Depois de vários anos alheia à programação da mídia tradicional, fui levada a assistir TV enquanto passava um programa de jornalismo político opinativo. Um famoso comentarista discutia o levante militar contra o governo atual da Bolívia. Com uma entonação provocativa dizia que 8 de janeiro teria sido planejado pelo mesmo “grupo internacional de extrema direita” que, “estratégica e profissionalmente”, organizou o tal “golpe militar” boliviano que estava em curso naquele momento.
Pesquisadora acadêmica que sou da chamada “nova direita” brasileira, não pude conter o riso diante da declaração do jornalista, porque, afora liberais clássicos e libertários, que são poucos e altamente intelectualizados, o que resta da bem mais numerosa parcela autodenominada “conservadora” tem muito mais de orgânico e fragmentado do que de profissional e organizado, como ele supunha. Se ele sequer suspeitasse que a desorganização é forte motivo de queixa dos integrantes do que ele chama de “extrema direita”....
Diferentemente dos grupos globalistas e da esquerda internacional, experientes no uso do advocacy, a nova direita ainda engatinha.
Embora constatando uma desarticulação (o que não mudou desde a extinção do Partido Conservador no século XIX), essa realidade está mudando, mesmo que timidamente. Estou falando da criação, nos últimos dez anos, de alguns movimentos e de think tanks, mas, muito especialmente, da estratégia que vem sendo empregada para tornar conhecidas internacionalmente as violações das liberdades constitucionais dos conservadores brasileiros pelo STF com o apoio do Executivo Federal.
Esse projeto quer, não apenas fazer com que a comunidade internacional saiba do que vem acontecendo no Brasil com os presos políticos pela baderna de janeiro de 2023; com os jornalistas que estão com contas bancárias congeladas, redes sociais e passaportes bloqueados(como Rodrigo Constantino) e com a juíza que foi aposentada compulsoriamente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cujo processo de asilo tramita na imigração dos Estados Unidos(Ludmila Lins Grillo). Essa estratégia deseja restaurar a liberdade de expressão no país ao nível que está previsto na Constituição Federal de 1988, segundo diz em suas lives o jornalista e cientista político Paulo Figueiredo.
Advocacy é uma técnica muito utilizada por grupos globalistas, especialmente agências da ONU e ONGs intituladas como de “direitos humanos”, para provocar em ambientes nacionais atos de autoridades, normas ou políticas públicas, por meio de conscientização da população impactada e de pressão a grupos políticos (lobby). Idealmente, é realizada por meio de parceria entre organizações, que se irmanam para suprir lacunas umas das outras em prol do objetivo comum. (Conceito parafraseado de Leandro Machado, autor do livro Como defender uma causa: potencialize seu impacto com pensamento estratégico).
O planejamento estratégico do advocacy usa várias ferramentas conhecidas da administração, como a gestão de projetos com base no PMBOK, a análise SWOT, as metas SMART etc. Emprega também mecanismos de comunicação como o Storytelling, além de práticas de marketing e meios jurídicos. Como técnica, o advocacy pode ser polida de qualquer ideologia e aproveitada em seus aspectos de neutralidade.
Esse mecanismo foi usado no país para criar planos de educação usando o modelo Unesco, mas também as Leis de Biodiversidade e até da Ficha Limpa. É também o modo pelo qual temas exóticos surgem no debate político, como, por exemplo, a discussão sobre “pobreza menstrual” ou sobre “currículo escolar feminista”.
Voltando ao advocacy conservador, o projeto que visa pressionar o Estado brasileiro de fora para dentro teve como sua primeira ação mais ostensiva uma entrevista coletiva realizada na frente do Capitólio em março de 2024 envolvendo emissoras dos EUA, parlamentares americanos e brasileiros, bem como jornalistas e ativistas.
Mas o que reverberou para o mundo foi a foto do ministro Alexandre de Moraes sendo exibida por Maria Elvira Salazar, deputada republicana, que questionou medidas de censura tomadas quando da campanha eleitoral de 2022 em alto e bom som como parte de uma audiência pública realizada pela comissão que seria um misto de direitos humanos com relações exteriores da Câmara dos Deputados. Mais ainda, a notificação do presidente dessa comissão, o deputado Chris Smith, ao ministro Alexandre de Moraes para prestar esclarecimentos sobre a situação de violações de liberdades no Brasil, o que provocou o convite do Senado brasileiro para o deputado americano apresentar seus achados por aqui também.
Toda esta movimentação ocorre ao tempo em que influencers e canais da mídia independente no Brasil, nos Estados Unidos e em vários outros países se esforçam para assegurar que o Ocidente saiba sobre como aqui se encaminha para uma ditadura. Isso sem falar na participação consistente de senadores e deputados brasileiros, parceiros que somam não apenas na reverberação dos fatos, mas também na visão de legitimidade e credibilidade das ações realizadas.
Embora bastante ruidosas, essas medidas não trouxeram nenhuma mudança concreta na situação que o plano visa mudar. E é natural. Como a ideia do advocacy é quebrar resistências e gerar impactos abrangentes em termos de público envolvido, a perspectiva de prazo de um plano é diferente da que se espera de demais instrumentos de mudanças. Não é campanha eleitoral, que elege o candidato no mesmo ano em que é lançada! Além de tudo, exige várias expertises, muita pesquisa, bastante articulação e tudo permeado de instrumentos da gestão aplicados e monitorados regularmente.
Por isso, diferentemente dos grupos globalistas e da esquerda internacional, experientes no uso da técnica, a nova direita ainda engatinha. Há quem diga que somente medidas de efeitos locais e concretos seriam capazes de quebrar o ciclo de destruição das liberdades fundamentais no Brasil contra um espectro da população. Mas, o sucesso da ONU e das ONGs em criar leis e políticas públicas de interesses dos grupos globalistas em vários países, incluindo o Brasil, mostra que para além do voto, ocupação das redes sociais, movimentos de rua ou criação de think tanks, o advocacy conservador veio pra ficar e promete “causar”.
Zizi Martins, doutora em Educação, mestre em Direito, especialista em Direito Administrativo, atua como vice-presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar(ANED), trabalha como procuradora do Estado da Bahia, consultora de liderança e gestão para o setor público e comentarista política da Brado Rádio.
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