Kevin Spacey quer "voltar a atuar em tempo integral". É isso que o vencedor de dois Oscars contou recentemente ao jornalista britânico Piers Morgan durante uma conversa de uma hora e meia em seu canal no YouTube, Piers Morgan Uncensored. Na ocasião, ele comentou as alegações de abuso sexual que interromperam sua carreira, a sentença que o declarou inocente em uma corte criminal inglesa ano passado e o novo documentário Kevin Spacey: a história não contada (disponível no Max), que detalha alegações isoladas de condutas sexuais inapropriadas.
Independentemente de onde esses desafios o levarão, o ator está em um processo de tentar recuperar sua imagem e sua carreira. Tanto que está no longa recém-lançado no streaming nos Estados Unidos Peter Five Eight, ainda não disponível no Brasil. É o primeiro projeto americano de Spacey em sete anos.
As tribulações de Kevin Spacey começaram em 2017, um pouco depois que as investigações do The New York Times e da The New Yorker sobre Harvey Weinstein foram publicadas (para quem não se lembra, Weinstein era um dos mais importantes produtores de cinema de Hollywood, acusado de agressão sexual por diversas mulheres, que deram início ao movimento #MeToo. Ele foi condenado por estupro em 2022). Uma semana depois, o ator Anthony Rapp contou ao site Buzzfeed que Spacey se insinuou sexualmente para ele em uma festa. À época, Rapp tinha 14 anos e Spacey, 26.
Em vez de negar completamente as acusações, Spacey fez um pronunciamento público dizendo que estava "escandalizado" com a declaração de Rapp e que, embora não tenha memória do evento alegado, se de fato aconteceu, ele sentia muito pelo que seria "um comportamento causado por embriaguez profundamente inapropriado". Depois de anos de encontros casuais com homens, na mesma ocasião ele anunciou: "Agora escolhi viver como um homem gay".
Isso obviamente não foi bem recebido. E mais tarde, no julgamento do caso Rapp, Spacey disse: "Eu aprendi a lição, que é a de nunca se desculpar por algo que você não fez. Eu lamento toda a minha declaração".
Logo após as alegações de Rapp, outros homens apareceram com reivindicações semelhantes de que teriam recebido insinuações sexuais indesejadas de Spacey. A Netflix demitiu Spacey de House of Cards, a famosa série que ele estrelava. Seu agente e relações públicas o dispensou. E o papel principal no filme Todo o Dinheiro do Mundo, de Ridley Scott, que ele já tinha terminado de gravar, foi tirado e refilmado com Christopher Plummer.
Em Hollywood, Spacey era persona non grata. Mas seus problemas não acabaram aqui. As alegações continuaram chegando, algumas se convertendo em acusações criminais graves. No entanto, apesar de várias investigações, processos e julgamentos de alegações de abuso sexual, até agora, Spacey não foi condenado por nenhum crime.
O caso Rapp resultou em uma ação civil rejeitada por falta de provas e Anthony Rapp foi condenado a pagar U$ 40 mil de indenização a Spacey. Em 2018, Kevin Spacey enfrentou mais uma acusação, esta de importunação sexual e lesão corporal do filho de 18 anos de um antigo âncora de jornal de Boston, mas o caso desmoronou depois que a família do menino recusou depor a respeito de um celular perdido, solicitado pelos advogados de Spacey como prova da defesa.
Ano passado, um júri inglês decretou que Spacey era inocente de nove processos de agressão sexual, envolvendo quatro homens, que supostamente aconteceram entre 2005 e 2013, quando era diretor artístico do teatro The Old Vic em Londres.
"Sou imensamente grato ao júri por dedicar tempo para examinar cuidadosamente todas as provas e todos os fatos antes de tomar sua decisão", declarou o ator à imprensa, depois que sua absolvição foi anunciada.
Os desafios "pós-MeToo"
Spacey pode ter vencido a batalha legal, mas, no cenário "pós-MeToo" (o movimento desencadeado após as denúncias contra Harvey Weinstein, que levou atrizes e atores a revelar ao público abusos sofridos por figuras importantes da indústria de Hollywood), a corte da opinião pública ainda apresenta muitos desafios.
Em maio, a rede de televisão britânica Channel 4 lançou o documentário Spacey Unmasked (no Brasil intitulado Kevin Spacey: a história não contada). O documentário não inclui entrevistas do julgamento criminal de 2023. Em vez disso, apresenta outros dez homens que alegam terem sido vítimas de comportamento sexual inadequado por parte de Spacey.
O ator reclama que o Channel 4 deu a ele apenas sete dias de aviso para responder a "alegações anônimas e não específicas". Sem a perspectiva de Spacey, o documentário é uma condenação unilateral do ator como um "monstro de olhos frios".
Um homem entrevistado, colega de Spacey no colégio, alega que quando os dois tinham 16 ou 17 anos - portanto 50 anos atrás - Spacey colocou a mão em sua virilha enquanto dirigia (predador à espreita ou brincadeira de adolescentes?). Outro homem diz que ele teve sexo oral com Spacey, apesar de ser heterossexual, porque acreditou que isso era necessário para dar certo em Hollywood. Aqui, é possível indagar: quem estava explorando quem?
O problema com o #MeToo é que às vezes ele ignora um fato simples da natureza humana. Que algumas pessoas tentam usar o sexo para conseguir o que querem (sucesso), enquanto outras tentam usar o sucesso para conseguir o que querem (sexo). Você pode achar essas trocas repugnantes ou imorais, e talvez você esteja certo, mas a não ser que haja coerção - isto é, persistência após o consentimento ter sido negado ou interrompido, ou ameaças, ou punição concreta por recusar o ato sexual - então, entre adultos, a responsabilidade é até certo ponto dividida.
Na entrevista a Piers Morgan, Kevin Spacey admitiu que foi "muito mão-boba" no passado. No entanto, afirma que não era agressivo em suas investidas: "Você está dando em cima de alguém, você não quer ser agressivo. Você quer ser gentil. Você quer ver se vão reagir positivamente". Desde então, o ator diz ter entendido que "o primeiro passo não precisa ser físico". E garante que aprendeu com seus erros, afirmando que, agora, seu objetivo é provar que é um "homem de caráter".
Às vezes aqueles que são "cancelados" não fizeram nada de errado. Em outros casos, as pessoas que foram repreendidas ou punidas por comportamento violento merecem tudo aquilo que receberam. Ainda em outros, eles cometeram erros, mas a punição que enfrentam como resultado é excessiva. Antes do #MeToo, nós confiávamos em ideias provadas pelo tempo: presunção de inocência, devido processo legal e proporcionalidade. E acrescento à lista: clemência ou reabilitação.
Até agora, a acusação mais grave contra Spacey não se sustentou no tribunal, isso é tudo que podemos ter certeza. Além disso, se é de punição que as pessoas estão com sede, ele enfrentou várias. E parece que saiu disso humilde e arrependido.
© 2024 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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