas e quilombolas que se identificam regionalmente com o estado do Ceará e entendemos que essas populações precisam ter suas tradições e raízes históricas preservadas”, defendeu.
O órgão do Ceará também elencou que existem ali escolas, unidades de saúde, Unidades de Conservação (UCs), assentamentos rurais e quilombolas, terras indígenas e sítios arqueológicos com 383 bens integrados historicamente ao Ceará, todos localizados no trecho em disputa. “Além disso, serviços de saneamento e energia elétrica são fornecidos por empresas concessionárias situadas no estado do Ceará (...) É preciso ressaltar que a defesa do estado do Ceará na Ação Cível Originária baseia-se também na análise técnica de documentos e mapas históricos que comprovam a posse do território ao Ceará. Esse argumento, aliado ao pertencimento, foi apresentado ao STF e ao Exército Brasileiro”, descreveu.
O governo do Ceará entregou ao STF e ao Exército 26 mapas que, segundo o estado, atestam a posse histórica das terras. “Destacamos entre eles: mapa do Piauí de 1809 que corrigiu o mapa de Gallucio de 1761 e os mapas municipais dos censos demográficos do IBGE dos anos de 2000, 2010 e 2022. Toda essa defesa em conjunto atesta a posse do território em disputa ao estado do Ceará”.
Questionado se o estado iria para uma nova mesa de negociações, caso fosse esse o entendimento da ministra do STF, o Executivo estadual afirmou que sempre esteve e segue disposto a conciliar e que, em 2012 e 2013, com a colaboração do governo federal e Advocacia-Geral da União (AGU), houve uma nova tentativa pela qual ficou acertado, por ambas as partes, a realização de um estudo técnico que seria conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com critérios predefinidos e acordados.
Então, o IBGE apresentou um relatório técnico que apontava, segundo o estado do Ceará, pouca mudança na atual divisa. “O documento atesta, inclusive, o pertencimento da população da área de litígio com o estado do Ceará. No entanto, no dia 20 de junho de 2013, o estado do Piauí, autor da ação, apresentou petição solicitando o encerramento das tratativas em razão do resultado dos estudos”, afirmou.
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