O divórcio, por si só, já é um processo difícil e emocionalmente desgastante. Quando duas pessoas que compartilham uma vida decidem se separar, surgem questões delicadas, como a divisão de bens, a guarda e regime de convivência dos filhos, a reestruturação financeira para pagamentos de eventuais dívidas, e a necessidade de reorganizar o futuro pessoal e financeiro do casal e da família.
Todo esse cenário já pode ser extremamente complicado e estressante, especialmente se o divórcio não é amigável e as partes estão em pleno conflito.
Quando as partes, além de casados, também são sócios, o cenário se torna ainda mais complexo. Além de resolver as questões faladas acima, o casal precisa lidar com algo igualmente importante: o futuro do negócio que sustenta o financeiro da família.
Manter a empresa funcionando, com todas as suas responsabilidades, pode se tornar uma tarefa árdua, por muitas vezes impossível, quando os sócios, que também são ex-cônjuges, estão passando por um processo de divórcio.
Sentimentos como ressentimento, mágoa e frustração podem dificultar profundamente a comunicação entre o casal, tornando praticamente impossível realizar as conversas essenciais para a gestão diária da empresa.
Isso se agrava ainda mais quando é necessário tomar decisões importantes para garantir a continuidade do negócio familiar. Sendo ainda mais delicado quando o negócio é o principal ou único meio de sustento da família.
Além das dificuldades emocionais e profissionais, um divórcio costuma aumentar as despesas familiares. Primeiro, há os custos diretos do processo de separação, como advogados e taxas judiciais. Depois, a mudança de um dos cônjuges para uma nova residência significa um acréscimo nas despesas, já que passam a existir dois lares para sustentar. Contas como aluguel, energia, água e alimentação, que antes eram divididas, agora são duplicadas.
“Esses novos custos podem sobrecarregar ainda mais a situação financeira da família, que já pode estar frágil por conta do divórcio. Se a empresa não está indo bem, isso gera ainda mais preocupação, pois tanto o sustento da família quanto o andamento do processo de divórcio dependem do sucesso do negócio”, explica Andressa Dal Bello, sócia do escritório Dal Bello Kuzmann Advocacia Especializada.
Como conduzir o divórcio entre sócios sem afetar os negócios
Segundo a advogada Karoline Kuzmann, também sócia do escritório Dal Bello Kuzmann Advocacia Especializada, o primeiro passo para conduzir o divórcio entre sócios sem prejudicar o funcionamento da empresa é separar de forma clara as questões pessoais das profissionais.
“Apesar das tensões emocionais envolvidas no processo de divórcio, é fundamental que ambas as partes mantenham uma postura profissional. Um advogado especializado em empresas familiares, juntamente com um contador, administrador ou financeiro — dependendo da necessidade e do tamanho da empresa — conduzirão de maneira objetiva as tratativas necessárias para manter a empresa funcionando durante o processo e o conflito familiar. O advogado com esta expertise poderá conciliar os interesses do casal tanto no contrato do divórcio quanto na continuidade da empresa, ou na dissolução parcial ou total desta, sendo o caso”, explica.
De acordo com as advogadas, o divórcio de forma consensual sem dúvida é a melhor solução para o caso de uma empresa familiar. Nesse caso, o casal negocia a divisão dos bens e a participação na empresa de forma pacífica, sem a necessidade de uma disputa judicial.
“As vantagens são claras: evita-se um processo longo e caro, e a empresa continua funcionando sem maiores interrupções”, explica Andressa Dal Bello.
Se o casal sócio da empresa deseja evitar que o divórcio prejudique o negócio, uma medida preventiva importante é a revisão do contrato social.
“O contrato social da empresa deve conter cláusulas que regulem o que acontecerá em caso de divórcio, evitando-se assim dissabores. Algumas cláusulas podem ser incluídas ou revisadas para evitar problemas no futuro, como exemplos: cláusula que tratem das condições de exclusão de sócio, prevendo os termos a serem adotados no caso de desinteresse de um sócio em continuar na empresa, estabelecendo os critérios para a venda das quotas ao outro sócio ou a terceiros como exemplo. O contrato social deve prever o método de avaliação das quotas da empresa, caso um dos cônjuges deseje se retirar da sociedade”, explica Karoline Kuzmann.
Regime de bens pode impactar na sociedade e na separação empresarial
Uma vez já iniciado o conflito conjugal e o processo de divórcio, a forma da divisão das quotas da empresa dependerá do regime de casamento adotado pelas partes.
Se o casal estiver casado sob o regime de comunhão parcial de bens, as quotas adquiridas durante o casamento serão partilhadas entre ambos. No entanto, as quotas adquiridas antes do casamento permanecem de propriedade exclusiva de quem as adquiriu.
“Aqui, o mais importante é evitar que essa divisão impacte o controle da empresa ou a sua gestão. O casal pode, por exemplo, acordar que um dos sócios ficará com as quotas e compensará o outro com outros bens do patrimônio comum”, explica Andressa Dal Bello.
No regime de comunhão universal de bens, todas as quotas da empresa são partilháveis, independentemente de quando foram adquiridas. “Aqui, uma das alternativas é um sócio adquirir as quotas do outro, por meio de uma avaliação justa do valor da empresa, mantendo assim o controle da sociedade”, diz a advogada.
No regime de separação de bens, cada sócio mantém as quotas que já possuía, e essas não são partilhadas. Isso significa que o divórcio não afetará a titularidade das quotas, sendo a solução mais simples para a continuidade do negócio.
Se ambos os sócios quiserem continuar na empresa, podem manter a relação profissional, mesmo após o divórcio. “Nesse caso, é recomendável estabelecer novas regras de convivência no contrato social ou no acordo de sócios, e até mesmo formalizar essas mudanças para evitar futuros conflitos. Essa opção, porém, requer uma maturidade emocional dos ex-cônjuges para lidar com a gestão da empresa de forma colaborativa”, orienta Karoline Kuzmann.
Em casos mais extremos, quando o casal não consegue chegar a um acordo, a venda da empresa pode ser uma solução. O valor obtido com a venda seria dividido entre os ex-cônjuges conforme o regime de bens. “Essa opção, no entanto, deve ser considerada com cautela, já que pode significar a perda de um negócio que pode ter valor estratégico ou afetivo para ambos”, ressalta a advogada.
O divórcio de um casal que também é sócio de uma empresa exige um planejamento cuidadoso e uma abordagem estratégica para evitar impactos negativos no negócio. A melhor solução envolve, sempre que possível, acordos amigáveis, revisão do contrato social e a busca por alternativas que mantenham o funcionamento da empresa inalterado. Com o suporte de advogados especializados, é possível preservar o patrimônio empresarial e garantir a continuidade do negócio, evitando desgastes tanto pessoais quanto profissionais.