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TSE x Cláudio Castro: o julgamento que pode redesenhar 2026

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O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, durante entrevista coletiva sobre operação policial no Complexo do Alemão. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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Em meio às repercussões sobre a polêmica megaoperação contra o crime organizado no Rio de Janeiro, que têm sido celebrada pela maioria da população e rejeitada apenas pela esquerda, segundo pesquisas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pautou para esta terça‑feira (4), o julgamento de recursos do Ministério Público Eleitoral (MPE), Marcelo Freixo e Coligação “A Vida vai Melhorar”(AIJEs n. 0603507-14 e 0606570-47),que buscam a cassação do mandato do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, assim como de seu vice, com declaração de suas inelegibilidades.

O caso surgiu de fatos ligados a contratações e repasses vinculados ao Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ) e à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)no ciclo de 2022. A matéria chega ao TSE depois de o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE‑RJ) ter absolvido os envolvidos em 2024 por não identificar prova suficiente de finalidade eleitoral nas iniciativas administrativas. Agora, o TSE reexaminará as provas e o enquadramento jurídico, definindo balizas que tendem a orientar a gestão pública em período pré‑eleitoral e a disputa de 2026.

A moldura institucional é sensível: a Justiça Eleitoral deve resguardar a normalidade e a legitimidade das eleições sem criminalizar a gestão rotineira. A fronteira entre política pública legítima e uso eleitoral indevido é estreita e exige critérios objetivos, para que decisões sejam previsíveis ao cidadão. Nesse sentido, mesmo antes do desfecho, o julgamento já tem função pedagógica: sinaliza como o TSE calibrará o padrão de prova para atos de governo às vésperas das urnas.

As acusações afirmam que houve uso indevido da máquina pública, isto é, emprego de estruturas, orçamento e pessoal do Estado com o objetivo de favorecer a campanha de reeleição de Cláudio Castro. Ou seja, iniciativas administrativas que deveriam atender ao interesse público teriam sido executadas de modo a gerar vantagem política, convertendo programas governamentais em um atalho eleitoral.

Trata‑se de julgamento didático para o país e, em particular, para o Rio de Janeiro. Primeiro, porque torna mais nítida a fronteira entre gestão pública e disputa eleitoral, oferecendo mapa de condutas para 2026. Segundo, porque o resultado pode redesenhar a governabilidade fluminense

Segundo a Procuradoria‑Geral Eleitoral (PGE), a cogitada vantagem se assenta em três pilares: (i) contratações temporárias sem amparo legal suficiente, com potencial de captação de apoio político; (ii) descentralização de recursos por fundações e programas estaduais, em escala e cronograma que teriam coincidido, de forma suspeita, com a disputa; e (iii) uso eleitoral de pessoas e verbas vinculadas a essas iniciativas. Considerados em conjunto, tais elementos formariam uma ponte direta entre ação estatal e conquista de votos.

Por essa razão, a PGE requer a cassação do mandato de Cláudio Castro e inelegibilidade por oito anos. A acusação sustenta, ainda, que o uso massivo de contratações temporárias pode criar um desequilíbrio silencioso – amplia a base de apoiadores dependentes do governo e potencializa a influência sobre o eleitor – hipótese que, porém, precisa ser demonstrada por provas sólidas de finalidade eleitoral.

A defesa de Cláudio Castro afirma que não houve intenção eleitoral nas contratações e programas sob exame. Alega que os atos seguiram necessidades de gestão e previsões orçamentárias legítimas, voltadas à prestação de serviços públicos e à continuidade de políticas previamente instituídas. Do ponto de vista probatório, sustenta que não há evidências robustas de direcionamento de pessoas contratadas para pedir votos, tampouco de desvio de verbas para fins de campanha.

Os advogados de Cláudio Castro relembram, ainda, que o TRE‑RJ absolveu os envolvidos em 2024 precisamente por não identificar, no conjunto fático, a ligação necessária entre condutas administrativas e finalidade eleitoral. Para a defesa, a mera existência de contratações ou a execução de programas não configura abuso. Seria indispensável demonstrar a conversão concreta dessas ações em instrumento de campanha e a gravidade capaz de afetar o equilíbrio do pleito - o que, como sustenta, não ocorreu. O argumento central, portanto, exige padrão de prova rigoroso e evita que a Justiça Eleitoral substitua o mérito da política pública.

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Duas normas estruturam o tema. A Lei das Eleições (Lei n. 9.504/1997) – em especial o art. 73, que lista condutas vedadas a agentes públicos. Já a Lei Complementar n. 64/1990 (Lei de Inelegibilidades), no art. 22, disciplina o abuso de poder político e econômico, bem como o uso indevido dos meios de comunicação, e autoriza a imposição de inelegibilidade por oito anos quando comprovados o nexo com a disputa e a gravidade dos fatos. Em termos práticos: políticas públicas não são proibidas em ano eleitoral; o que a lei coíbe é seu uso como atalho para pedir voto ou para desequilibrar a disputa entre candidatos.

O art. 73 da Lei 9.504/1997 é aplicado como sistema preventivo que preserva a igualdade de chances ao limitar iniciativas oficiais que, pela oportunidade, escala ou publicidade institucional, possam induzir o eleitor. Por sua vez, o art. 22 da LC 64/1990 é cláusula de responsabilização: quando o conjunto probatório revela gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade do pleito, admite‑se a aplicação de sanções severas. Nessa leitura, dois conceitos são centrais: (i) nexo – ligação direta entre ato de governo e finalidade eleitoral; e (ii) gravidade – capacidade real de a conduta impactar o resultado.

A régua recente do TSE mostra que, quando a Corte identifica nexo e gravidade, aplica sanções máximas. Em decisão de grande repercussão (Caso “embaixadores” – relativo a Jair Bolsonaro – AIJE n. 0600814-85), declarou‑se a inelegibilidade por oito anos de candidato que utilizou estrutura estatal e meios de comunicação oficiais em evento político, entendendo haver abuso de poder e uso indevido de meios institucionais. Em âmbito local, casos como Analândia-SP (REspEl n. 0600840-72) e Brusque-SC (REspEl n. 0600427-08) resultaram em cassação de prefeito e vice, inelegibilidade e convocação de eleição suplementar, ao se reconhecer densidade suficiente para quebrar a normalidade e a legitimidade do pleito. Em síntese: a Corte pune quando há ponte direta entre ação estatal e campanha, e tende a manter absolvições quando o nexo é frágil ou não demonstrado.

O desfecho do julgamento de Cláudio Castro deverá ser definido por duas questões: (1) se contratações e programas foram, de fato, moldados para gerar apoio político; e (2) se essa moldagem teve alcance para influenciar a eleição de 2022. Se a maioria enxergar nexo e gravidade, a régua histórica indica inelegibilidade por oito anos e, havendo repercussão concreta sobre o resultado do pleito estadual, cassação e convocação de eleição suplementar no Rio de Janeiro – com assunção interina do presidente do Tribunal de Justiça até o novo pleito. Se faltarem elementos nesse elo, a solução provável é a manutenção das absolvições do TRE‑RJ. Diante de ambiente dividido, não se descarta pedido de vista, que postergaria a decisão e prolongaria a incerteza política e administrativa. A imprensa, aliás, já publicou que o presidente do TSE, ministro Nunes Marques, deve pedir vista do julgamento, ganhando mais tempo para Castro.

Trata‑se de julgamento didático para o país e, em particular, para o Rio de Janeiro. Primeiro, porque torna mais nítida a fronteira entre gestão pública e disputa eleitoral, oferecendo mapa de condutas para 2026. Segundo, porque o resultado pode redesenhar a governabilidade fluminense: eventual condenação implicaria saída do governador e do vice, assunção temporária do presidente da Assembleia Legislativa e eleição suplementar, com efeitos políticos, administrativos e fiscais. Terceiro, porque a mensagem do TSE repercute nacionalmente: se a Corte elevar a régua probatória, agentes públicos calibrarão com mais cautela programas e contratações; se a régua baixar, o risco jurídico aumentará e a judicialização das campanhas se intensificará.

Independentemente da conclusão adotada, o caso de Cláudio Castro já cumpre função pedagógica: lembrar que programa público não é comitê de campanha. Para preservar a confiança do eleitor, é essencial manter separação nítida entre política pública legítima e vantagem eleitoral indevida. Seja qual for o resultado, o TSE precisa entregar uma decisão clara, em linguagem simples, que explique onde termina a política pública legítima e onde começa a vantagem eleitoral indevida- capaz de orientar gestores e candidaturas no ciclo de 2026 e de reduzir zonas de ambiguidade que alimentam conflitos e incertezas.

Leandro Rosa, advogado e consultor em diversas áreas do Direito, com foco principal no Direito Eleitoral e Administrativo, é mestre em Direito Empresarial e Cidadania com formação complementar em Direito Internacional e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (Portugal) e especializações em Direito e Processo Penal e em Direito Administrativo.  É membro fundador do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade) e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e sócio fundador do escritório Leandro Rosa Advogados Associados.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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