Entrevista

Design

Maturidade e “oscar do design” abrem nova era do estúdio Mula Preta

Cristina Seciuk
07/06/2023 13:06
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"Dois malucos que se encontraram por acaso e descobriram que tinham cadernos com sonhos para tirar do papel". É assim que o designer André Gurgel resume o início da parceria com o arquiteto Felipe Bezerra, em 2012, quando nasceu o estúdio Mula Preta. Com onze anos de trajetória multipremiada, a dupla ainda experimenta novidades. Das mais recentes: as duas premiações no iF Design, logo na primeira participação.
Com sua flagship estabelecida, pandemia superada e indústria capaz de alcançar os resultados sonhados por André e Felipe, o estúdio entra em nova fase. Os próximos meses trarão lançamentos que incluem desenhos inéditos e ícones renovados, em versões carregadas de tecnologia - sempre acompanhada da criatividade e irreverência que estão no DNA do estúdio.
Confira em entrevista exclusiva a HAUS:

Não posso começar por outro lugar que não os prêmios do iF Design. Primeiro já com dois. Qual é a sensação desse reconhecimento?

FELIPE BEZERRA– A gente já conhecia o iF, tem 70 anos, e a gente nunca tinha participado do iF pela dificuldade de logística. Anteriormente, até o ano passado, talvez dois anos atrás, as peças tinham que ser enviadas, então era uma complicação muito grande. Este ano a gente descobriu que não precisava mais das peças e resolveu inscrever dois projetos e fomos agraciados com os dois prêmios. Para nós foi uma grande alegria porque a gente sempre almejou ter o iF (ele e o Red Dot Design Award, do qual a gente também nunca participou).
Mesa Garoto, uma das premiadas no iF Design 2023.
Mesa Garoto, uma das premiadas no iF Design 2023.
ANDRÉ GURGEL – Prêmios brasileiros também, o Brazilian Design Award... mas a excelência, o grau de engenharia europeu e alemão principalmente torna realmente o iF o prêmio mais desejado. Então para a gente foi uma surpresa muito grande receber e não teve jeito, a gente teve que ir. A gente tinha acabado de sair de Milão e disse: vamos para a Alemanha!
FELIPE – O primeiro prêmio a gente nunca esquece né, então não podíamos deixar de ir.
ANDRÉ – A gente foi bater lá e foi maravilhosa [a cerimônia] porque você tem a oportunidade de conversar com designers da Apple, do Google, outros do mundo todo, então é um momento especial.

É uma premiação que abarca o design como um todo, não é? É possível ter esse diálogo supermultidisciplinar.

FELIPE - Exato. Grandes indústrias que comandam o mundo com produtos de high-end foram premiados juntamente conosco. Então para nós é uma grande honra representar o Brasil junto com outros designers também. Foi muito importante para nós, marcou definitivamente uma volta. Fazia tempo que a gente não participava.
ANDRÉ – Desde 2017, 2018 a gente não participava mais.

Por que?

FELIPE – Estávamos muito focados na loja, no novo negócio [a flagship na Alameda Gabriel, em São Paulo, inaugurada em 2020].
ANDRÉ – A gente focou no lado mais comercial, expansão - por isso surgiu a loja -, [depois] chegou a pandemia. E agora as coisas se assentaram, está mais fácil de gerir e a gente resolveu voltar a participar disso.

Eu tive o prazer de visitar a flagship durante a DW! e conheci as primeiras peças da coleção Spoiler. O que mais vem por aí?

FELIPE – Este ano a [Semana de Design de São Paulo] DW! foi antecipada e a gente sempre participou, desde antes da loja. Nosso lançamento como marca foi numa DW!, quando a gente fez uma exposição solo, individual na própria Gabriel, na frente de onde hoje é a nossa loja. A gente estava programado para lançar tudo em agosto, como vai ser feito, mas corremos e trouxemos algumas coisas e chamamos de Spoiler porque é mesmo um avant-première do que vem aí em agosto. Vamos ter pelo menos mais uma dúzia de peças novas para trazer para aquele final de ano em que os lojistas e os consumidores procuraram colocar coisas novas em casa. É um semestre muito importante, é o semestre de vendas mais pesado, por isso o adotamos para nossos lançamentos.
ANDRÉ – Uma coisa interessante também é o amadurecimento da marca. A gente montou a flagship, antes a gente vendia pontualmente através da indústria e esse movimento paralelo com a flagship, que foi ter revendas exclusivas, nos fez também amadurecer e entender a necessidade de cada um dos nossos pontos de venda, da nossa loja. A gente inclusive fez migrações de materiais, de qualidade, de fábricas. Este ano eu acho que é o ano principal em termos de prospecção e projeção para o que a gente quer no futuro: a qualidade dos produtos está cada vez maior, também está chegando em um nível que a gente queria e com grandes parceiros como a Simmetria [loja que tem exclusividade para comercialização das peças Mula Preta no Paraná], o que é fundamental.

É perceptível também que vocês seguem trazendo inovação. Caso da poltrona Duna, que volta nesta coleção em um novo material. Como foi desenvolver um novo olhar para essa peça tão icônica da Mula Preta?

ANDRÉ – A tecnologia e o desenvolvimento de peças em si, com essa pegada mais avantgarde, tecnológica, já foi o nosso DNA desde o início, a gente sempre fez assim, só que a indústria no Brasil não estava conseguindo acompanhar. Tem peças que estão saindo agora que a gente desenhou há 8 anos. A ideia de fazer uma impressão de uma peça em tamanho real, em dez horas (que é o caso da Duna) e tornar isso de certa forma industrializável é para nós um privilégio e tem a pegada sustentável, pois a gente replica isso de uma forma mais sustentável. E não só isso, tecidos especiais com selo de reaproveitamento de pet que a gente também desenvolveu, tecidos que tem uma pegada 3D, tudo isso está acontecendo.
Nova versão da poltrona Duna, em plástico reciclado impresso em 3D. Peça foi apresentada durante a DW! na flagship da marca na Alameda Gabriel.
Nova versão da poltrona Duna, em plástico reciclado impresso em 3D. Peça foi apresentada durante a DW! na flagship da marca na Alameda Gabriel.
FELIPE – É bastante interessante a gente ver a peça com outra cara, com outra materialidade, neste caso numa versão outdoor, com cores que a gente pode trazer. Foi bem interessante o exemplo da Duna, que é uma das nossas peças icônicas e que foi facilmente replicável com pequenas modificações de desenho, mas que é quase a mesma peça.
ANDRÉ – E em comemoração aos dez anos da peça, né. Foi um
momento especial e fez todo o sentido trazer esse lançamento. Até agosto a
gente deve ter a peça 100% completa em todas as versões e cores.

Você mencionou, André, esse hiato para algumas peças: anos desenhadas e que agora podem se tornar realidade. Por exemplo?

ANDRÉ – A cadeira Sabiá, 100% madeira engenheirada...
FELIPE – Bem leve, elegante, a gente deu esse nome anos depois de estar no caderno, quando ela ficou pronta a gente foi parar para pensar num nome e pensamos no nome de um passarinho que habita o nordeste, habita o interior do Brasil, que foi citado em várias músicas, por Luiz Gonzaga, por Geraldo Azevedo...
ANDRÉ – Fez todo o sentido para o desenho que a gente tinha feito. Ela não nasceu com o nome e também não foi possível de executar em nenhuma fábrica com a qual a gente tinha trabalhado. A inteligência de engenharia de materiais que faz toda a diferença. Agora, a gente está conseguindo não só acessar indústrias melhores, como as tecnologias e as pessoas estão mais preparadas para fazer isso.

Grandes talentos brasileiros sempre existiram e estiveram por aí, mas me parece que agora temos mais acesso a essas pessoas, mais chance de conhecer seus trabalhos. A indústria também está olhando para isso?

FELIPE – O papel da indústria é fundamental nesse processo. Eu diria que, dez anos atrás, grande parte das indústrias eram quase de fundo de quintal, eram quase serrarias e todas viram que o momento era de investir em equipamento e em pessoal...
ANDRÉ – E em desenho! Não só copiar da Itália, né. Quinze
anos atrás era assim: vai para a feira de Milão, copia e faz.
FELIPE – Então essas indústrias que para nós, no início, foram mais difíceis de acessar, hoje estão plenamente acessíveis, o que possibilita a gente trazer as coisas que não tinha conseguido ainda tirar do caderno e colocar no mercado. Para nós é um momento especial.
ANDRÉ – E aí a pandemia também ajudou muito porque as pessoas tiveram que ficar focadas aqui dentro. O câmbio aumentou demais, a logística para trazer qualquer coisa aumentou demais, com fretes caríssimos, contêineres triplicaram de preço, e aí todo mundo focou na indústria local, no desenho, no que é brasileiro. Depois da pandemia a coisa ficou com proporção ainda maior, todo mundo querendo investir mais.
FELIPE – Os arquitetos passaram a enxergar os designs brasileiros como chique, como vanguardistas, como elegantes. Antigamente as pessoas iam procurar Egg chair, Swan chair, coisas escandinavas muito bacanas, mas que estão batidas há cinquenta anos. Hoje ninguém usa mais isso, você não vê mais isso num projeto como via 10 anos atrás. Hoje, o momento é de usar, resgatar os designs antigos e os novos designers brasileiros para fazê-los presentes nos projetos. É o que a gente tem observado e é uma realidade da arquitetura, da indústria e dos arquitetos de interiores.
ANDRÉ – Isso se reflete em várias indústrias do Brasil, de vários segmentos, mas a gente percebe isso claramente no mobiliário.
FELIPE – Sim, se você pegar os grandes arquitetos, eles usam praticamente só coisa brasileira, aqui e acolá resgatam alguma coisa de antiquário, alguma peça vintage, até fora do catálogo, mas o que se usa mesmo é design brasileiro.

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