O Rio Grande do Sul sofre, desde 5 de maio deste ano, as consequências de condições climáticas adversas e uma tragédia sem precedentes, com vítimas diretas, indiretas e coletivas, que, embora, hoje, tenham a atenção da mídia, da sociedade e do Estado, logo, infelizmente, serão esquecidas. Num passado não tão distante, tivemos as vítimas das enchentes da Bahia e do litoral de São Paulo, e das tragédias com as barragens em Brumadinho e Mariana, cidades do estado de Minas Gerais – apenas para mencionar alguns exemplos. O que aconteceu depois com elas?
Pouco se sabe a respeito de políticas públicas que tenham sido implementadas a partir desses eventos traumáticos. Muitas foram as doações recebidas – mas pouca transparência a respeito da destinação dada. O município de São Sebastião-SP, por exemplo, teve de acionar a Justiça para dar uma resposta ao povo sobre as arrecadações de entidades não-governamentais. Apesar dos valores vultosos das doações, elas não chegaram, em tese, a quem mais precisava.
Ademais, em nome da urgência, certames licitatórios são dispensados; e verbas públicas são alocadas para o atendimento às vítimas – embora não se tenha um plano de contingenciamento e de gerenciamento de situações de crise. Com a crescente ocorrência de desastres no território brasileiro, torna-se cada vez mais necessário revisitar os erros passados, e realizar um diagnóstico de riscos no presente, a fim de prevenir tragédias futuras, ou a reincidência das mesmas. É preciso promover reparação efetiva às vítimas quanto aos danos sofridos, tangíveis e intangíveis.
É necessário lembrar que desde maio de 2022, portanto, há dois anos, na Câmara dos Deputados, um requerimento com pedido de urgência aguarda aprovação para que o Estatuto da Vítima (Projeto de Lei 3.890/2020) receba chancela da presidência da Casa e possa ser votado pelos parlamentares.
O documento prevê direitos humanos básicos para vítimas de crimes, como infrações penais e atos infracionais, e também para as vítimas de calamidades públicas e de desastres naturais – como é o caso da tragédia sobre a população gaúcha.
Importante destacar que o Estado tem o dever de precaução em matéria ambiental, o que implica na formulação de políticas públicas preventivas. Em Taiwan, para se ter uma ideia, uma unidade especial atende vítimas de desastres naturais em apenas duas horas, além de emitir comunicados à população sobre situações de perigo.
Atualmente, é improvável que com o avanço tecnológico não se possa prever riscos potenciais à população, e, desta maneira, adotar medidas para a redução dos danos. Não há mais justificativa para a omissão do Estado brasileiro. Num país com dimensões geográficas continentais, como é o Brasil, é urgente a aprovação de legislação que garanta direitos mínimos à população vulnerabilizada, além de implantação de políticas públicas adequadas quanto ao que deve ser feito após desastres, focadas no bem-estar coletivo, impessoal e eficiente.
Esperamos que a tragédia no Sul do país possa sensibilizar nossos parlamentares de que já é tempo e hora de o Brasil adequar sua legislação aos reclamos daqueles que sofrem e cujas dores não podem cair no esquecimento.
Celeste Leite dos Santos, doutora em Direito Civil, mestre em Direito Penal, especialista em Interesses Difusos e Coletivos e idealizadora do Estatuto da Vítima, é presidente do Instituto Brasileiro de Atenção Integral à Vítima (Pró-Vítima) e promotora de Justiça em último grau do Colégio Recursal do Ministério Público (MP) de São Paulo.
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