O ensino superior brasileiro teve mais um corte na semana passada. O bloqueio de R$ 3,23 bilhões no Orçamento para universidades públicas e institutos federais foi anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) em 27 de maio. O ato significa diminuição de 14,5% nas despesas discricionárias, que não são obrigatórias por lei, para cada unidade federal de educação.
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Em nota, o MEC reforçou que “promove interlocução junto a equipe econômica do Governo, e demais agentes governamentais para que, assim que houver melhora no cenário econômico, os desbloqueios sejam realizados”.
O Ministério da Economia confirmou o novo bloqueio no orçamento, mas informou que o valor ainda não foi definido. “O tamanho dos bloqueios de cada ministério ainda não foi definido, e uma vez definido o bloqueio total para cada um, é o ministério que decide a divisão dessa restrição entre os órgãos”, explica a pasta.
A área econômica informou que o recente corte orçamentário é para abrigar novos recursos, sem descumprir o teto de gastos. Sendo assim, a assessoria especial do Ministério da Economia explicou que serão alocados R$ 4,8 bilhões em sentenças judiciais, R$ 2 bilhões para o Proagro, R$ 1,1 bilhão para o Plano Safra 21/22 e outro R$ 1,2 bilhão para o Plano Safra 22/23. Os valores correspondem ao que foi explicado em coletiva de apresentação do relatório de avaliação de receitas e despesas do segundo bimestre, realizada no dia 20 de maio.
Gastos discricionários x eficiência
O novo corte orçamentário irá variar de instituição para instituição, conforme repasse dos gastos discricionários feito pelo MEC. De acordo com as universidades, ele pode comprometer o pagamento de serviços terceirizados, compra de materiais e manutenção de equipamentos, entre outros gastos. Além disso, as instituições de ensino superior dizem que, a depender das verbas discricionárias, programas como bolsas de auxílio para estudantes e de pesquisas acadêmicas também podem ser afetados.
Para compreender o impacto desse bloqueio no orçamento da Educação em cada universidade, é importante perceber que cerca de 86% dos recursos das instituições federais de ensino são obrigatórios (pagamento de salários, em sua maioria) e não serão bloqueados. Uma universidade como a UFRJ, por exemplo, que tem orçamento anual da ordem de R$ 4 bilhões - mais do que muitos municípios brasileiros - tem 86% desse valor garantido, R$ 3,44 bilhões. Do restante, um pouco mais de R$ 560 milhões nesse caso, terá uma parcela do corte anunciado; se for próximo aos 14,5%, o valor congelado será de R$ 81,2 milhões.
Em uma audiência na Câmara dos Deputados para tratar do orçamento da Educação, realizada em agosto de 2021, o ex-ministro Milton Ribeiro destacou a necessidade de um aumento de 7,2% para as despesas discricionárias e disse que os gastos obrigatórios têm pressionado as outras despesas. Na época, o ex-ministro também foi bastante crítico sobre a aplicação correta dos recursos e ponderou que a eficiência é mais importante do que a quantidade de recursos. "O problema todo é gestão”, ressaltou.
O ranking de Governança do Tribunal de Contas da União, por exemplo, divulgado em 2019, reforçou a necessidade de melhorar a qualidade dos gastos dos recursos públicos nas universidades. Segundo o levantamento, 86% das universidades obtiveram nota abaixo de 5, em uma escala de 0 a 10.
Ainda em 2019, ao tratar dos bloqueios no orçamento do MEC, o ex-ministro Abraham Weintraub mostrou, em uma audiência no Senado, que o Brasil “gasta como país rico e tem índices de país pobre”. No ensino superior, o Brasil investe US$ 14,3 mil por aluno, quase a média dos países da OCDE, US$ 15,7 mil. Com isso, está na 16ª posição de um total de 39 países, e gasta mais por aluno na universidade do que Estônia, Espanha, Portugal, Itália, México e Irlanda.
Mudança orçamentária desagradou instituições
A medida orçamentária desagradou representantes das universidades e foi apontada como “inadmissível” pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Em nota, a Andifes afirmou que a justificativa dada pelo governo federal para o corte não tem fundamento no próprio orçamento público. A associação critica “a redução contínua e sistemática”, desde 2016, para o custeio e investimento das universidades públicas e ressalta que o Orçamento de 2022 foi aprovado muito “aquém” do que era necessário.
O presidente da associação, reitor Marcus Vinicius David, disse em um vídeo publicado nesta quinta-feira (2) que os reitores estão empenhados em negociar com o governo federal. Ele informou que o conselho participou nesta semana de reunião com os ministros da Educação, Victor Godoy, e da Casa Civil, Ciro Nogueira, para tratar do bloqueio do Orçamento.
“Providenciamos agenda com o MEC e a Casa Civil, onde tivemos a oportunidade de relatar as gravidades financeiras das universidades. Nosso Conselho ouviu do ministro da Educação a justificativa de que, em função do curto espaço de tempo, não teve como aprofundar o estudo e por isso aplicou o corte linear em todas as unidades do MEC, mas ele prometeu lutar na tentativa de reverter esse bloqueio”, disse David.
Sobre a reunião na Casa Civil realizada no dia 1º de junho, o presidente da Andifes informou que o ministro Ciro Nogueira ficou de buscar uma solução para as universidades federais. “Ouvimos do ministro que, em que pese as dificuldades orçamentárias enfrentadas pelo governo, ele se empenharia em buscar uma solução para atenuar os nossos problemas”, disse.
“Constante redução”
Os cortes no orçamento na área da Educação não ocorreram apenas no governo atual. Segundo dados do MEC, que foram apresentados em uma audiência pública realizada em 2019 na Câmara dos Deputados, o maior corte no setor aconteceu em 2015, no início do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando a redução orçamentária de R$ 9,4 bilhões.
De acordo com o doutor em Educação e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Gregório Grisa, a redução nos investimentos para educação tem sido sistemática e, desde 2017, a área perdeu recursos que contabilizam aproximadamente R$ 74 bilhões. Ele afirma que boa parte desse contingenciamento se deve ao cumprimento do teto de gastos, que mudou os cálculos do regime fiscal da União, e à falta de prioridade no remanejamento de recursos.
“A educação não tem sido prioridade. Quando você avalia a despesa da educação com a despesa global da União, a educação perde espaço e sai de 6,5% da despesa global para 5,2%. A alocação para educação não é prioridade do atual governo assim como a ciência e tecnologia, o orçamento tem sido direcionado para outras áreas”, explica.
Segundo o Portal da Transparência, o orçamento do MEC em 2021 foi de R$ 120 bilhões, sendo a maior parte dos recursos destinada para gastos com pessoal e com transferências para complementação do Fundeb.
Sobre o aumento substancial com recursos humanos ao longo dos anos, o professor explicou que isso se deve a oferta de novos cursos e instituições de ensino que dobraram em comparação aos últimos 10 anos. Pelo último Censo do Ensino Superior, o aumento da rede pública de 2009 a 2019, foi de 32,4%.
“O número de funcionários cresceu porque as universidades e institutos dobraram e por isso cresceu o número de servidores. Em um período recente em que a gente tem uma estabilidade em relação ao número de servidores, o gasto obrigatório não cresceu - enquanto a folha cresceu R$ 4 bilhões, os gastos discricionários caíram R$ 16 bilhões - a matemática não fecha”, disse.
O pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DGPE), João Marcelo Borges, reforçou a “constante redução” nos investimentos federais em educação e declarou que o recente corte trará impacto para as universidades e institutos federais.
“Esse é um corte que já incide sobre uma base insuficiente para o financiamento do ensino superior e técnico no Brasil. O impacto será tremendo pois ainda estamos lidando com um momento de recuperação da pandemia, em meio a uma crise econômica gigantesca, com uma inflação alta e perda de renda. As universidades terão menos capacidade de arcar com os custos fixos e terão dificuldades para bancar a assistência estudantil, aumentando assim a evasão universitária”, explica.
Segundo o pesquisador, as reduções orçamentárias são naturais quando se tem uma recessão econômica. Porém, ele destaca que em outros governos as perdas educacionais foram menores em comparação com outros setores. “O corte agora anunciado incide sobretudo na educação, mas o mesmo ato do governo aumenta os gastos do Ministério da Integração Nacional. Isso é uma decisão política, cortar de um lugar e aumentar de outro”, avalia.
Impactos nas Universidades
Algumas universidades já começaram a calcular o impacto desse bloqueio na manutenção e custeio dos investimentos. Na Universidade de Brasília (UnB), a reitora Márcia Abrahão apresentou uma nota em que destacou que o corte representa um montante de R$ 36,6 milhões para a instituição - de um orçamento total de R$ 2 bilhões anuais.
“O recurso é direcionado basicamente para investimento em ciência, com a compra de equipamentos de laboratório e livros; para a manutenção do funcionamento das atividades, com o pagamento de serviços básicos como água e luz; e para garantir a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica”, explica.
Para a reitora da UnB, “o corte orçamentário coloca o Brasil na contramão do mundo. O país precisará de décadas para reverter as consequências da desvalorização da educação e da ciência sofrida sistematicamente a partir de 2016”.
A Universidade Federal do Pará (UFPA) também divulgou uma nota criticando o que chamou de “duro golpe” com o bloqueio de verbas orçamentárias. “O corte orçamentário, na UFPA, equivaleria à perda de R$ 28 milhões de um orçamento que já é R$ 10 milhões menor do que o de 2019, contra uma inflação de 18,89% no período. Uma condição de financiamento que já era crítica torna-se, neste momento, absolutamente insustentável”, afirmou reitor Emmanuel Zagury Tourinho. O orçamento anual da universidade é de R$ 1,59 bilhão.
Por meio de uma nota de repúdio, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) informou que o bloqueio no orçamento da educação profissional prejudica mais de 1 milhão de estudantes e pode acarretar demissão de terceirizados.
Repercussão no Congresso
A mudança no orçamento da educação repercutiu no Congresso Nacional após q pressão de estudantes e reitores de universidades federais, os quais cobraram uma posição do Parlamento.
O presidente da Comissão de Educação na Câmara dos Deputados, deputado Kim Kataguiri (União-SP), considera o corte “absolutamente inaceitável”, e informou que a comissão já tem uma audiência pública aprovada para debater os cortes na educação, ainda sem data definida até o momento. “Esse corte é absolutamente inaceitável, inviabiliza o funcionamento das universidades neste ano, principalmente os gastos com os alunos mais pobres que precisam de transporte, alimentação e muitas vezes até moradia. Já temos uma audiência pública aprovada para discutir esse tema e vamos trabalhar para trazer o relator do Orçamento e ter rubricas que o governo não possa cortar e nem contingenciar na LOA e LDO”, disse.
Já a deputada Professora Dayane Pimentel (União-BA), fez críticas aos “cortes de um lado para estancar outro” e reforçou que o Parlamento não pode se calar nesse momento de crise. “Precisamos enfrentar essa luta e ir para o debate. Na Bahia, algumas universidades e institutos federais não vão conseguir funcionar até o fim do ano. Duas instituições, o IFBA e a UFRB, já afirmaram que só conseguem funcionar até setembro. É um absurdo! Lutarei contra isso”, afirma a parlamentar.
Com o intuito de derrubar o decreto do governo Bolsonaro que dispõe sobre o corte na educação, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL 184). Segundo o deputado petista, áreas como o ensino público, saúde e pesquisas acadêmicas serão duramente afetadas. “Tais bloqueios podem levar a paralisia das atividades das universidades e do desenvolvimento científico no país. Vamos conclamar todo o Congresso Nacional para resguardar o orçamento que já havia sido aprovado e assim defendermos a Ciência, as Universidades e os Institutos Federais”, disse.
Parlamentares ligados à base do governo não quiseram se manifestar sobre o corte orçamentário.
Mensalidades como solução?
Na avaliação do deputado federal General Peternelli (União-SP), uma das soluções para evitar o corte de investimentos seria a cobrança de mensalidades em universidades públicas, assim como ele propõe na PEC 206/19. A proposta tem enfrentado resistência no Congresso Nacional.
De acordo com um estudo feito pelo Banco Mundial, um estudante em universidades públicas no Brasil custa de duas a três vezes mais que universitários em instituições privadas. Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas sem e com fins lucrativos foi de aproximadamente R$12.600 e R$ 14.850, respectivamente. Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900.
“Uma opção para aumentar os recursos das universidades federais - sem sobrecarregar o orçamento - seria a introdução de tarifas escolares. Isso é justificável, pois o ensino superior oferece altos retornos individuais aos estudantes e, com base em dados atuais, o acesso privilegia fortemente estudantes de famílias mais ricas. Assim, a ideia da PEC é, justamente, aumentar o recurso das universidades, facilitando o investimento.”, destaca o General Peternelli.
A discussão da PEC 206/19 na Comissão de Constituição e Justiça na Câmara dos Deputados foi adiada até o próximo ano, após um acordo firmado nesta semana entre os parlamentares da oposição e do governo.
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