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Os investimentos em infraestrutura devem continuar seguindo a trajetória de crescimento iniciada em 2020, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A consultoria Inter.B, especializada no setor, projeta que neste ano serão aplicados R$ 204,6 bilhões, ou 1,94% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, na soma dos desembolsos feitos pelo setor público e a iniciativa privada.Se confirmado, o valor representará um aumento de 11,1% em relação ao ano passado, quando o país destinou a essa área R$ 184,1 bilhões, ou 1,86% do PIB.
Apesar do avanço, o valor é insuficiente para atender à demanda por obras de infraestrutura. Um estudo divulgado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), em fevereiro, aponta para a necessidade de investimentos equivalentes a 4,3% do PIB durante dez anos para reduzir os gargalos ao desenvolvimento econômico e social.
Energia, rodovias e saneamento puxam investimentos
Energia elétrica, rodovias e saneamento básico devem puxar os investimentos em 2023, segundo a Inter.B. A expectativa é de que os três ramos recebam R$ 158,5 bilhões, mais de três quartos do previsto a ser aplicado em infraestrutura em 2023.Segundo a consultoria, o quadro, entretanto, ainda é de incerteza, principalmente no que se refere a investimentos federais, em função da dúvida sobre a capacidade de execução do governo. Os recursos foram liberados pela "PEC fura-teto", oficialmente chamada de PEC da Transição.Os investimentos privados, estimados em R$ 131,8 bilhões ou 1,24% do PIB, estão em grande parte planejados e contratados, principalmente aqueles regidos por obrigações e compromissos no âmbito das concessões.
Mas há preocupações no ar: uma delas foi apontada pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) ao jornal "Valor": empresas associadas já relatam dificuldades para contratar projetistas e consultorias especializadas. Muitas estão antecipando a ida ao mercado, enquanto existe disponibilidade.
A mão de obra é um dos itens que mais está aumentando na construção. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), no período de 12 meses até junho esse grupo de despesas registrou uma alta de 7,71%, diante de uma inflação, medida pelo IPCA, de 3,16%. A maior elevação ocorreu entre o pessoal técnico.
Outro problema, levantado pela Abdib, é o aumento no preço dos insumos, que afeta o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.
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Para onde vai o dinheiro investido em infraestrutura
Para a energia elétrica, a expectativa é de que não haja um aumento significativo dos investimentos em 2023, assim como ocorreu nos dois anos anteriores. “Somente os investimentos privados devem apresentar aumento significativo em relação ao ano anterior (26,5%), direcionados em grande medida pela rápida expansão em energia renovável”, informa o relatório da Inter.B.
A consultoria lembra que o setor público perderá participação por causa da saída da União como controladora da Eletrobras. O investimento público ficará concentrado nas empresas estaduais.
Um setor onde os investimentos devem ser menores é o de telecomunicações. O investimento no biênio 2022-23 está estimado em R$ 26,5 bilhões, 19,3% a menos que no período anterior. Um dos fatores que explicam essa retração é a reorganização do setor, após a fragilização das condições financeiras da Oi, responsável por um quinto dos investimentos setoriais entre 2010 e 2020.
“Ao se dedicar à provisão de serviços de banda larga (fibra ótica), a empresa passou a investir significativamente abaixo de anos recentes, diferença não compensada pelas três maiores empresas do setor (Vivo, TIM e Claro)”, aponta a Inter.B.A expectativa, entretanto, é de que os investimentos cresçam nos próximos anos, devido ao cumprimento de obrigações ligadas ao 5G, além da expansão de provedoras regionais.
O marco legal do saneamento, questionado pelo presidente Lula, vai favorecer um crescimento expressivo dos investimentos na atividade, que devem alcançar R$ 24,4 bilhões neste ano.
A legislação prevê uma rápida ampliação dos investimentos dos concessionários para que as metas propostas – 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto – sejam atingidas até 2033.
“A expectativa de aumento dos investimentos reflete no planejamento, tanto das empresas públicas mais relevantes, quanto privadas, sugerindo que o novo marco está tendo um impacto transformador no setor, obrigando os estados e suas empresas a procurarem uma solução para anos seguidos de investimentos insuficientes que caracterizou o setor no país”, destaca o relatório da consultoria.
A projeção para o setor de transportes é de uma expansão de 41,2% nos investimentos, atingindo R$ 67,5 bilhões neste ano. Um dos segmentos de maior destaque deve ser o de rodovias, na medida em que os investimentos anunciados em âmbito federal se concretizem.
No segmento portuário, a projeção da Inter.B é de um crescimento mais modesto em 2023: 2,6%, chegando a R$ 3,9 bilhões.
O segmento de hidrovias sofre com baixos investimentos. A expectativa é de que sejam destinados R$ 400 milhões em 2023. Os recursos aplicados são concentrados em esforços do governo federal e de poucas empresas privadas que atuam na área. Pesam contra a falta de destinação de recursos uma legislação e regulação que dê segurança jurídica e abra espaço para a exploração do regime de concessão.
Os investimentos em ferrovias, por sua vez, devem cair 13% neste ano, atingindo R$ 8 bilhões. A quase totalidade dos recursos vêm de empresas privadas. Os últimos dois anos foram marcados por pesados investimentos no setor, motivado pelo Marco Legal das Ferrovias, aprovado em 2021 e regulamentado em 2022.
A consultoria entende que o novo marco possibilita projetos, construção e operação de ferrovias e terminais ferroviários sob o regime de autorização, mais flexível que uma concessão, e submetido a menos regras e restrições.
A carteira de investimentos para os próximos anos é de R$ 170 bilhões, para agregar 12 mil quilômetros de ferrovias no médio e longo prazo. Mas, a Inter.B faz uma ressalva: “É, contudo, provável que um número significativo, mais ainda indeterminado, dos projetos não se concretize, seja pela não viabilidade econômico-financeira ou pela fragilidade dos grupos proponentes”.
Depois de um ciclo, em 2020 e 2021, marcado pela pandemia da Covid-19 e pelas incertezas em relação ao timing de reabertura das economias, no qual os investimentos enfrentaram forte redução, a expectativa é de um forte crescimento das aplicações de recursos em aeroportos. A Inter.B projeta uma expansão de 28,6% neste ano, para R$ 1,8 bilhão.
Os investimentos em mobilidade urbana devem permanecer estáveis em R$ 5,4 bilhões neste ano, direcionados especialmente por empreendimentos em São Paulo. Para os próximos anos, as projeções sinalizam para mais investimentos no transporte de alta capacidade, estruturados sob a forma de parcerias público-privadas entre governos de estados e operadores privados.
Volume de recursos ainda é insuficiente para atender às necessidades
Mesmo com o crescimento verificado nos últimos anos, o volume de recursos aplicados é insuficiente para atender às necessidades de infraestrutura. A Inter.B elenca fatores para explicar as deficiências de investimentos no setor:
- não se construiu uma coalizão reformista para propor, discutir e aprovar uma reforma do Estado, que daria o espaço fiscal para ampliar de forma responsável os investimentos públicos e uma governança que viesse garantir uma alocação adequada dos recursos;
- permanece elevada a insegurança jurídica e a imprevisibilidade regulatória, que é afetada por uma politização crescente das indicações das agências;
- a incerteza encurta os horizontes de investimento por causa de ameaças ao arcabouço fiscal e favorece a volatilidade macroeconômica. Isto eleva o custo de capital e amplia os prêmios de risco sobre os financiamentos;
- investidores estrangeiros são suscetíveis às declarações intempestivas do governo em relação aos países e jurisdições relevantes com que o país mantém relações de cooperação, comércio, investimento e, particularmente, na área ambiental;
- a não adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e às regras de boa governança da instituição, inclusive no que diz respeito ao combate à corrupção, é uma barreira relevante ao capital externo.
Mesmo com essa falta de avanços, a consultoria aponta que o Brasil é extremamente atraente no setor, por fatores como a grande extensão territorial e carteiras significativas de projetos. Geralmente, porém, os investimentos são feitos por investidores “aclimatados” ao país. Os novos investidores são poucos.
Aumento de investimentos em infraestrutura depende de mais recursos privados
O caminho para a intensificação dos investimentos em infraestrutura depende da mobilização de mais recursos privados, inclusive externos, e de melhoras na governança dos investimentos públicos, que devem ser direcionados a áreas de maior retorno social. Para isso, a consultoria elenca uma série de fatores que podem contribuir para o maior direcionamento de recursos:
- tornar o investimento em infraestrutura uma política de Estado e garantir sua melhor governança;
- ampliar o investimento público respeitando as restrições fiscais e com racionalidade econômica, direcionando o dinheiro para projetos de maior retorno para a sociedade;
- o planejamento do governo requer maior cuidado e rigor nos critérios de escolha de investimentos, incluindo uma análise antecipada do custo-benefício dos projetos e sua taxa social de retorno;
- garantir maior segurança jurídica para os investimentos privados, com maior clareza, transparência, estabilidade e obediência às regras e sua aplicação;
- melhorar a regulação do setor, reforçando o papel das agências reguladoras, sua autonomia técnica e administrativa, protegendo-as de interferência política;
- ampliar a participação dos mercados de capitais no financiamento de projetos de infraestrutura;
- fortalecer o papel do BNDES como estruturador de projetos de infraestrutura; e
- aprimorar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
A Inter.B avalia que é possível ampliar os investimentos em infraestrutura e melhorar a qualidade destes. “É fundamental que se tenha o médio e longo prazo como horizonte”, diz.