Entrevista

Design

André Carvalhal sugere engavetar o medo do “fim do mundo” como argumento no debate ambiental

Cristina Seciuk
23/11/2023 19:59
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“Tratar disso no nível individual é muito desafiador. Às vezes, você não tem poder de compra, não tem grana, não tem opção. A solução precisa vir do mercado”, defende. | hico Cherchiaro/Divulgação

Especialista em design para sustentabilidade, André Carvalhal defende um cenário de empresas, indústrias e mercado mais responsáveis quando o assunto é puxar o freio de mão dos danos causados ao planeta e ao meio ambiente pelo consumo.
Em entrevista exclusiva a HAUS durante o recente Archtrends Summit, em São Paulo, André Carvalhal comentou sobre o desafio imposto pela lógica acelerada da atualidade e revelou esperança em uma virada de chave na abordagem relacionada à sustentabilidade, com mais foco na solução do que no problema. Confira na íntegra:

Comecemos pelo tema do Summit, “O que está dentro importa”. É uma provocação que fala de essência, de profundidade. O que é, em essência, um design para a sustentabilidade?

Primeiro, é legal pensar o que é um designer, em essência. Temos [genericamente] uma visão do designer como alguém que realiza um trabalho muitas vezes gráfico, relacionado à arte, mas a essência do design é resolver algum problema, criar uma solução. Pode ser uma solução gráfica, uma solução visual, uma solução textual, pode ser uma arquitetura, pode ser qualquer coisa. Quando a gente junta isso com sustentabilidade, a gente entende o nosso papel enquanto profissional: de resolver situações, encontrar soluções pensadas para a sustentabilidade. Então você pode ter o design para a sustentabilidade que pensa em serviço, em processo, em arquitetura, em moda.
Hoje, minha opção de trabalhar dentro de toda essa área é ajudando empresas, organizações e pessoas a trilharem caminhos mais sustentáveis: como uma organização pode transformar a sua forma de produzir, de comunicar; ou como uma pessoa pode transformar os seus hábitos e ter mais entendimento e compreensão sobre toda a materialidade com que ela se relaciona (aquilo que ela compra, come, veste). [Em resumo] é isso: como resolver as nossas necessidades a partir de um olhar mais sustentável.

Neste contexto é quase inevitável falar sobre cadeias de consumo e de produção. Temos o mercado de arch & design, o próprio mercado de moda, que vivem de tendência, de lançamentos e é notável uma aceleração absoluta disso, inclusive com a velocidade de consumo das mídias sociais. Estamos nos afastando de uma moda com propósito (para usar um termo que você cunhou), de uma produção com mais propósito? 

Em várias áreas (na moda, no design, no mobiliário) há um caminho que é voltado mais para a sustentabilidade, um caminho de mais consciência, para pessoas que têm pensado e se conectado com essa necessidade urgente no mundo. E tem outro caminho que corre em paralelo, que é aquele ainda afeito a uma ideia de mundo que relaciona a resolução dos problemas à quantidade.
Entende-se que a indústria da moda precisa vender mais. “E como você vende mais? Fazendo mais”. Eu já trabalhei com moda, quando comecei tínhamos duas coleções por ano, hoje tem marcas que lançam produtos todos os dias, literalmente. É um pensamento desse velho mundo, que acredita que a quantidade vai resolver nossos problemas. Mas é justamente essa quantidade que trouxe a gente para este momento de mundo que vivemos hoje.
Eu vejo essas duas tendências: uma de desaceleração, de pessoas querendo consumir menos e de maneira mais sustentável, e outra que ainda está conectada a esse movimento de fazer mais.
Consultor e especialista em design, André Carvalhal ajuda empresas, organizações e pessoas a trilharem caminhos mais sustentáveis.
Consultor e especialista em design, André Carvalhal ajuda empresas, organizações e pessoas a trilharem caminhos mais sustentáveis.

Com um cenário como esse parece normal haver pessoas que têm preocupação com a sustentabilidade, mas que se sentem desencorajadas, “empurradas” para um consumo pouco consciente. É possível achar um equilíbrio?

É um ambiente bastante desafiador porque é como se tudo à nossa volta tivesse sido desenhado (aí o design) e criado para estimular esse volume, essa produção, esse superconsumo. A nossa lógica industrial, do sistema em que a gente está inserido, depende da produção, de volume de venda; não é à toa que existam pessoas, empresas que pensam desse jeito. Mas já existe um entendimento de que essa lógica é também uma arapuca, porque quanto mais a gente demanda, mais recursos são consumidos e mais caros eles ficam.
Eu não acho que essa solução vai vir das pessoas porque tratar disso no nível individual é muito desafiador. Às vezes você não tem poder de compra, não tem grana, não tem opção. A solução precisa vir do mercado e só vai vir verdadeiramente quando ele começar a sofrer as consequências da lógica que produziu. Quando os recursos estiverem mais caros, mais raros, e isso já acontece. A pandemia foi um reflexo disso e a forma como muitas marcas e indústrias precisaram funcionar foi um modo de experimentar isso. Mas, passada essa fase, muita coisa voltou a ser como era antes, infelizmente.
"Tratar disso no nível individual é muito desafiador. Às vezes, você não tem poder de compra, não tem grana, não tem opção. A solução precisa vir do mercado"
André Carvalhal

O que você vê como semente que já está posta para construir esse futuro mais sustentável, mais responsável, que - de algum modo - já está sendo executado?

Eu acho que a pergunta, em si, já traz um pouco do que eu tenho identificado e mapeado como um movimento. A gente vem de um lugar onde se falava sobre o futuro de forma muito catastrófica: “a gente tá acabando com o planeta, a gente está destruindo” e tal. São verdades difíceis de engolir, mas que não têm sido capazes, suficientes para motivar as pessoas e as organizações a agirem, se transformarem.
Hoje, eu vejo um movimento de as pessoas quererem realmente consumir e disseminar boas práticas, bons exemplos. Eu vejo essa [postura] como uma virada de perspectiva que vai privilegiar e valorizar o que é feito de positivo.
No meu Instagram, por exemplo, tenho um quadro em que eu falo só notícia boa, onde compartilho inovações, projetos legais e que vão trazer impacto positivo para as pessoas. Eu vejo que isso tem engajamento muito maior do que se eu falar que “hoje a gente vai viver novamente o dia mais quente do ano”. Todo dia já é o dia mais quente do ano, sabe? Acho que a grande oportunidade, essa semente que você falou, vem para esse olhar de quais são as alternativas, os caminhos.

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