A Câmara dos Deputados deve votar o texto que regulamenta o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), EC 108, ainda nesta semana. O presidente da Casa, Rodrigo Maia, disse que priorizará o tema, com urgência, em especial pelo fato de que o MEC precisará de tempo para operacionalizar a ação a partir de janeiro de 2021.
Detalhes do relatório foram divulgados pelo deputado Felipe Rigoni (PSB) em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (16). O novo fundo, aprovado no Congresso em agosto deste ano, estabelece que a participação da União no financiamento do Fundo chegue a 23%, de forma escalonada, até 2026. "O diálogo com o governo foi muito bom, tivemos várias reuniões", disse o parlamentar.
O texto da regulamentação, que já está pronto, mas ainda não foi divulgado, dá peso maior à educação infantil e deixa pelo menos três pontos em aberto a serem rediscutidos a partir de 2021, pela falta de "evidências científicas".
Modelo VAAT e redução de desigualdades
A principal mudança que passa a valer já em 2021 é o novo modelo de distribuição geral dos recursos, o chamado Valor Aluno Ano Total (VAAT). Esse modelo tem o objetivo de reduzir desigualdades de aporte entre os entes federados, em especial, nos casos dos municípios mais pobres. Na prática, é uma complementação que se baseia em quem recebe menos.
De início, haverá um ranking dos municípios por matrícula, 10,5% do aporte da União será feito por meio do VAAT, e deve ser estabelecido um valor mínimo de pouco mais de R$ 4 mil por aluno por ano. Além disso, 50% do valor desse modelo deve ser investido obrigatoriamente na educação infantil.
Os parlamentares, contudo, ainda devem decidir como isso se dará na prática. Existem dois modelos em jogo: por um lado, um que é mais redistributivo e o outro, dá maior incentivo à educação infantil.
O primeiro modelo é o chamado da aplicação, por meio do qual se distribui recursos pelo VAAT e, depois, se faz a aplicação na educação infantil. A vantagem desse modelo, segundo os especialistas que discutem a regulamentação, é que ele é mais redistributivo e reduz a desigualdade de maneira mais eficaz. Por outro lado, há uma desvantagem ao passo em que ele cria uma subvinculação para a educação infantil - o que, na prática, pode não significar melhoria na área específica.
O segundo modelo estudado é o de repasse por meio de um VAAT da educação infantil. Ainda permanece a lógica de atender aos municípios mais pobres, embora seja menos redistributivo, uma vez que tem foco na educação infantil. A vantagem do modelo é que ele dá ainda maior incentivo à área - conhecidamente o núcleo da vida escolar que deve receber maior aporte financeiro, como aponta a ciência.
Ensino técnico será promovido
Parte dos recursos ainda deve ser destinada ao ensino técnico. O objetivo é compensar o déficit na área. Na prática, o novo Fundeb permitirá parcerias com instituições públicas e, em especial, com o Sistema S, para a promoção dessa modalidade de ensino.
"O Brasil está muito atrasado com o ensino técnico. Tivemos avanços, mas efetivar isso é um desafio muito grande".
Felipe Rigoni, deputado pelo PSB.
Nações mundo afora têm obtido sucesso ao investir na educação técnica e profissionalizante. Nos últimos anos, a Finlândia, líder nos rankings que medem o desempenho educacional, o Reino Unido, França, Alemanha e a Coreia do Sul têm tido maior estima pela educação técnica e preferem empenhar seus esforços nesse segmento em detrimento do ensino superior formal.
A formação técnica de nível médio gera, sobretudo, rápida inserção ou requalificação no mercado de trabalho, além de uma média de 18% de acréscimo na renda dos profissionais. Segundo a OCDE, ao menos 48% dos estudantes de países da União Europeia se formam no ensino profissional de nível médio. O número chega a 63% no Reino Unido. Atualmente, o Brasil vai na contramão, com apenas 10% dos egressos do ciclo básico educacional com formação técnica.
Prestação de contas e transparência
Outro ponto da regulamentação do novo fundo diz respeito à transparência com relação à utilização dos recursos. Haverá uma padronização na prestação de contas no chamado Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope), do MEC. Segundo o parlamentar, isso deve dar mais independência, para que conselhos realizem o controle social do que é gasto.
O parlamentar afirma que isso, por si só, permitirá melhor fiscalização. Mas especialistas divergem se apenas isso é suficiente. Compete ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia ligada ao MEC, o monitoramento da aplicação e execução dos recursos.
"Teremos muito mais capacidade de fiscalizar a maneira como o Fundeb será gasto", diz Rigoni. A transparência padronizada também é apontado como importante fator para compreender boas práticas.
Atualmente, o Tribunal de Contas da União (TCU) investiga 28 municípios suspeitos de terem desviado recursos do fundo. Em 2019, auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) apontaram que muitos municípios, em especial das regiões Norte e Nordeste, estariam utilizando as verbas de maneira irregular.
Apenas o estado de São Paulo, segundo informações do TCU, é suspeito de ter desviado, em 2018, mais de R$ 3 milhões oriundos do Fundeb para finalidades incompatíveis com as destinações que o fundo deve ter.
Outro ente investigado pelo tribunal, mas neste caso com relação ao uso de verbas do antigo Fundef, é o município de Euclides da Cunha, na Bahia. Ele é suspeito de ter utilizado mais de R$ 14 milhões cedidos pelo fundo para pagamento de honorários advocatícios.
Pontos do novo Fundeb a serem discutidos nos próximos anos
Para os próximos anos, restarão pelo menos três pontos passíveis de discussão, à luz das evidências científicas. O Fundeb prevê que 2,5% do aporte da União sejam destinados às redes que tiverem melhoria do desempenho educacional, como uma espécie de retorno pela "meritocracia".
Mas isso não vale já em 2021. Foram definidos apenas aspectos principiológicos, divididos em três ponderadores. Por previsão constitucional, esse modelo de repasse tem início em 2023.
"O texto é bem específico e consegue trazer estímulo muito grande para qualidade e equidade. Não queremos só melhorar a média, o nível nos testes do sistema nacional, também queremos avanço, mas de maneira específica. Trazendo quem está embaixo mais para cima. Fazendo os alunos de pior desempenho melhorar", diz Rigoni.
O parlamentar explica que o ponto carece de evidências e, portanto, o Inep deve promover estudos ao longo dos próximos anos, para propor novos modelos, junto à comissão intergovernamental. Essa é formada por gestores de cada ente - a quem compete aprovar as novas metodologias ou não. Ele ressalta que, embora as medidas não valham já para o próximo ano, é importante defini-las, para que as redes possam se adaptar e concorrer em pé de igualdade quando começarem a funcionar.
"Não temos, ainda, o modelo exato com o qual eles deverão ser feitos. Quando falo nós, significa todo o ambiente educacional. O Inep e a sociedade civil precisam de mais tempo, justamente porque esses pontos têm efeito importante na redistribuição dos recursos. Isso muda a distribuição federativa dos recursos. Estamos dando esse tempo para termos estudos consolidados para fazer a mudança", explica Rigoni.
Os três ponderados que devem nortear o repasse do valor são: 1) potencial de arrecadação, que deve levar em conta critérios sociodemográficos dos municípios, 2) a disponibilidade de recursos, que será estabelecida com base no VAAT, e 3) nível socioeconômico, a ser definido a partir de critérios do Inep.
Instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais ficam de fora do novo Fundeb
Um dos pontos mais discutidos na regulamentação do Fundeb foi a previsão de repasse para instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais. Segundo o texto final, isso não deve acontecer, até segunda ordem.
"O fator que mais pesou para não incluirmos essas instituições foi o ponto redistributivo. Teríamos uma questão séria nos primeiros anos, caso adicionássemos isso agora", diz Rigoni.
Na prática, continua o modelo anterior com relação à educação infantil, rural e especial, e é adicionado apenas o repasse para educação profissional e técnica, onde o governo vê défict maior.
Quanto à educação especial, a previsão de repasse dos recursos do Fundeb se dará apenas para as atividades de contraturno nas instituições de educação especial que trabalham em concomitância com a escola regular. "Não acreditamos no modelo de educação especial", disse o parlamentar.
Ainda segundo Rigoni, outro fator que pesou na decisão foi o fato de que essas instituições estão localizadas, essencialmente, mais em municípios ricos do que pobres. Pelo menos 18 vezes mais, informou o deputado. Essa realocação do dinheiro, no momento atual, poderia ser "perversa".
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