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Crise pode afastar o Brasil de revolução na astronomia na América Latina

A participação nos resultados da construção do telescópio European Extremely Large Telescope (foto), icom magens 15 vezes mais nítidas que as do Hubble, está ameaçada | /Reprodução
A participação nos resultados da construção do telescópio European Extremely Large Telescope (foto), icom magens 15 vezes mais nítidas que as do Hubble, está ameaçada (Foto: /Reprodução)

Diz a lenda que o futuro está escrito nas estrelas. Nesse caso, não há lugar melhor para contemplar o futuro da astronomia brasileira do que o Deserto do Atacama. Pois é lá, no topo árido das montanhas do norte do Chile, que uma nova geração de supertelescópios está para nascer nos próximos dez anos, com a promessa de revolucionar nosso conhecimento do universo para toda a eternidade.

As decisões que vão deixar o Brasil dentro ou fora dessa revolução, porém, precisam ser tomadas agora - justamente no momento em que a ciência brasileira passa por um dos momentos mais difíceis de sua história, a reboque da crise econômica nacional.

O País já tem participação garantida em dois grandes projetos no sul do Atacama: o do Giant Magellan Telescope (GMT), um telescópio de 24,5 metros de diâmetro, três vezes maior que os telescópios atuais; e o Large Synoptic Survey Telescope (LSST), um telescópio equipado com uma câmera de 3,2 mil megapixels, projetado para fazer uma varredura completa do céu do Hemisfério Sul a cada três noites. Ambos previstos para entrar em operação por volta de 2022.

A grande incógnita está 500 quilômetros ao norte, no topo já aplainado de uma montanha chamada Cerro Armazones, onde nos próximos meses começará a ser construído o maior e mais avançado telescópio que já existiu: o European Extremely Large Telescope (E-ELT). Com um espelho de 39 metros de diâmetro, ele produzirá imagens 15 vezes mais nítidas que as do telescópio Hubble.

O projeto foi planejado contando com a participação do Brasil. Mas essa participação está ameaçada agora, mais do que nunca, pela crise econômica.

Para ser sócio do E-ELT, o Brasil precisa se juntar ao European Southern Observatory (ESO), o consórcio de 15 nações europeias responsável pelo projeto. Um acordo para isso foi assinado em dezembro de 2010, e aprovado em maio de 2015 pelo Senado, mas a presidente afastada Dilma Rousseff não sancionou o projeto; e a decisão passou para o governo interino de Michel Temer.

O acordo garantiria o acesso do Brasil a todas as instalações do ESO, incluindo três observatórios: Paranal, La Silla e Alma - cada um deles com vários telescópios, além do futuro E-ELT. O custo total varia de acordo com o câmbio e outros fatores econômicos, mas é da ordem de R$ 1 bilhão em dez anos.

Não há prazo previsto para a ratificação, mas o tempo está se esgotando assim mesmo. O contrato para construção do telescópio foi assinado em 25 de maio, com um grupo de empresas italianas, e as possibilidades de participação da indústria brasileira já estão quase esgotadas. “Ainda existe uma janela aberta, mas ela está se fechando”, disse ao Estado o diretor-geral da organização, Tim de Zeeuw.

Uma vez iniciada a construção do telescópio, a indefinição brasileira passa a ter consequências práticas para todos.

Pelo contrato original, o país arcaria com aproximadamente 10% dos custos do E-ELT, de 1,1 bilhão de euros - e não há substituto em linha para cobrir o rombo. Ou seja: sem o Brasil, o ESO só tem recursos para construir 90% do telescópio, e a data de conclusão ainda seria adiada em dois anos, de 2024 para 2026. Um prejuízo de proporções astronômicas, que poderia fechar de vez as portas para o Brasil dentro do consórcio.

“Minha perspectiva é pessimista no momento”, diz o presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) e pesquisador da Universidade de São Paulo, Marcos Diaz. Ele defende a adesão ao ESO como um investimento estratégico. “Claro que a situação é difícil, mas não podemos deixar de investir em ciência, tecnologia e educação.”

A posição é majoritária na academia, mas não unânime. Alguns pesquisadores consideram o acordo desfavorável e desnecessário ao Brasil.

Novo parecer

Procurado pela reportagem, o novo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, emitiu nota reconhecendo que “o tema é de inegável importância não apenas para a astronomia brasileira, como também para os pesquisadores de todos os continentes”.

Ele ressalta, porém, haver argumentos contra e a favor da adesão na comunidade científica. “Portanto, uma análise aprofundada da questão se faz necessária e, diante da importância do ESO, solicitei aos secretários do MCTIC minucioso parecer para posterior decisão.”

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