A elaboração de um acordo de sócios bem-estruturado constitui um instrumento essencial para assegurar a estabilidade e o crescimento de qualquer sociedade empresária. Tais acordos são fundamentais para regular as relações entre os sócios, proteger os interesses da empresa e garantir a sustentabilidade dos negócios a longo prazo. No ambiente corporativo, especialmente em empresas de médio e grande porte, a convivência entre sócios pode apresentar desafios significativos, e quando há envolvimento de familiares, esses obstáculos podem se intensificar.
A advogada Vanessa Naunapper, especialista em Direito Corporativo e Direito Societário no escritório Vanzin & Penteado Advogados, destaca que acordos de sócios — também conhecidos como acordos de acionistas — são vitais para estabelecer diretrizes claras sobre governança, distribuição de lucros, tomada de decisões e resolução de conflitos. “A convivência entre sócios pode ser desafiadora, especialmente em empresas de médio e grande porte. Quando há familiares envolvidos, isso é potencializado”, comenta a advogada.
Um exemplo ilustrativo da importância desses acordos pode ser observado na trajetória de Abílio Diniz, um dos empresários mais influentes do Brasil. Sua atuação desde a fundação do Grupo Pão de Açúcar até a criação da Península Participações oferece lições valiosas. A situação envolvendo Diniz demonstrou como um acordo de sócios pode preservar e expandir o legado e o patrimônio familiar, mesmo em meio a dinâmicas familiares e empresariais complexas.
Além disso, a Península Participações, criada por Diniz, possui um acordo de acionistas com o Carrefour, que estabelece direitos e deveres na relação entre a holding e a varejista. Esse acordo impõe restrições à transferência de ações, protegendo os interesses da empresa. Este tipo de cláusula ilustra como acordos de acionistas bem-delineados podem prevenir conflitos e assegurar a continuidade dos negócios
Importância dos Acordos de Sócios
A advogada Vanessa Naunapper destaca que acordos de sócios são fundamentais para delinear regras claras sobre a tomada de decisões, a transferência de participações societárias e a resolução de conflitos, prevenindo litígios que poderiam comprometer a saúde financeira e a estabilidade organizacional de uma empresa, seja ela familiar ou não.
Um dos aspectos cruciais dos acordos de sócios é a definição de regras para a tomada de decisões. Segundo Vanessa, o acordo de acionistas é um documento que estabelece diretrizes sobre como os acionistas devem votar em assembleias, sobre a participação de membros do conselho de administração ou de um conselho consultivo, além de disposições que envolvam decisões estratégicas importantes.
Isso inclui a definição de quóruns necessários para aprovar determinadas matérias, a nomeação de diretores e executivos, e como os lucros serão distribuídos. Essas diretrizes são essenciais para garantir que todos os acionistas estejam alinhados e que as decisões sejam tomadas de maneira transparente e eficiente, evitando conflitos internos e promovendo uma gestão harmoniosa da empresa.
Transferência de ações
Vanessa fala que a transferência de participações societárias é outro ponto sensível em qualquer organização. “Sem um acordo de sócios, a venda ou a transferência de ações pode resultar na entrada de novos sócios que não compartilham da mesma visão estratégica, causando desalinhamentos e conflitos”, alerta.
Um exemplo ilustrativo é o caso do acordo mencionado anteriormente, entre o Carrefour Brasil e a Península Participações, o braço de investimentos da família Diniz. Este acordo específico estabelece restrições sobre a venda de ações do Carrefour Brasil para concorrentes diretos, além de limitar a transferência de ações a grupos específicos, garantindo que apenas investidores alinhados visando o longo prazo da empresa possam se tornar acionistas.
Neste caso, Vanessa explica que tais cláusulas garantem que apenas investidores que compartilham a visão e os objetivos de longo prazo da empresa possam se tornar acionistas, contribuindo assim para a governança e a estabilidade da organização. “É uma forma de assegurar que os interesses de longo prazo sejam protegidos, evitando a entrada de entidades que poderiam causar instabilidade na administração da empresa”, analisa.
Além dessas restrições, a cláusula de lock-up é outro mecanismo existente para dar segurança aos acionistas. Vanessa Naunapper explica que se trata de uma disposição contratual que limita a venda de ações ou a saída de um, ou mais sócios de uma empresa por um período determinado.
“Essa cláusula é particularmente importante em contratos de investimento e acordos de acionistas, especialmente em empresas que estão passando por fases iniciais de grande crescimento. A cláusula de lock-up assegura que os principais acionistas e executivos permaneçam na empresa, proporcionando continuidade na liderança e na execução da estratégia empresarial, o que é fundamental para gerar confiança entre investidores e stakeholders. Mantendo essas pessoas-chave no negócio, a cláusula de lock-up ajuda a estabilizar a governança e a maximizar o valor do desenvolvimento do negócio”, conclui.
Cláusulas essenciais de um acordo de acionistas
Os acordos de acionistas são instrumentos fundamentais para garantir a governança, a estabilidade e o alinhamento estratégico entre os sócios de uma empresa. Eles estabelecem diretrizes claras sobre direitos, deveres e procedimentos que regem a relação entre os acionistas, prevenindo conflitos e assegurando o bom funcionamento da organização.
A seguir, destacamos algumas das cláusulas essenciais que compõem um acordo de acionistas:
1. Cláusula de Objetivo e Princípios Gerais
Define o propósito do acordo e os princípios que orientarão a relação entre os sócios. Estabelece a missão, visão e valores da empresa, garantindo que todos os sócios compartilhem uma visão comum do futuro do negócio, promovendo a coesão e o alinhamento estratégico.
2. Cláusula de Administração e Tomada de Decisões
Especifica como a administração da empresa será conduzida e como as decisões serão tomadas. Inclui a formação do conselho de administração, a definição de papéis e responsabilidades dos sócios, além dos quóruns necessários para diferentes tipos de decisões (simples, qualificadas ou unânimes). Esta cláusula é vital para assegurar uma gestão transparente e eficiente, evitando conflitos internos e promovendo uma governança sólida.
3. Cláusula de Direitos e Deveres dos Sócios
É fundamental delinear claramente os direitos e deveres de cada sócio. Cobre aspectos como o direito de voto, acesso a informações financeiras, dever de confidencialidade e outras obrigações específicas que cada sócio deve cumprir. Esta cláusula é fundamental para garantir que todos os sócios estejam cientes de suas responsabilidades e direitos, promovendo um ambiente de cooperação e confiança.
4. Cláusula de Lock-Up
A cláusula de lock-up impede que os sócios vendam suas participações por um período determinado, garantindo a estabilidade da empresa, especialmente em momentos críticos como o pós-IPO ou durante fases de grande crescimento. Essa cláusula é vital para assegurar que os principais acionistas e executivos permaneçam na empresa, proporcionando continuidade na liderança e na execução da estratégia empresarial, o que é fundamental para gerar confiança entre investidores e stakeholders.
5. Cláusula de Tag Along
Protege os sócios minoritários, garantindo-lhes o direito de vender suas ações nas mesmas condições que os sócios majoritários em caso de venda da empresa. É uma forma de assegurar que os minoritários não sejam prejudicados por uma mudança de controle na empresa.
6. Cláusula de Drag Along
Ao contrário do tag along, a cláusula de drag along permite que os sócios majoritários exijam que os minoritários vendam as suas ações conjuntamente, em caso de venda da empresa. Isso facilita a venda integral do negócio e pode atrair mais compradores interessados, garantindo uma transação mais eficiente e vantajosa para todos os envolvidos.
7. Cláusula de Non-Compete (Não-Concorrência)
Esta cláusula impede que os sócios atuem em negócios concorrentes por um período após a saída da empresa. Isso protege a empresa contra a transferência de know-how e clientes para concorrentes diretos, preservando a vantagem competitiva e os segredos comerciais da organização.
8. Cláusula de Investimento e Capitalização
Especifica as condições para novos aportes de capital pelos sócios e como será realizada a distribuição de novas ações. Esta cláusula é importante para regular aumentos de capital e assegurar a participação proporcional dos sócios em novas rodadas de investimento.
9. Cláusula de Resolução de Conflitos
Define os mecanismos para resolver disputas entre os sócios, como mediação, arbitragem ou jurisdição competente. Esta cláusula é essencial para evitar longas e custosas batalhas judiciais, oferecendo caminhos mais rápidos e eficientes para a resolução de conflitos.
10. Cláusula de Dissolução e Liquidação
Especifica os procedimentos para a dissolução da sociedade e a liquidação dos ativos, caso a empresa precise ser encerrada. Esta cláusula é crucial para garantir uma transição ordenada e justa para todos os sócios envolvidos, minimizando prejuízos e conflitos durante o processo de dissolução e liquidação.
Vanessa Naunapper ressalta que a inclusão dessas cláusulas em um acordo de sócios não só protege os interesses individuais dos sócios, mas também fortalece a governança e a sustentabilidade da empresa como um todo. “A clareza e a precisão dessas disposições ajudam a prevenir conflitos, promover a transparência e assegurar que a empresa possa enfrentar desafios e aproveitar oportunidades com maior segurança e eficiência”, finaliza.