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A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas, repetindo o feito de 2012 e reforçando a visão de que "Cooperativas Constroem um Mundo Melhor". Este reconhecimento sublinha a importância de um movimento socioeconômico onde o social e o econômico caminham juntos, pautados por valores intrínsecos e sete princípios universais, como adesão voluntária e livre, controle democrático dos membros e interesse pela comunidade.
Neste cenário, o cooperativismo em destaque mostra como essas organizações unem propósito social e desenvolvimento econômico de forma sustentável.
No Brasil, enquanto esse modelo se consolida, as cooperativas de crédito veem suas operações e sua própria natureza jurídica no centro de um intenso debate, balançando entre a proteção legal e o desafio da aplicação das leis consumeristas.
O Cooperativismo em Destaque: um modelo socioeconômico com valores próprios
No vasto leque do cooperativismo que abrange desde o setor agrícola e de produção até saúde e educação as cooperativas de crédito se destacam no Sistema Financeiro Nacional (SFN). Diferentemente das instituições bancárias tradicionais, corretoras ou administradoras de consórcios, as cooperativas de crédito são sociedades de pessoas, não de capital.
Sua orientação principal é a promoção do benefício coletivo de seus associados, um foco tão singular que o Banco Central as classifica em um segmento específico dentro do SFN.

O que é o ato cooperativo? A essência das cooperativas de crédito
A singularidade das sociedades cooperativas está inscrita no artigo 4º da Lei nº 5.764/1971, que prevê características como adesão livre, gestão democrática, ausência de finalidade lucrativa e distribuição proporcional dos resultados. Contudo, é o ato cooperativo que se sobressai como a verdadeira essência desse modelo societário.
Definido pelo artigo 79 da mesma lei, o ato cooperativo compreende as operações realizadas entre a cooperativa e seus associados, desde que direcionadas à consecução dos objetivos sociais. Essas operações assumem uma natureza própria, distinta das práticas de mercado, e são guiadas pelo princípio da mutualidade, não pela busca de lucro.
O associado, neste contexto, não é um mero cliente; ele participa ao mesmo tempo como beneficiário e como parte integrante da estrutura social que viabiliza essas operações.
Ato cooperativo e proteção legal: vitórias no STJ e na reforma tributária
A importância do ato cooperativo para o sistema cooperativista tem sido reconhecida e blindada em diversas esferas. A recente Lei Complementar nº 214/2025, que trata da reforma tributária, fortaleceu essa ideia ao proteger o ato cooperativo de uma carga tributária que poderia descaracterizá-lo.
No âmbito administrativo, a Súmula nº 141 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) já consolidava o entendimento de que receitas de atos cooperativos típicos não se configuram como faturamento ou receita bruta para fins de incidência de PIS e COFINS, reconhecendo a natureza própria dessas operações.
O Poder Judiciário também reforçou essa proteção com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 2.091.441/SP (2023). A Corte decidiu que o crédito concedido por uma cooperativa a um associado é, de fato, um ato cooperativo e, portanto, não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial. A lógica por trás dessa decisão é clara: a inadimplência de um associado não afeta apenas a cooperativa, mas o prejuízo recai sobre toda a coletividade de cooperados. Esse reconhecimento tem um impacto direto no bolso dos cooperados e no equilíbrio do sistema, afastando a natureza mercantil dessas operações e garantindo menor carga tributária sobre as operações internas.
Ato cooperativo x código de defesa do consumidor: um debate atual
No entanto, até onde essa proteção pode ir? O aumento das ações de superendividamento, tema introduzido ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) pela Lei nº 14.181/2021, reacende o debate sobre os limites entre o ato cooperativo: proteção jurídica e CDC, e a relação de consumo.
A Súmula 297 do STJ uniformizou o entendimento de que a legislação consumerista se aplica às instituições financeiras. Contudo, é importante notar que os casos que consolidaram esse entendimento envolviam Bancos, e não cooperativas de crédito.
Embora a Segunda Seção do STJ tenha admitido a aplicação do CDC às relações entre cooperados e cooperativas quando estas desenvolvem atividades equiparadas às instituições financeiras, a recente decisão no REsp 2.091.441/SP e a própria reforma tributária caminham em sentido oposto, reforçando a natureza jurídica própria da relação cooperativa.
Associado ou consumidor? A natureza única da relação cooperativa
Diante desse cenário, surge uma pergunta essencial: há consumidor no contexto cooperativo? O artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) define consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Mas o associado de uma cooperativa transcende essa definição; ele não é um mero destinatário passivo. Ele integra a sociedade, participa ativamente das assembleias, influencia decisões e, simultaneamente, usufrui dos serviços oferecidos.
Se o associado não está em uma posição passiva, mas inserido no núcleo da atividade econômica da cooperativa, seria correto enquadrá-lo como um consumidor típico? Ou estaríamos diante de uma relação jurídica única, que exige um tratamento distinto justamente por ser baseada no mutualismo e não na lógica de mercado?
Cooperativismo em destaque: o futuro do ato cooperativo: equilibrando proteção e mutualidade
Essa tensão entre a mutualidade inerente ao cooperativismo e a tutela consumerista se configura como o próximo grande capítulo da história do cooperativismo no Brasil.
O que está em jogo vai além de um debate técnico; trata-se de encontrar um equilíbrio entre a necessidade de proteger o associado que se encontra em situação de vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, preservar a essência e os princípios de uma sociedade que existe para ser diferente das demais instituições financeiras, com o escopo de promover o desenvolvimento socioeconômico da comunidade.
Para acompanhar de perto o desenvolvimento desse debate crucial para o futuro do cooperativismo brasileiro e se aprofundar nas nuances jurídicas que moldam este setor, convidamos você a seguir as publicações do escritório Pereira e Gionedis.
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