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Ricardo Barros foi citado no depoimento de Luís Miranda à CPI da Covid
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).| Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Ao que tudo indica, o homeschooling, a prioridade menos priorizada por Bolsonaro, será mesmo escanteado, até o ponto de cumprir seu destino como mera peça de propaganda para engajar e encher de esperança parte de seu eleitorado, sem nunca ter sido, de fato, objeto de vigorosa articulação parlamentar. Ao menos não por parte do líder do Governo na Câmara, deputado Ricardo Barros - que, por óbvio, deveria ser responsável por pautas do governo na Casa -  ou do ministro da Educação, Milton Ribeiro, esse, quase uma nulidade quando se trata de aprovações no Congresso.

Essa é uma constatação especialmente triste para as famílias que tomaram conhecimento da modalidade e decidiram adotá-la com seus filhos, justamente porque cometeram o pecado capital de confiar neste governo. Bolsonaro incluiu a regulamentação da educação domiciliar - via Medida Provisória! - como uma das metas para os primeiros cem dias de governo, mas deixamos para trás bem mais do que mil dias e até agora todas os pais e mães praticantes da educação domiciliar permanecem na mesma condição que estavam antes da eleição do capitão: são todos infratores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), leis federais que exigem matrícula e frequência de todas as crianças a partir dos 4 anos em escolas, sem exceção.

Não importa se você é capaz de comprovar que seu filho, estudando em casa, tem desempenho acima da média escolar em qualquer disciplina. Também é irrelevante se você tiver evidências, como fotos, vídeos e certificados, de que seu filho socializa em variados ambientes com outras crianças. Sua titulação acadêmica é adequada para educar até turmas inteiras de crianças? Ótimo, mas também não importa. Nada importa. Não pode e pronto. A situação atual é assim mesmo: completamente desprovida de razoabilidade ou proporcionalidade.

A notícia de que o Tribunal de Justiça do Paraná derrubou a lei estadual que regulamentava a prática, afirmando que isso caberia exclusivamente ao Congresso, torna o cenário ainda mais sombrio e aumenta a culpa do presidente da República. Em mais de uma ocasião, seu governo apresentou a educação domiciliar como um modelo bom e possível para as famílias. Por exemplo, no lançamento da Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling, ocorrido na Câmara dos Deputados em abril de 2019. Estavam lá centenas de famílias, incluindo crianças, lotando um auditório para ouvir representantes do governo - e até um dos filhos do presidente - dizerem que podiam contar com eles e que, em pouco tempo, todas ali teriam o direito garantido em lei de educar os filhos em casa. Era mentira e ninguém mais fala daquele dia. Nem daquela frente parlamentar.

O tempo passou e a lei não veio, mas, até 2020, os defensores mais apaixonados do presidente tinham uma justificativa relativamente verossímil para explicar o fracasso da base governista nessa pauta: Rodrigo Maia. O ex-presidente da Câmara dos Deputados realmente iludiu defensores do homeschooling que se deram ao trabalho de encontrá-lo e chegou a sinalizar que criaria uma comissão especial dedicada ao assunto. Para o público externo, aquilo parecia ser um passo adiante, mas os que conhecem as engrenagens do regimento interno da Casa sacaram na hora do que se tratava. “Comissão especial”, com raras exceções, é só a solução que se tira da manga quando não se pretende solucionar nada. Você dá palco para colegas parlamentares, eles posam de defensores da família e produzem vídeos empolgantes para suas redes sociais, mas a matéria continua se arrastando por longo prazo, até chegar o fim da legislatura quando enfim pode ser arquivada.

Só que Maia se deu mal nas eleições para a presidência da Câmara, não fez seu sucessor e quem chegou lá foi, vejam só, um aliado de Bolsonaro. “Com Arthur Lira a pauta vai andar”, diziam aqueles dotados de fé inabalável. O sentimento foi reforçado quando o Planalto entregou aos novos chefes do Legislativo sua lista de 35 prioridades. Mas, calma, não estamos falando daquelas que o governo anunciou há dois meses. O homeschooling também estava naquela lista de 2021, assim como naquela de 2019, e só não entrou na de 2020 porque o coronavírus impediu o governo de editar uma nova lista com dezenas assuntos fundamentais. É por isso que quando vi a lista de 2022, confesso, não pude conter um desiludido riso de desdém.

Voltando ao ano passado, já com Lira na presidência da Câmara, o Ministério da Educação de Milton Ribeiro decidiu que era preciso produzir alguma coisa que pudesse ser usado como prova de que “fez algo” pela aprovação da educação domiciliar. Trabalharam pela construção de um texto de consenso junto a deputados influentes que garantissem maioria na votação em plenário? É claro que não. Imprimiram uma cartilha e gravaram vídeos de qualidade discutível, uma espécie de talk show apresentado pelo próprio ministro, nos quais Ribeiro conversava com famílias que adotaram o homeschooling mesmo sem lei.

Na cartilha, o MEC afirma que “a educação domiciliar é a modalidade de ensino, em todos os níveis da educação básica, dirigido pelos próprios pais ou responsáveis legais”. Por mais que se possa concordar com essa definição, salta aos olhos o fato de que um ministério publica e expõe esse conceito sem mencionar de onde ele foi tirado, já que não consta em nenhuma lei brasileira. A versão digital do material circulou amplamente na internet, principalmente em grupos temáticos dedicados ao homeschooling nos aplicativos de mensagens. Até hoje está disponível para download. Não é difícil supor que uma família que desconheça a verdadeira situação jurídica da modalidade no Brasil, ao lê-la, conclui que não há nada de errado em tirar o filho da escola e passar a educá-lo em casa. E foi isso que muitos realmente fizeram, afinal, se até o governo fala tanto disso, deve estar tudo certo.

Convenhamos, é um raciocínio plausível. Difícil mesmo de entender é como é que um governo inclui oficialmente o tema como “prioridade” por três vezes em documentos oficiais, publica uma cartilha dessas, produz tanto discurso sobre o tema e, mesmo assim, faz tão pouco pela pauta na arena legislativa, que é a que mais importa.

Em pelo menos duas ocasiões, tive a oportunidade de testemunhar o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros - que é do Paraná, estado que acabou de derrubar a lei de homeschooling - afirmar, confiante, que o governo iria aprovar a lei de educação domiciliar. A primeira vez foi num seminário ocorrido dentro da Câmara, em 2020, e a outra, de forma online, em 2021. Barros é conhecido no meio político por ostentar eficiência. “Ele entrega o que promete”, dizem seus defensores.

Contudo, é sabido que o tema do homeschooling é especialmente relevante para um número muito pequeno de famílias, além de ser incapaz de atrair o interesse de eventuais financiadores de campanha. Uma promessa feita lá atrás para um punhado de pais e mães que educam os filhos em casa - ou que gostariam de educar - seria suficiente para ele se empenhar um pouco mais em manter o impecável currículo? Até agora, parece que não.

* Artigo de opinião de Jônatas Dias Lima, jornalista, editor da Gazeta do Povo, autor do livro“Homeschooling no Brasil: fatos, dados e mitos” e fundador da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal.

**Os textos do articulista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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