
Ouça este conteúdo
O e-commerce revolucionou as relações de consumo em razão do seu exponencial crescimento em todo o mundo. Porém, trouxe também novos desafios jurídicos, que exigem das empresas brasileiras atenção redobrada às diversas leis que protegem os consumidores na aquisição de produtos e serviços nesse ambiente.
A relação de consumo estabelecida no formato on-line demanda aplicação diferenciada de algumas regras e princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que é o principal e mais amplo regulamento desses negócios jurídicos. Contudo, outras importantes leis também incidem e devem ser observadas pelas fornecedoras que navegam nesse mercado, tais como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O CDC impõe algumas obrigações às empresas, cuja observância no contexto digital é certamente mais complexa. A seguir, destacam-se algumas dessas normas impostas, bem como as dificuldades e cuidados necessários para cumpri-las nas vendas on-line:
- Informações claras e completas sobre produtos e serviços, bem como condições da compra: devem estar facilmente disponíveis no momento da compra as características técnicas completas do produto, fotografias fidedignas, preço, condições e formas de pagamento, termo de garantia, políticas de troca e devolução, valor do frete e prazo de entrega.
- Direito de arrependimento: o consumidor pode desistir da compra em até sete dias a partir do recebimento do produto ou serviço adquirido à distância. Essa desistência pode ser desmotivada, ou seja, não está condicionada à constatação de algum defeito. Nos tribunais brasileiros já é pacífica a aplicação dessa norma ao e-commerce, devendo ser destacado que os custos da devolução não poderão ser repassados ao consumidor. Assim, além de respeitar essa regra, torna-se ainda mais relevante promover uma venda com qualidade e clareza, visando evitar ou minimizar o exercício desse direito de arrependimento pelo consumidor.
- Responsabilidade solidária: todas as empresas envolvidas na cadeia de consumo respondem solidariamente por falhas na prestação do serviço ou defeitos no produto. No e-commerce, essa cadeia frequentemente inclui marketplaces e transportadoras. Assim, a contratação de parceiros deve ser bem estruturada, com definição clara de responsabilidades.
Complementarmente ao CDC (lei publicada em 1991), o Decreto n° 7.962/2013 e o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014) tratam sobre sites de venda e reforçam regras do CDC, estabelecendo as seguintes obrigações às empresas: (i) fornecer informações claras e acessíveis sobre os termos de uso, coleta, armazenamento e tratamento de dados pessoais dos usuários; (ii) informar características essenciais do produto, incluindo eventuais riscos à segurança e à saúde, preço do produto, os custos adicionais, as modalidades de pagamento, a disponibilidade e as condições integrais da oferta; (iii) disponibilizar o nome empresarial, CNPJ e endereços físico e eletrônico; (iv) reforçar a incidência do direito de arrependimento; (v) confirmar a compra imediatamente após a sua conclusão; (vi) oferecer canais de suporte eficientes.
Conciliando as regras mencionadas acima, fica evidente que um canal de atendimento eficiente e acessível é fundamental não apenas para cumprir tais normativas, mas também para garantir uma boa experiência ao consumidor.
Com a vigência da LGPD em 2020, as obrigações relacionadas à coleta, tratamento e proteção de dados tornaram-se ainda mais rigorosas. Essas obrigações também têm um impacto importante na relação de consumo digital, tendo em vista o grande volume de dados coletados e a vulnerabilidade decorrente do seu processamento e armazenamento on-line.
Assim, as empresas devem requisitar aos consumidores apenas os dados pessoais essenciais à operação, garantindo sua proteção, correção e eliminação quando requerido pelo titular. Isso porque, em caso de vazamento de dados que causem dano ao consumidor, a empresa pode ser responsabilizada solidariamente, sendo essencial a adoção de cuidados preventivos, como a contratação de parceiros que tenham expertise para garantir o adequado manuseio e segurança dos dados coletados.
Segundo informações disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a maior parte das demandas cíveis que tramitam ou tramitaram no Brasil nos últimos anos estão relacionadas a indenizações por defeitos de produtos ou serviços, evidenciando o impacto de relações de consumo possivelmente conduzidas de forma inadequada.
Não bastassem os efeitos financeiros (custas processuais e condenação) que essas demandas judiciais acarretam às empresas, tais situações ainda podem prejudicar a reputação daquela marca/empresa.
Além disso, plataformas – como redes sociais e sites de reclamação – dão ampla visibilidade às insatisfações dos consumidores. Um atendimento pós-venda bem estruturado e respeitoso, ainda que contemple uma resposta negativa ao cliente, pode mitigar os impactos dessas exposições negativas.
Assim, para minimizar riscos e evitar as reclamações judiciais, é fundamental: (i) estruturar ou contratar um canal de vendas adequado às normas do CDC e demais normas acima mencionadas; (ii) garantir atendimento pós-venda eficiente; (iii) elaborar ou revisar contratos com parceiros para garantir segurança, adequação às normas e estabelecer responsabilidades; e (iv) implementar políticas robustas de privacidade, coleta e tratamento de dados e adequadas à LGPD.
A conciliação e adequação a essas regras exige conhecimento técnico em esferas jurídicas diversas, como direito contratual, direito do consumidor, LGPD e resolução de conflitos. Comumente, os problemas do dia a dia de uma empresa que atua no e-commerce ocorrem repentinamente e com algum ingrediente que o torna mais complexo do que aquele decorrente de uma relação consumerista “regular”, demandando assim uma assessoria jurídica completa, especializada e ágil.
Autoras:
Ludmila Albuquerque Knop Hauer
