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Esses dois instrumentos, embora possuam naturezas distintas – um sendo primariamente estratégico-econômico e o outro jurídico –, compartilham um propósito maior e essencial para a sociedade: garantir a continuidade das atividades produtivas, preservar a base de empregos diretos e indiretos e, fundamentalmente, assegurar o cumprimento da função social da empresa dentro da economia. Assim, a reestruturação empresarial consolida-se como um instrumento vital para a sustentabilidade e a preservação da atividade econômica.
Do ajuste interno à proteção Judicial: a reestruturação como primeiro passo
Conforme elucida o advogado Lucius Marcus Oliveira, sócio do escritório BPO Advogados e especialista em Direito Empresarial, a reestruturação empresarial é a fase crucial e preventiva. Ela representa o primeiro e mais lógico passo para reorganizar as finanças, restaurar a saúde operacional e redefinir o futuro de uma companhia.
“A reestruturação empresarial idealmente é feita fora do Judiciário e envolve uma série de medidas administrativas e operacionais de grande impacto. Inclui desde a renegociação proativa e estratégica de dívidas com credores financeiros e fornecedores, a revisão minuciosa de contratos onerosos, até ajustes severos e inteligentes de gestão e governança. O foco é duplo: recuperar a eficiência perdida e evitar que o quadro de dificuldades evolua para uma insolvência irreversível”, explica o advogado.
Nessa fase pré-judicial, o trabalho concentra-se na estratégia econômica de longo prazo. Envolve a identificação e o corte de custos ineficientes (lean management), a otimização de ativos ociosos, a possível venda estratégica de filiais ou patrimônios não essenciais, a profunda revisão de processos operacionais e, em casos mais graves, o repensar da própria estrutura societária (como fusões, cisões ou incorporações). O objetivo primário é gerar um fôlego financeiro imediato e sustentável, permitindo que a empresa ganhe tempo vital antes que a crise atinja um ponto de não retorno.
Recuperação Judicial: o amparo legal para a sobrevivência coletiva
Quando o arsenal de medidas internas e administrativas se esgota e a empresa se encontra em uma situação de inviabilidade de cumprir seus compromissos, o recurso à Justiça se torna o caminho. A recuperação judicial, regulamentada pela Lei nº 11.101/2005 e modernizada pela Lei nº 14.112/2020, é o instrumento jurídico que confere um ambiente controlado para que haja a renegociação impositiva da totalidade de suas dívidas de forma coletiva, sob a supervisão judicial.
“O plano de recuperação judicial é, essencialmente, a formalização, com força de lei, das estratégias de reestruturação que a empresa já vinha ou pretende implementar. Ele confere força legal e cogência às medidas propostas, impedindo, sobretudo, que credores individuais tomem ações de execução isoladas que desorganizem o patrimônio e inviabilizem fatalmente o processo de soerguimento do negócio”, ressalta Lucius.
Um dos pilares do processo é o chamado stay period (período de suspensão), durante o qual as ações e execuções de cobrança individuais ficam suspensas por até 180 dias prorrogáveis. Esta moratória legal é fundamental para que a empresa possa reorganizar seu fluxo de caixa, estabilizar a operação e, finalmente, implementar com tranquilidade as medidas previstas no Plano de Recuperação.
O elo estratégico: da reestruturação econômica ao respaldo jurídico
É fundamental compreender que os dois mecanismos caminham de forma indissociável. A reestruturação empresarial é o conteúdo – o plano econômico, o ajuste operacional e a visão estratégica que salvará o negócio. A recuperação judicial, por sua vez, é o meio – o instrumento jurídico que oferece o respaldo legal necessário para impor e implementar essas medidas de forma segura e obrigatória perante a coletividade dos credores.
“A reestruturação é o conteúdo econômico e a recuperação judicial é o meio legal. É a ponte essencial que transforma um plano empresarial, muitas vezes ambicioso, em um compromisso formalmente reconhecido, negociado e homologado pela Justiça, garantindo sua execução”, afirma o advogado.
A Complexidade da Negociação: O Tratamento das Classes de Credores
A estratégia de reestruturação se materializa no Plano de Recuperação Judicial (PRJ), e a sua aprovação depende diretamente da forma como a empresa devedora trata as diferentes classes de credores. A Lei estabelece uma estrita hierarquia, que define o limite da criatividade da reestruturação e o poder de voto de cada grupo:
| CLASSE | CREDOR | TRATAMENTO TÍPICO NO PLANO (EXEMPLOS) |
| I | Trabalhista e Acidente de Trabalho | Pagamento integral, com prazo limitado (geralmente 1 ano) dada a sua natureza alimentar. |
| II | Com Garantia Real | Negociação de prazo e juros, mas o valor da garantia deve ser preservado. |
| III | Quirografário (Sem Garantia) | Classe que mais sofre deságios (descontos) e alongamento de prazo, sendo crucial sua aprovação. |
| IV | ME/EPP | Tratamento especial e diferencial para pequenos fornecedores, visando protege-los. |
O principal desafio da reestruturação é convencer os credores Quirografários (Classe III), que são os mais afetados pelos descontos, de que a aprovação do Plano, mesmo com prejuízo imediato, é mais vantajosa do que a decretação da falência, que resultaria em um pagamento ainda menor e em um prazo muito mais longo.
A Lei nº 14.112/2020: avanços e desafios práticos
A reforma de 2020 buscou modernizar a legislação, alinhando-a a práticas internacionais. Trouxe avanços significativos, mas ainda enfrenta desafios:
| AVANÇO NA LEI 14.112/2020 | DESAFIO PERSISTENTE NA PRÁTICA |
| Segurança ao DIP Financing (Crédito Novo) | O mercado financeiro ainda mantém aversão cultural ao risco, restringindo o acesso real a esse novo crédito essencial. |
| Mediação e Conciliação | A morosidade judicial e o custo do processo ainda são altos, exigindo um esforço de desjudicialização. |
| Plano Alternativo de Credores | Nem todos os credores possuem a capacidade técnica para analisar e propor um plano de recuperação verdadeiramente viável. |
"O arcabouço legal melhorou drasticamente, mas a cultura da desconfiança entre credores e devedores, aliada à dificuldade de acesso a crédito novo, continua a ser um freio de mão puxado para muitas empresas viáveis. A lei forneceu o motor, mas o mercado ainda precisa fornecer o combustível."
Advogado Lucius Marcus Oliveira - sócio do escritório BPO Advogados e especialista em Direito Empresarial
Entre a vida e a morte: recuperação versus falência
A distinção entre os institutos é crítica. Enquanto a recuperação judicial é a manifestação legal que busca ativamente preservar a empresa em funcionamento e sua inerente função social, a falência representa o cenário derradeiro: o encerramento definitivo das atividades, com a liquidação total do patrimônio da companhia para a satisfação parcial e hierarquizada dos credores.
Ainda que a taxa de sucesso da recuperação judicial no Brasil seja baixa, os especialistas concordam que ela é uma ferramenta fundamental. Sem o amparo legal, muitas empresas com potencial viável de recuperação encerrariam suas atividades de forma precoce, gerando desemprego e perdas bilionárias para a economia.
A reestruturação e a recuperação judicial não são conceitos concorrentes, mas ferramentas poderosas e complementares. Juntas, elas oferecem à comunidade empresarial e à sociedade a oportunidade real de reconstruir negócios, proteger o emprego e sustentar um ecossistema econômico mais resiliente.
Em tempos de incerteza aguda, a correta aplicação e a visão estratégica por trás desses instrumentos jurídicos e econômicos podem ser, literalmente, a linha tênue entre o renascimento e o fim de uma atividade empresarial relevante.

Em entrevista exclusiva, o advogado Lucius Marcus Oliveira, do escritório BPO Advogados, explica quando e como as empresas devem agir para evitar o colapso financeiro e conduzir uma reestruturação bem-sucedida.
- Jornalista Gazeta do Povo: Qual o primeiro passo que uma empresa deve tomar ao perceber dificuldades financeiras?
O ideal é identificar a dificuldade e buscar uma consultoria jurídica e financeira para mapear dívidas, revisar contratos e reavaliar a estrutura interna. A prevenção é sempre mais eficaz do que uma ação tardia.”
- Jornalista Gazeta do Povo: Quando a recuperação judicial se torna inevitável?
“Quando a empresa já não consegue mais cumprir seus compromissos de forma isolada e é constantemente ameaçada por execuções individuais. Nesse momento, a recuperação judicial oferece uma proteção legal e um ambiente controlado para renegociar dívidas sem colapsar o negócio.”
- Jornalista Gazeta do Povo: Qual o papel estratégico do advogado nesses processos?
O advogado atua como um mediador técnico e estratégico. Ele orienta a empresa na elaboração do plano, conduz negociações complexas com credores e garante que o processo ocorra dentro dos parâmetros legais e de forma sustentável.
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